Pequenas histórias diárias: A BONDADE HUMANA

Por Marcelo Guido

Existem casos que acontecem com a gente que dão sentindo à vida. Talvez sem essas estórias, histórias e “causos”, a vida perderia um “Q” de graça e – por que não dizer – o próprio sentido.

Isso realmente aconteceu comigo.

Corria o ano de 2018. Minha esposa encontrava-se, na época, desconfortável com sua forma. Por mais que dissesse que não via problema, a nega – como carinhosamente costumo chamá-la – andava meio pra baixo. Tomou a decisão de começar a se exercitar, logicamente foi apoiada por mim (quem é marido sabe do que estou falando). Modalidade escolhida: corrida.

Mas não seria uma corrida qualquer, seria MATINAL! Isso mesmo, meus caros leitores: a nega sairia nos primeiros raiares de sol; o cantar do galo seria seu primeiro compromisso, quando a madrugada se despedisse, ela estaria prontamente vestida com roupa colada, meias grossas, uma camisa minha (claro que não vou mostrar o que é meu) e um indefectível rabo de cavalo. Estava pronta a nova etapa da vida.

Um detalhe – e que detalhe! – é que temos um lindo e belo rebento. Por isso precisávamos da colaboração de todos em casa. Escutei a seguinte frase no começo da empreitada “vou começar a correr, e tu vai acordar e FICAR com o Bento”. Quem seria eu pra discordar dela, além de amar muito a nega eu me AMO muito.

Poderia ser pior, a missão poderia ser “vou correr, e tu vai CORRER comigo”, quem me conhece sabe que não sou muito chegado a desgastes.

Eis que a Nega se vai, correndo feliz em busca de seu objetivo e eu pude ficar dormindo feliz em minha cama até que… ele acordou. Sim o Bento, precisamente às seis horas da manhã de um domingo, abriu seus olhos e sua primeira palavra foi “mamadeila”. Acabou meu sossego.

Fazendo a bendita massa para saciar a fome do pequeno, com os olhos repletos de remela e quase fechando me queimei com a água. Vendo meu filho consumir o conteúdo do recipiente com a voracidade de um peregrino imaginei que o mesmo iria encher a pança e voltaria a dormir. Ledo engano.

O “mi hijo” sentiu a falta da presença da mãe, começou um choro infernal – que rapidamente me despertou – e eu tentava acalmar com todo tipo de gracejo, imitava bicho, voz fofa, carregava no colo e nada; o choro tomava conta do ambiente e quem ouvia poderia imaginar a surra que Jesus levou no filme do Mel Gibson (spoiler: ele ressuscita).

Desesperado sem saber o que fazer, ele me deu a dica “papai descer”. Como assim filho, são sete e quinze da manhã – volta o choro. Não tem argumento melhor que um choro no “pé do escuta rock”.

Descemos, meu filho de fralda e chinelinha e uma mamadeira – a segunda da manhã na boca – e eu mais desgrenhado que um urso, a barba arrepiada, sem camisa com um short folgado e descalço. Eu era um misto de Bicho-Papão com poodle maltratado.

Começamos o nosso rolé (isso mesmo, rolê é coisa de paulista).

Primeira parada: Praça da Bandeira, os poucos transeuntes que se arriscavam a estar pelo passeio público naquele momento se assustavam com minha figura. Meu filho com a desenvoltura e disposição de um cão “sajico”, e eu tão disposto quanto uma velha múmia.

Seguimos, atravessamos a rua e eu comecei a imaginar onde iriamos parar se fôssemos adiante na Avenida Iracema Carvão Nunes, felizmente ninguém na rua. E paramos na Praça do Barão.

Aquela areia amarela, pisada, puxando mais para um laranja. Meu filho se encantava . E eu só queria dormir.

Eis que a poucos, uma nobre senhora vem se aproximando de nós e munida de sua bolsa e vestes sóbrias começa a nos indagar: “Pelo amor de Deus, onde vocês passaram a noite?” Continuando sem me dar chance de resposta “essa criança já comeu algo hoje?” “Jesus amado, tome senhor; é pouco mais o senhor pode tomar um café”. Juro, pela felicidade dos meus filhos, que quis me enterrar naquele campo. Expliquei e agradeci do fundo do coração, que não havia a necessidade, eu agradecia muito sua ajuda mas que tinha passado uma noite tranquila em minha casa, que por sinal era ali pertinho. “E a mãe dele, está onde, que não sabe que ele está assim até uma hora dessas?”. Eu olho para a quadra de basquete e vejo minha nega voltando de sua de sua corrida.

Agradeci aquela nobre alma e voltei com meu filho no colo, minha nega suada e eu rindo, por ter sido confundido com um morador de rua.

Existem pessoas no mundo que ainda se preocupam com o próximo. E isso é muito bom.

Outro dia eu conto mais.

*Marcelo Guido é jornalista, pai da Lanna Guido e do Bento Guido. Maridão da Bia.

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