Poema de agora: Palmas Proparoxítonas – Luiz Jorge Ferreira

Palmas Proparoxítonas

Uma estrela despenteada, sentada, sozinha, a beira da calçada, menstrua um punhado de luz de lua nova, sobre duas lembranças de Janeiro.
Eu vejo, escondido, detrás de um monte de Julhos.
E tento escrever em um vaso cheio de areia.
Um texto de Hamlet.


Quando de repente o farol de um carro sujo de lama e confete, espalha um clarão sobre minha face esquerda.
Há sobre ela, feito com carvão, um desenho de quebra cabeças, cheio de frases desconexas do Pequeno Príncipe em Birmânes.


Entrelaço dúzias de fiapos de manga que retiro dentes, e com eles adorno a cabeça calva da estrela, que vi no primeiro verso.

Meu coração fica com uma das asas machucadas.
E eu abraço ternamente a saudade, e o tempo que lentamente se afastam em direção às ruínas do Teatro.

Eu sou o Teatro, onde fingi, personagens minhas, para uma platéia entre espelhos, sou negro, e fui azul.
Fui chão e imitei voar.
Asas não as tinha , cuspiu nas costas, e as fiz brotar.
Ao rastejar senti vertigens, e nunca fui luz, moldei estrelas, fingi obtê-las da diagonal do esquecimento.
Onde a teia entre o passado amigo e futuro inseguro…brincam de amarelinha.

Para cantar escolhi Ode ao Silêncio…todos aplaudiram em Braile…
Amei ser o Oitavo.
Pulei feliz, até que fecharam as cortinas.


Um cheiro de naftalina,sentou ao meu lado na plateia.
O escuro deu- me as mãos, e julho temperamental, curvou os meus joelhos e me mergulhou no sal.

Dezenove de Julho, de Câncer, todo tatuado de meconio caminhei para o Sol.

Oitocentos e quarenta meses…corro coberto de mim, para escapar da chuva que menstrua lembranças tardias.

Oitocentos e quarenta meses…corro adiante de mim…fugindo da chuva…que molha minha sombra, sacode meu passado, nem me condena, nem me absolve, e promete inundar com meu drama lacrimoso …
Todas as telas apagadas das TVs desligadas dos Botecos de Vila Madalena.

Luiz Jorge Ferreira

* Do livro de Poemas “Nunca mais vou sair de mim sem levar as Asas” – Rumo Editorial – São Paulo.

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