Amor em tempos de COVID, dualismo político, corpos perfeitos e vidas de sucesso – Crônica de Telma Miranda

Crônica de Telma Miranda

Estou sozinha em casa desde o ano passado e acho que nunca pensei tanto na vida. Claro que nem toda a programação dos seis serviços de streaming que tem aqui são suficientes para ocupar meu tempo, inclusive, tô até pensando em começar a escrever avaliações das programações, que como bem a minha filha fala: “A senhora já assistiu tudo!”, e confesso que estou preparada, Netflix!

Mas a pauta é outra e é a minha favorita: AMOR. E falo do amor romântico, que envolve paixão, desejo e toda aquela dor de cabeça deliciosa que quem já passou jura que não quer mais, mas quando vê, já tá de novo e quem nunca passou com certeza passará.

E amar em tempos de COVID, dualismo político, corpos perfeitos e vidas de sucesso é um ato quase revolucionário, pois a grande maioria das pessoas não se acha à altura de despertar o desejo de alguém por não se enquadrar nos padrões estéticos e financeiros que as redes sociais vendem, e quando consegue um chamego pra transformar em amor, ainda tem os protocolos de COVID, as diferenças político-ideológica-partidárias, sem contar com as diferenças religiosas, de origem, criação, propósito, etc. Amar e ser amado nunca foi tão difícil em toda a história da humanidade.

Ele é lindo, educado, inteligente, me trata bem, mas a religião dele não respeita a minha! Ela é maravilhosa, amo cada minuto com ela, mas ela votou no fulano pra presidente e ainda por cima compartilhou nas redes sociais! Nossa, ele é um príncipe e nossa química é perfeita, mas ele não quer se vacinar! Eita que ela defende o aborto e tá fazendo live pra incentivar outras e não se mata inocente! Poxa vida, beija tão bem mas defende o uso de armas e fala que bandido bom é bandido morto! Amo a comida dela, mas tinha que ter esses amigos maconheiros? Todos nós passamos, passaremos ou conhecemos alguém em alguma dessas situações. Ninguém mais cede ou dialoga. Estamos imersos num radicalismo em todas as modalidades sem precedentes. E os poucos que cedem são vistos como pouco inteligentes.

O mais incrível de TUDO é que tenho visto casais lindos separando, famílias divididas e um monte de gente gritando, brigando e quebrando por questões que em tese não deveriam afetar a vida íntima e particular, pois se tratam de diferenças de opinião e vivemos numa democracia.

Triste isso tudo, e o AMOR, artigo de luxo, vai se tornando cada vez mais rarefeito e confundido com acomodação por conveniência, e as borboletas que habitavam os estômagos dos amantes entraram em extinção, sendo que algumas foram contaminadas por esses vírus mutantes modernos e contaminaram alguns quase apaixonados que acabaram por desaguar esse sentimento ainda sem nome, dos que ficam cegos, surdos e obcecados em dominar, postar, parecer ser e ostentar ao invés de amar. A notícia boa é que pra COVID tem vacina. Pra ilusão tem o choque de realidade. E pra todo o resto, aceitar e respeitar nossa finitude e humanidade.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

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