Bar cochilo – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Tia Caetana comprou um bar, quando ficou viúva…
Era um bar perto de sua casa onde seu falecido esposo passava horas antes de chegar em casa vindo do trabalho, na companhia dos amigos, tomando vinho e jogando dominó, ou dama, nas diversas mesas já preparadas para isso. O tabuleiro pintado nas mesas.

Ninguém da família tinha experiência nesse ramo de negócio…diziam que um primo, que morava em Soure no Pará, fora dono de uma Casa Noturna de nome Cochilo. De tal forma que tia Caetana reformou tudo mas manteve as mesas do estilo tabuleiro de Dama, e a equipe da casa, cozinheiros garçons, e a moça que anotava as solicitações para o violonista Cantor.

Arrumou as mesas de forma que diante do tablado onde se posicionava o Cantor, ficasse um espaço para algum casal de clientes mais alegres, poder dançar.

Tia Caetana, não fumava, não bebia, era carola, de frequência rigorosa nas missas, e atividades da Igreja, desde de que não interferissem na sua jornada de trabalho, no Cochilo, nome com que havia rebatizado, o antigo estabelecimento, vestia-se quase sempre com roupas escuras, e sapatos que imitavam pequenas botinas, usava óculos de lentes de grau azulados, que na atmosfera de pouca luz no interior do Cochilo, lembravam um par de olhos de gato.

Bebia em ocasiões que ela dizia serem especiais uma mistura que ela guardavam em uma garrafa de vidro decorada com uma paisagem parisiense em que se via a torre Eiffel e sobre ela a imagem do Mademoiselle do Santos Dumont.

Tal garrafa era guardada como uma peça preciosa e seu conteúdo intocável.
…a garrafa continha o que ela denominava …de meu Absinto caseiro.

O dia que o Papa visitou o Brasil ela nos brindou por conta da casa com esse néctar…
A casa ainda não abrirá e ela nos convidou para sentarmos nas várias mesas postas em volta, em círculos, e colocou a bebida dentro de seu reluzente cálice e em seguida tocou fogo vendo a chama azulada criar corpo, juro que me pareceu ver um rosto entre meio das chamas, que lembrou a figura do tio que falecerá, antes dela comprar o Cochilo.

Tia Caetana deu um gole, e passou o cálice para os amigos e parentes em torno. Nenhum de nós lembrou de mais nada, eu mesmo que nunca falará Chinês citei Confúcio em vários parágrafos sei que o fiz pela gravação feita pela moça que anotava as solicitações musicais, e depois postou no número do celular que lhe passei…ela mesmo fez vídeo de todos em uma pequena procissão ao redor das mesas e tia Caetana liderando e cantando Cantos Gregorianos que ninguém ali com certeza tinham escutado, mas a acompanhavam perfeitamente bem com sotaque romano.

Depois desse dia, o Cochilo ganhou um público diferente, antes das 22 horas, era um entra e saí de senhoras, que eu sempre via nas festas ecumênicas da Igreja…agora as via entrar no Bar Cochilo, e dirigirem-se ao balcão de chás que Tia Caetana tinha posicionado um pouco antes dos banheiros femininos, másculos e o indiferenciado que ela batizará com o nome de Neutros.
Tia Caetana fizera um mix no Bar …Religiosidade e Boêmia…
Até as 22…aconselhamentos, chás, bolachas biscoitos, e outros salgados…


Depois das 22…as meninas de botas, calças super apertadas, shorts fujões do corpo, e shows de nádegas.  Tia Caetana reformava a postura punha um lenço colorido nos cabelos, trocava os óculos sisudos por um leve óculos ray-ban dégradé, e um vestido amarelo com grandes floreios lilás…
E se manifestava batendo cadenciadas palmas apropriadas para um casal dançando um Passo Dublê…

Aos sábados lavagem geral com sal grosso e espalhamento dos vasos do Tajá … ‘ Comigo ninguém pode…’ e no Domingo não abria… Tia Caetana ia a Missa e comungava sem confessar, apregoava que a Confissão era íntima consigo mesmo…Tia Caetana fazia escola na Matriz…dava Curso para Formação de Casais, com fila de espera…


De noite, aos domingos, lia o jornal da Cúria Romana …L’Osservatore Romano …que todos os dias era publicado em Italiano, e na semana em outros idiomas.Depois anotava as duvidas e as suas o piniões para serem enviadas a Roma, por meio da correspondência que a Matriz mandava.

Eu ia apanhar uma vez ao mês as Cartas endereçadas a Matriz e outras enviadas ao Bar Cochilo, coisas comerciais, impostos, propaganda de novos eletrodomésticos etc…etc. Um dia deparei com um envelope internacional, vindo da Itália…Tia Caetana ficou eufórica, nesse dia os clientes do Bar Cochilo tiveram abatimentos gigantes em suas contas…
Foi uma noite de alegria.

Daquele dia em diante ela dedicou-se mais ao treinamento do Gerente, e começou a pensar em viajar…incluiu um repertório romantico de Músicas Italianas, e ajudou a canta-las, ensaiou uns sapateados, e tirou Passaporte…

Certo dia …notei sua ausência, tomei a liberdade de remexer suas correspondências nas gavetas da sua escrivaninha em seu escritório, muitos jornais, muitos L’ Osservatore Romano, folhei, tia tinha se tornado uma colaboradora frequente, escrevia sobre as religiões afro amazônicas e suas presenças no controle e tratamento dos seguidores delas.

O Bar Cochilo, nesses três meses de ausência dela, havia mudado seu perfil, vinham os frequentadores das igrejas vizinhas, faziam um lanche, tomavam café, bebiam água, discutiam passagens bíblicas e renovavam as flores sob os retratos dos Religiosos locais falecidos mais influentes…e considerados Santos. O Cantor agora cantava Louvores e sua esposa fazia saladas veganas…

Escritores Elton Tavares, Lorena Queiroz e Fernando Canto, no imaginário Bar Cochilo, da Caetana e Luiz Jorge

Um dia o gerente me viu passar defronte, veio em minha direção, disse-me que Tia Caetana havia lhe doado o Bar Cochilo, e que ele queria saber se eu me opunha, a esse fato, e que trocaria o nome de Bar Cochilo, para Cantinho Santo Cochilo, disse o fizesse, e que havia recebido um telefonema de Macapá dos escritores Fernando Canto, Elton Tavares, Lorena Queiroz, porque haviam tido notícias sobre o Bar Cochilo, e vinham a mim convidar para escrever alguma coisa sobre ele, tendo em vista que havia morado em Macapá e haveriam de publicar um Livro sobre estórias de Bares…
Agradeci ao Gerente pela notícia, pedi que agradecesse ao convite quando ligassem…
E dissesse que gostaria muito de fazê-lo. Mas que eu poderia escrever de interessante sobre Bar?

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