Mãe – Por Ruben Bemerguy

Por Ruben Bemerguy

Boa noite, mãe.

Mãe, seguramente, essa hora a senhora está dormindo.

Eu descanso, mãe, quando a senhora descansa.

Foto: arquivo familiar.

Tenho em mim a paz de seu sono e a alegria de vê-la sempre mais moça quando acorda. A senhora desenvelhece em mim todas as manhãs, mãe.

Eu vivo do útero de seus olhos, mãe. Descobri outro dia que só as mães têm olhos, por que só as mães têm útero. O útero, segundo minhas observações, não são meros órgãos de gestação e nem têm habitação fixa, mãe.

O útero é um nômade no corpo das mães. Ora se criam em sorrisos, ora se criam em lágrimas. Ora entregam luz, ora se fazem noite. Por isso, útero de mãe não vive em corpo. Útero de mãe vive em céu. Útero de mãe é constelação.

Ontem mesmo eu estive conversando com Macapá sobre isso. Mãe, foram muitas lembranças. Macapá, essa cidade útero, rememorou minha existência.

Fotos: Blog Porta Retrato

A senhora acredita que me falou sobre a “Escola Paroquial São José”? O “Grupo Escolar Modelo Guanabara”? A “Escola Princesa Izabel” e até do “Ginásio de Macapá”?

Mãe, Macapá lembra de tudo.

Dia da raça, e os desfiles na Av. Fab. Dia da Independência e os desfiles na Av. Fab. Dia 13 de setembro e os desfiles na Av. Fab.

Outro dia, a pedido da cidade de Macapá, eu fui até a Av. Fab, mãe. Quis encontrar meus passos em marcha na turma da graxa.

Me aproximei, pensei-me íntimo as Avenida. Acreditei que a avenida ainda guardava meus passos em marcha na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar.

As músicas da Banda do Mestre Oscar nunca me saíram dos ouvidos, mãe. Assovio uma a uma, até que câimbras me proíbam os lábios.

Avenida FAB – Foto: Rodolfo Santos

Mãe, acredite, a Av. Fab foi indiferente a mim. É como se eu não existisse. Como se ela nunca tivesse me visto. Como se meus pés ela não tivesse guardado em marcha na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar.

Era como se o Dia da raça não existisse, mãe. Como se o dia da Independência não existisse, mãe. Como se o dia 13 de setembro não existisse, mãe. Como se eu nunca tivesse marchado na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar, mãe.

Eu disse tudo isso à cidade, mãe. Na verdade, não disse, denunciei isso à cidade. A indelicadeza, o descaso, o desdém da Av. Fab comigo.

Macapá, então, me olhou com os seus olhos útero, passou as mãos em meu rosto, desviou-me a respiração para o horizonte e me perguntou: Depois de adulto, o que você fez pela Av. Fab? Algum dia cuidou dela? Acariciou a Avenida em que marchou na turma da graxa, puxada pela marcha da Banda do Mestre Oscar?

Segundo a cidade, eu, adulto, é que esqueci da Av. Fab e o silencio e a indiferença da Av. Fab não seria outra coisa senão minha própria ausência da Av. Fab.

Foto: Rede Amazônica

Mãe, por advertência da cidade, eu vou me penitenciar e tentar cuidar outra vez da Av. Fab.

Fazendo isso, me disse a cidade que o dia da Raça volta a existir pra mim. O da Independência também volta, assim como o dia 13 de setembro voltará.

Acho que vou cuidar da Av. Fab. Sou reverente aos conselhos da cidade.

Boa noite, mãezinha.

Eu te amo.

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