Quando Ismália enlouqueceu – Conto de Ronaldo Rodrigues

Conto de Ronaldo Rodrigues

“Quando Ismália enlouqueceu, pôs-se na torre a sonhar” e eu a estava contemplando naquele exato momento, através do meu telescópio transcendental, que tem o poder de ver coisas acontecidas muito antigamente.

Ismália estava linda, banhada pela luz da lua, debruçada na janela da torre, contemplando a extensão do mar e do céu. Seus olhos iam da lua para o mar, do mar para a lua. Pareciam ondas que o mar agitava num momento e, em outro momento, fazia serenar, como que chamando Ismália para seu reino.

Os olhos de Ismália se abriam, brilhando de vida aqui para baixarem tristonhos ali. Se apagavam num segundo e no próximo já iluminavam o ambiente da torre silenciosa. Estaria Ismália disputando com a lua quem mais seria digna de atrair a atenção do mar?

Quando Ismália entoou seu canto, eu o ouvi nitidamente, apesar da distância no tempo e no espaço que nos separavam (ou nos uniam?). Aquela canção parecia vir do fundo do mar e, ao mesmo tempo, era como se descesse das alturas em que a lua se encontrava.

Que pena que meu telescópio transcendental não me dava o poder de interferir na cena, senão eu gritaria para Ismália não se jogar da torre. Que suas asas (reais ou imaginárias) não teriam força suficiente para vencer aquele vento impetuoso. Eu gritaria em sua direção e quebraria sua ilusão de poder abraçar a lua com o calor de suas asas. Se eu pudesse correr para aparar seu corpo. Se eu pudesse trazer a lua para o alcance de Ismália. Se eu pudesse fazer com que o mar recebesse seu corpo sem dor, sem morte. Se eu pudesse…

*** *** ***

Ainda hoje, em meus passeios noturnos à beira-mar, ao redor daquela torre, que permanece firme e intacta em seu abandono, escuto Ismália em seu canto de triste amor, de solidão, de beatífica insanidade. Ainda vejo sua alma flutuando em direção à lua dos meus universos insondáveis e seu corpo caindo no mar dos meus desalentos.

Conto inspirado no poema Ismália, do poeta simbolista mineiro Alphonsus de Guimaraens.

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