Resenha porreta do livro “A visita cruel do tempo”, de Jennifer Egan – (Por Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena)

A VISITA CRUEL DO TEMPO – Por Lorena Queiroz

Antes de começar a falar sobre essa obra, quero contar a história de como ela chegou até minhas mãos. Ganhei esse livro de presente de um amigo muito amado, mas com quem eu já me vi aos socos verbais. A gente já se odiou e voltou a se amar em segundos, pois é isso que o tempo faz com as relações. Gostei tanto do livro que resolvi comprar um exemplar para presentear outra pessoa. Escrevi a dedicatória em um movimento quase intuitivo, não lembro exatamente, mas era algo como; “Dance e abrace em meio ao caos”. Acredito que se eu fosse o tempo, seria o conselho que eu daria a qualquer pessoa. Pois não isso que ele espera da gente?

Dito isso, vamos ao livro.

A visita cruel do tempo é uma obra escrita em 2010 pela autora estadunidense Jennifer Egan. Vencedor do prêmio Pulitzer e descrito pela revista Time como o novo clássico da ficção norte-americana.

O romance conta as estórias de um grupo de pessoas que estão ligadas não apenas pelo fio do destino, mas acima de tudo conectadas pela música. A música é um fator muito importante dentro da trama, pois as ligações mais profundas e inesperadas se dão por esse amor. O mundo do Rock´n´roll e a indústria musical são ambientes perfeitos para que as personagens desenvolvam suas percepções sobre si e sobre o mundo que as cerca. Temas como juventude, escolhas, erros e acertos são discutidos entre um passado nebuloso e desilusões futuras. As relações entre pais e filhos e como cada decisão reflete na vida de cada um.

A narrativa não tem linearidade temporal e tampouco é feita por um narrador apenas. A trama se desenvolve em capítulos narrados por personagens diferentes que apresentam suas estórias e a cada capítulo o leitor conhece mais um pouco sobre cada um deles. Com o avançar da leitura as estórias se entrelaçam e passamos a encontrar personagens que já temos alguma intimidade, pois ela já narrou o capítulo anterior. E essa estrutura escolhida pela autora faz com que você crie uma conexão ainda maior com cada personagem, estória, amores e dissabores que o leitor encontrará não apenas no decorrer da leitura, mas também em seu próprio livro de memórias. Assim, passamos a conhecer Bennie Salazar, um executivo bem-sucedido da indústria musical, mas que na juventude já tivera uma banda fracassada e o coração destruído. Bennie que quando jovem conheceu Rhea, Jocelyn, Alice, Marty, Scotty e Lou, este último que era rico e bem mais velho que os demais do grupo quando os conhece. Bennie então se casa com Stephanie e tem como assistente a cleptomaníaca Sasha. Todas as estórias são soltas e, como já dito, não lineares, mas que se entrelaçam e seus fragmentos formam uma outra trama ao fim. inclusive alguns personagens aparecem e tem os desfechos de suas vidas em um parágrafo, mas isso não os torna menos importantes na dentro da estória, pois estão entrelaçados nas vidas de outras personagens e, assim, o tempo vai cumprindo seu papel e tecendo destinos.

O livro em inglês recebeu o nome de A visit from the Goon Squad. A expressão Goon Squad é utilizada para denominar grupos contratados com intuito de promover intimidações e violência contra outros grupos que eram ligados às greves por busca de direitos nos EUA. Algo sugerido pela autora como se o avançar do tempo viesse com igual violência e perversidade incontrolável.

Alguns leitores podem julgar que Bennie é o protagonista do livro, mas na minha opinião, a personagem principal dessa estória é o tempo. De como ele avança com certa violência, onde você vê aquele seu amigo tocando baixo em uma garagem e lembra que hoje ele tem uma lapide. A memória do ângulo de visão que você tinha de seus pais na infância e a angulação que a idade adulta te trouxe do espelho, as linhas de expressão e os cabelos brancos. Ou como aquela pessoa alegre e com o entusiasmo dos imprudentes e que termina seus dias acorrentado a uma cama de hospital. Todas as transformações incontroláveis que o tempo traz. Tudo acontecendo no exato momento em que nada é percebido. John Lennon certa vez disse que a vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos. E é isso, somos tão idiotas, uma legião de imbecis soberbos que não percebem que, em cada música e cheiro que trazem uma lembrança, a vida está tentando nos dizer que ele passa, o tempo. E ainda assim continuamos a insistir em protelar ações, sentimentos, erros. E isso tudo por medo e orgulho do não.

Esse é um livro sobre continuar. Continuar apesar de tudo e de todos. Continuar a despeito de todas as mudanças, as desejadas e não desejadas. Coisas esperadas e inesperadas. Erros e acertos, e como essas decisões reverberam no destino. Mas acima de tudo é sobre como existir e viver dentro do minguar de seu próprio tempo. A legião disse um dia; ‘’Somos tão jovens”

* Lorena Queiroz é advogada, escritora, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além de prima/irmã amada deste editor.

  • Lorena é uma Antena Parabólica que capta as ideias e as desembaraça com uma delicadeza e depois as serve em uma sinopse que guarda todo o sabor da estória lida.
    Sempre ótimo!

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