Glorioso Santo Antônio!! (Crônica)


Quando Santo Antônio, que ainda não era santo, decidiu ajudar duas moças pobres a se casar, não sabia a dor de cabeça que estava criando pra si mesmo. O coitado agora tem que conviver com as ordens pedidos de moiçolas que são capazes de qualquer coisa pra acabar com a solteirice.

Vale de tudo! Colocar o santo de cabeça pra baixo, afogá-lo na água, sequestrar o Menino Jesus e barganhar o refém por um namorado. Mas, creio cá pra mim, que o santo goste de pessoas mais altruístas, então, vale dar uma imagem de Santo Antônio para um casal, mas sem o menino Jesus, claro, que você não é boba! Menino Jesus só depois de casada no papel.

Se você tem certeza de que vai casar, mas a ansiedade não te deixa dormir, vai uma simpatia que é batata!  Uma bacia com água e vários papeizinhos embrulhados com os possíveis nomes do(s) futuro(s) companheiro(s). Na madrugada do dia 12 de junho, coloque a bacia em baixo da cama. No dia seguinte, o nome do seu futuro marido será revelado.

Mas, se você não gosta de muito spoiler, não quer estragar a surpresa e quer saber apenas a primeira letra do seu futuro amor, faça o seguinte: Descasque uma laranja, de modo que a casca saia como uma tira inteira (tem que ser inteira, não vale enganar!), gire a casca da laranja (é, como se fosse um laço, desses de cowboy! 🙂 pedindo pro santo lhe mostrar a primeira letra do nome do seu futuro marido, jogue a casca de laranja pra traz, por cima da sua cabeça. A letra que se formar no chão, é a letra do nome do amor da sua vida (se não for pedir demais, né Sontonho! mas vale só um marido, mesmo!)

Esse eu vi funcionar, pode fazer que eu garanto:  na noite do dia 12 de junho, pegue uma vela nova, pingue 13 gotas num copo com água. No outro dia pode ficar de olho nas pessoas que você encontrar que tenham nomes que comecem com a inicial que formar no copo, porque certamente uma delas é o seu par!!! E VIVA SANTO ANTÕNIO!!

Mas tem que casar na igreja, viu!! Não vale sabotar o santo. Que ele ganha comissão por casamento na igreja, não casal formado. Pedir pro santo e depois juntar os trapinhos, aí também já é demais!

Sempre Mãe


Mãe acredita na nossa mentira mesmo sabendo que não é verdade.

Mãe é a única pessoa que nos telefona antes das 8h. Aliás, mãe telefona quando não precisa, telefona para não falar nada.

Mãe sempre alcança o que deseja dizendo que é bom para gente.

Mãe aprende com os filhos, mas acerta mesmo com os netos.

Mãe conserva eternamente o cheiro de hipoglós entre os dedos.

Mãe consulta a opinião do pai para fazer tudo diferente.

Mãe é competitiva na alegria e na tristeza. Não aceita que alguém seja melhor do que ela. Nem que alguém seja pior do que ela.

Mãe não pede desculpa, pede licença para chorar. Vai chorar sempre que você gritar com ela. Vai chorar sempre que você não responder para ela. Vai chorar de qualquer jeito.

Mãe é nosso Pen Drive: não consegue colocar fora nem o rascunho do nosso desenho da 2ª série.

Mãe espalha notícia sobre a nossa vida antes da confirmação e depois alega que não entende como todo mundo já descobriu.

Mãe questiona o que queremos para apoiar no final. Condena primeiro para perdoar em seguida.

Mãe tenta evitar ciúme criando segredos entre os irmãos.

Mãe constrange com abraços e beijos e apelidos fofos e sonha andar de mãos dadas na rua com o filho na frente de todos.

Mãe reclama do filho para o filho e elogia o filho para os outros.

Quando alguém parabeniza sua criança, a mãe agradece como se fosse para ela.

Mãe não desmancha o quarto do filho adulto esperando que ele volte para casa.

Mãe nunca tem razão, ela é nossa razão para viver.

Fabrício Carpnejar

Uma vitória dos deuses… e da defesa (Chelsea x Barcelona)

Por Emerson Gonçalves
                                                                                                                                                                             
Nas grandes religiões modernas, Deus é um ser supremo, perfeito, onisciente, onipresente.

Os deuses gregos eram diferentes. Podemos dizer que eram humanos elevados a alguma potência, com todas as qualidades e, também, todos os defeitos dos homens. Amavam, odiavam, tramavam, traíam, divertiam-se, embebedavam-se, apostavam, empanturravam-se, até, e lutavam pelo poder.

Modernamente, os deuses que mais se aproximam das divindades gregas são os deuses do futebol, os deuses dos estádios. E, acreditem, são todos uns pândegos, grandes gozadores, amantes da ironia. Tenho comigo que são invejosos, muito invejosos. E, por que não, meio que do contra. São os responsáveis por ser o futebol o esporte apaixonante que é. Em que um pobre vence um milionário, um pequeno vence um gigante, um limitado vence um genial.

Assim foi nessa semifinal de Champions League: o limitado, mas rico, Chelsea de Roman Abramovich, venceu o genial Barcelona de Pep Guardiola e Lionel Messi. Ao fim e ao cabo, 3×2 para as camisas azuis do chique bairro londrino, no placar agregado dos dois jogos. Apesar do nome, porém, os Blues são do vizinho não tão chique, Fulham. Embora inglês, seu dono é um milionário russo, que já queimou alguns bilhões de dólares com sua paixão.

Estou reticente em dizer que o Barça foi derrotado pelo Chelsea. Lamento, mas é assim que me sinto. Tenho comigo que a derrota da melhor equipe do mundo deu-se para os caprichos dos deuses dos estádios. No primeiro jogo, duas bolas nas traves. No segundo jogo, mais duas bolas, ambas de Messi, uma no pé da trave esquerda de Peter Cech, graças às pontinhas das luvas do grande goleiro, e a outra no travessão, na cobrança do pênalti.

E as divindades todas estavam sentadinhas justamente no travessão, divertindo-se com a angústia de Messi, o “arrancar de cabelos” de Guardiola, trocado por um arrancar do elegante blazer, depois jogado sobre o banco, a expectativa nervosa e maluca de Di Matteo, o interino, que deverá ser efetivado, graças à “forcinha” da rapaziada que veste azul e parece não gostar de professores que tem o português como língua materna.

Não há time invencível

Ao contrário do que pensam alguns torcedores de times brasileiros, não há, realmente, um time invencível. Di Matteo armou sua equipe para defender-se, o que fez com maestria. Inspirou-se no bom trabalho do treinador do Milan, Massimiliano Allegri, contra esse mesmo Barcelona e aperfeiçou-o. Messi não teve espaço, logo, não teve liberdade. Os espaços foram encurtados e as tabelas curtas do Barça foram, em boa parte, inviabilizadas. Espertamente, principalmente por Daniel Alves não ter começado a partida, Di Matteo não se preocupou muito com as laterais, pois o Barça há muito tempo vem fazendo a maior parte de seu jogo pelo meio. A maior parte, não todo. Com Daniel em campo, a ação pela lateral foi dificultada naturalmente pelo acúmulo de defensores na área. Isso levou o time a alçar algumas bolas sobre a área inglesa, com aproveitamento nulo: esse não é o jogo que o Barcelona sabe jogar.

Aqui cabe uma observação importante: não basta recuar o time, não basta colocar “todo mundo” e mais o presidente para defender. É preciso que esses jogadores saibam jogar bola, sejam inteligentes e tenham, principalmente, excelente comportamento tático, vale dizer, disciplina tática. Não vou perder tempo falando da imbecilidade – mais uma – de Terry. Melhor falar de Ramires, o artífice da classificação do Chelsea com Lampard e Drogba. Ou de Meirelles, discreto e limitado, mas que sufocou Lionel, o Messi. Ashley Cole e Ivanovic estiveram igualmente muito bem e o time todo entregou-se à marcação, seguindo o exemplo de Drogba.

No fim, em mais um dos raros contra-ataques, o estigmatizado Fernando Torres caminhou sozinho pelo campo blaugrano até entrar na área, evitar Valdés e marcar o gol do empate, o terceiro na contagem agregada. Torres, quem diria, hein? A propósito, comentei sobre ele e seu processo de recuperação e reencontro com o gol no post “Um jogo agradável e só…”, em 18 de março, nesse OCE.

O gol de Ramires já dava a classificação, mas, pelo sim, pelo não, o de Torres sacramentou. Pode ter sido, também, o gol que ele precisava para voltar à forma que o consagrou.

O melhor time do mundo perdeu. Acaba a temporada sem um único título. Mas continua sendo o melhor do mundo, disparado. As traves de Stamford Bridge e do Camp Nou que o digam. Além, é claro, dos deuses dos estádios, dando risadas até agora.

Post scriptum 

Sim, a temporada ainda não acabou, a Liga ainda tem alguns jogos e há o jogo contra o Athletic Bilbao, pela Copa do Rei. Pois é…


NA COPA DO BAR DO ABREU (*)

Por Isnard Lima

Entre os bares famosos de Macapá, desde o Elite Bar até o Gatto Azul, há de estar em primeiro escalão, o Bar do Abreu.

Vamos caminhar no tempo. Era noite ainda e adentrava num bar recém-inaugurado, na fronteira do Laguinho em um antigo açougue que pertencera ao Rodrigo. Estava acompanhado do poeta Alcy Araújo, que me avisava – esse bar vai ficar na história dos boêmios da cidade, Isnard. E ficou, mesmo. Isso foi em 1982. Era verão, dia 04 de agosto. Faz 20 anos. É o mais antigo, até agora. Naturalmente não se pode afirmar quanto tempo pode durar um bar.

Depende da época, frequentadores, da história, de uma série de fatores um tanto alcoolados, que não se fixam na pátina do tempo nem no verde-limo dos mármores.

O dono era um senhor de cabelos grisalhos – o Abreu, de Soure. O nome do bar foi idéia do jornalista Hélio Pennafor, já transitado. Nele entram e saem gerações de boêmios de todas as épocas e classes. Este que agora existe na FAB é o sexto. Passou por três bairros – Laguinho, Trem e Centro. É simples. Não lembra um Pub de Londres ou uma cantina de Nápoles, nem uma cervejaria de Berlim. É brasileiro e nele se toma cachaça, vinho, cerveja preta. Frequentam-no pessoas de todos os tipos sociais – estudantes, operários, jogadores de futebol, arrivistas, funcionários públicos, aposentados ou não, profissionais liberais e mulheres independentes.

Bar e restaurante bem simples, com comida sadia para todos os bolsos. Ambiente tranquilo, onde se paquera, namora, trata de negócios, políticas, futebol, artes, etc.

Em 1995, em dezembro, ao sair meu livro Malabar Azul do prelo do Rurap, o Abreu estava no Trem. Mas ao ambiente faltava o espírito inquieto e boêmio do Laguinho. O Abreu é cosmopolita. Abre até a madrugada, conforme o movimento. As garçonetes variam – quatro à noite, uma de dia. Prato simples – peixe, feijão com arroz, piracuru, carne grelhada, etc.

Freguesia cativa como poucas no Norte e Brasil. Há um grupo seleto e antigo de fregueses. Do compositor Fernando Canto à patota de turistas que se arrisca de vez em quando. Pessoas acima de 40 anos, tranquilas que esperam da Mira o tira-gosto do dia, enquanto chegam jornalistas, repórteres, escritores e poetas. Sempre tenho o meu pratinho feito. E meu crédito em pé. Ronaldo e Marquinho assumiram o comando, agora que o Abreu aposentou e foi descansar. Mas deverá estar presente no dia 04 de agosto, na festa maior do mais famoso dos bares desta terra dos tucujus, que bebiam bacaba. Um bar para ficar no coração de todo boêmio deste Estado equatorial. Não se sabe até quando. Talvez o poeta Isnard Lima ainda esteja por aqui quando ele um dia fechar e formos beber no Paraíso.

(*) Publicado no Diário do Amapá, edição de 22 de maio de 2002.

Fonte: http://fernando-canto.blogspot.com.br/

O ABREU E AS LEMBRANÇAS DE MACAPÁ (*)

Hélio Pennafort

Quem quiser bater um papo com o Abreu tem, primeiro, que esperar terminar a missa das oito de uma igreja próxima à travessa 3 de Maio, onde mora essa figura que deixou seu nome marcado na  cabeça de uma legião de biriteiros e notívagos que frequentavam o balcão e as mesas de um dos bares mais conhecidos da nossa cidade.

Depois é esperar que ele conclua a caminhada que separa a porta da igreja à calçada da sua casa, quando queima o excesso de calorias e mantém a boa forma de várias décadas.

A prática do cooper e a reza matinal são doias hábitos que Abreu cultiva desde o seu tempo de adolescente. Assim que chegou aqui em Macapá e se estabeleceu na beira de um dos campos do Laguinho (hoje ocupado pelo prédio do Sebrae), Abreu passou a rezar na igreja Jesus de Nazaré, acompanhando as missas do padre Jorge Basile, depois voltava em passo acelerado para colocar o bar em funcionamento, destampando as primeiras garrafas por volta de oito da manhã.

A partir daí o bar nunca ficava completamente vazio. Mesmo na hora do arrefecimento etílico, sempre havia alguém por lá, às vezes só para bater um papo e apreciar o Abreu ajeitar os fragos que mais tarde viraria galetos e se destrinchariam pelas mesas em forma de tira-gosto.

O Abreu lembra desse tempo com carinho, mas sem essa de nostalgia, de montanhas de saudades. Nada disso. Recorda várias passagens engraçadas na vida do bar, como as peripécias verbais do Pedro Silveira, que se valia do vozerão de locutor afamado para animar o salão nas horas de maior movimento. E das brincadeiras que a turma fazia com os colegas, como aquela de colocar respeitáveis nomes numa lista de caloteiros que era pregada na parte mais visível da parede.

Torcedor do Paysandu, desses que pegam malária quando o time perde, Abreu aguentava com paciência a gozação dos remistas que escolhiam justo o seu bar para festejar a vitória do Leão. Faziam galhofa até com o sacrossanto hino do Papão da Curuzu .

Abreu deixou por aqui uma coleção de amigos e admiradores que poucos possuem. O Mário e a Maria – Jucá e Benigna respectivamente -, o Antonio Costa e o Carlos Bezerra, o Isnard Lima e o Jeconias, o Cláudio e o Obdias, os Cantos – Juvenal e Fernando – e mais o magote que se enfronhava nos festins báquicos de todos os dias. Sempre se lembra do comandante Barcellos, que então costumava dividir as alegrias pelas sucessivas vitórias do Fluminense. Hoje, fluminensemente falando Barcellos e Abreu não do têm que se alegrar. O time perde pra qualquer fuleiro.

De modo que foi um prazer enorme reencontrar o Orlando Abreu em plena forma e mais espirituoso do que nunca.

Levamos um papo centrado no Laguinho de um tempo recentíssimo e na versatilidade do seu bar, que de um momento para outro se tranformava em alegria e arte, palco de declamadores e cantores e espaço para autógrafos de escritores.

Tudo sob os acordes das balbúrdias que são a alma e fazem a vida de todos os recantos de biriteiros.

(*) Publicado no Caderno Nota 10, Diário do Amapá, edição de 04 de novembro de 1999.

Fonte: http://fernando-canto.blogspot.com.br/

Conheci um cara chamado Hollyland

Adoro retratar figuras, aliás, já postei este texto aqui duas vezes. O escrito é da minha amiga, Mayara La-Rocque. Ela descreve, com perfeição, um velho brother nosso, o Hollyland. O Holly, como o chamo, é um maluco da velha guarda. Não vou negar, já fiquei puto com ele em algumas ocasiões (risos), mas é o tipo de pessoa que você não consegue ficar bolado por muito tempo com ela. Existem algumas curiosidades sobre o sacana, ninguém sabe ao certo o seu nome ou idade e ele não conta. Claro, adoramos aquele cara. Aí está o texto:

Conheci um cara chamado Hollyland.
                                                                                 
 Por Mayara La-Rocque

Nos conhecemos andando pelas ruas e estradas, pelos caminhos de pedras e terra. Nos debatemos no vazio das horas, em conversas infindas, cerveja e pôr-do-sol. Ele era um cara de muito papo. Tinha a prosa na ponta da língua. Tagarelava à toa, tagarelava com o tempo.

Hollyland era uma figura que nunca se preocupava com suas vestimentas; ora usava calças jeans e camisas de botão, ora bermudas e camiseta; as vezes, as peças eram todas de uma cor só, ou então, de várias cores ao mesmo tempo. Era um cara descombinado. Mas, desajeitosamente, tinha seu próprio jeito de andar; um andar que titubeava pelos bares das esquinas. Usava a barba por assim fazer e dizia que esse era o charme para o seu sorriso – assim barbudo, seus dentes realçavam mais e seu riso delineava todo o seu rosto. 

Apesar de não se importar muito com a aparência, curiosamente, se preocupava com seus sapatos. Estes sim, lhe diriam seu caminho, e até quando continuar andando. Falava pra mim, que seu caminho era um vastidão de terra e por isso seus sapatos deveriam estar destituídos de buracos, para que não possibilitasse a poeira de entrar. Deveriam estar flacidamente confortáveis para que, no trajeto, não machucasse seus pés por entre as pedras. 

Hollyland dizia que no início de seu riso, também haveria esse mesmo deserto, no qual se plantariam flores e se emanariam extensões de florestas verdes, verdes, imensamente verdes… Nessas florestas sempre haveria sombras para o seu descanso. Seus pés sempre foram o sustento de tudo. Os sapatos, o sustento de seu sustento. E o sorriso, a essência desse sustento – a essência da manutenção da vida.

Ele seguia quase sempre debaixo do sol, suando a testa, procurando algo pra fazer, ou simplesmente um barato para curtir. Gostava de um bom papo e quando falava era quase sem pausa, e emitia de quando em quando, um gaguejado. Mas, mesmo assim, parece que nunca perdia a fala. Até que um dia, o vi falar, vagarosamente, sobre o amor. Sua voz pesava tanto quanto os intervalos entre as palavras, e sua boca fechada, deixava um silêncio denso, torto, grosso, espesso… sim, Hollyland também falava de amor. Fazia metáforas. Sentia o amor como uma doença encravada no peito. Não se podia arrancar, não se podia arrancar… nem os remédios podiam curar. 

Mas seguia assim, descombinadamente dançando, fazendo motejos com os braços, mexendo para cima e para baixo, e com seus dedos indicadores que apontavam sua própria direção. Com a barba mal feita, malandrosamente rindo, carregava o motriz para que continuasse seguindo em frente. Tinha em mente que enquanto continuasse andando, continuaria sonhando com as flores, com as florestas verdes, verdes, sempre verdes. Sonhando com a sombra, enfim, para o seu descanso.

O lanche


Na Serra do Navio, a Vitória e o Cid foram a uma lanchonete. O Cid pediu logo o seu clássico X-frango. Não tinha, não senhor. Perguntou pelo cardápio, e claro: não tinha, não senhor.

– Só tem hambúrguer.

– Então eu quero dois.

A Vitória arrumou os óculos e pediu:

– Eu quero um, mas sem carne.

O mundo, o tempo e a noção de tudo o que sempre foi real pararam por uns instantes na percepção do senhor chapeiro.

Mais silêncio.

– Mas… hambúrguer é hambúrguer. Sem a carne, é… bem, não é hambúrguer.

– Beleza. É isso que eu quero.

– O que?

– Um hambúrguer sem a carne.

Silêncio muito incômodo. Longo, palpável. Uma experiência quase espacial, mesmo sem saber o que é isso. Mas grandioso, insosso, ignorante, uma prova gigantesca, mas que seja; a idéia foi passada.

– É isso mesmo, senhor. Um sanduíche, e sem a carne. – rindo.

“Sanduíche?” – ele pensou, com sua espátula.

– Ah, então não é um hambúrguer que a senhora quer! Vai então um xis burguer?

Fausto Suzuki

Fonte: http://para-grafos.blogspot.com.br/2012/04/o-lanche.html

Crônica De Páscoa


-Papai, o que é Páscoa?
-Ora, Páscoa é… bem… é uma festa religiosa!

-Igual ao Natal?
-É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus, e na Páscoa, se não me engano, comemora-se a sua ressurreição.

-Ressurreição?
-É, ressurreição. Marta, vem cá!

-Sim?
-Explica pra esse garoto o que é ressurreição pra eu poder ler o meu jornal.

-Bom, meu filho, ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendeu?
-Mais ou menos… Mamãe, Jesus era um coelho?

-O que é isso menino? Não me fale uma bobagem dessas! Coelho! Jesus Cristo é o Papai do Céu! Nem parece que esse menino foi batizado! Jorge, esse menino não pode crescer desse jeito, sem ir numa missa pelo menos aos domingos. Até parece que não lhe demos uma educação cristã! Já pensou se ele solta uma besteira dessas na escola? Deus me perdoe! Amanhã mesmo vou matricular esse moleque no catecismo!

-Mamãe, mas o Papai do Céu não é Deus?

-É filho, Jesus e Deus são a mesma coisa. Você vai estudar isso no catecismo. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.
-O Espírito Santo também é Deus?

-É sim.
-E Minas Gerais?

-Sacrilégio!!!
-É por isso que a ilha de Trindade fica perto do Espírito Santo?

-Não é o Estado do Espírito Santo que compõe a Trindade, meu filho, é o Espírito Santo de Deus. É um negócio meio complicado, nem a mamãe entende direito. Mas se você perguntar no catecismo a professora explica tudinho!

-Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa?
-Eu sei lá! É uma tradição. É igual a Papai Noel, só que ao invés de presente ele traz ovinhos.

-Coelho bota ovo?
-Chega! Deixa eu ir fazer o almoço que eu ganho mais!

-Papai, não era melhor que fosse galinha da Páscoa?
-Era… era melhor, sim… ou então urubu.

-Papai, Jesus nasceu no dia 25 de dezembro, né?
-Que dia ele morreu?

-Isso eu sei: na Sexta-feira Santa.
-Que dia e que mês?

-(???)
-Sabe que eu nunca pensei nisso? Eu só aprendi que ele morreu na Sexta-feira Santa e ressuscitou três dias depois, no Sábado de Aleluia.

-Um dia depois!
-Não, três dias depois.

-Então morreu na Quarta-feira.
-Não, morreu na Sexta-feira Santa… ou terá sido na Quarta-feira de Cinzas? Ah, garoto, vê se não me confunde! Morreu na Sexta mesmo e ressuscitou no sábado, três dias depois! Como? Pergunte à sua professora de catecismo!


-Papai, porque amarraram um monte de bonecos de pano lá na rua?
-É que hoje é Sábado de Aleluia e o pessoal vai fazer a malhação do Judas. Judas foi o apóstolo que traiu Jesus.

-O Judas traiu Jesus no Sábado?
-Claro que não! Se Jesus morreu na Sexta!!!

-Então por que eles não malham o Judas no dia certo?
-Ui…

-Papai, qual era o sobrenome de Jesus?
-Cristo. Jesus Cristo.

-Só?
-Que eu saiba sim, por quê?

-Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?
-Ai coitada!

-Coitada de quem?
-Da sua professora de catecismo!

Luís Fernando Veríssimo 

VINGANÇA DE REI


Neymar não pode ser Pelé.

Pelé não morreu para reencarnar em outro.

É incrível raciocinar que Pelé é Pelé, o maior atleta da história, e ainda está vivo. Diferente de Garrincha, que faleceu em 1983, há trinta anos, e desfruta da unanimidade do túmulo.

A morte já reluziu o anjo de pernas tortas tudo o que podia, mas ainda não tocou no rei do futebol.

Pelé não morreu e parece completo, o Livro dos Recordes em pessoa. É eterno sem precisar da eternidade. Dispensa o fiador da cova, o bônus de Morfeu.

Quando falecer, é bem capaz de ser beatificado, virar santo, produzir curas em Três Corações.  

Não só porque marcou 1281 gols em 1363 partidas, não só porque ganhou três Copas do Mundo, parou uma Guerra na África, e todos os recordes que bateu como maior artilheiro do Santos e mais jovem jogador a encantar na Seleção Brasileira.

Pelé tinha uma monumental capacidade de se superar. Driblava, cabeceava, chutava, defendia com igual maestria. Um acrobata com a bola nos pés, um trapezista do impulso, um estrategista circense do time inteiro.

Há o costume de diminuir seus feitos comentando que as partidas eram mais fáceis no seu tempo, não havia tanto patrulhamento, disciplina e preparação física como hoje. Mentira. Pelé gostava de chamar a marcação para perto, não ter espaço e criar brechas imaginárias e impossíveis no campo. Um MacGyver das chuteiras. Podia-se amarrar Pelé na trave e ele arrumaria um jeito de converter a dificuldade em vantagem. 

Em confronto com Juventus, em 1959, deu quatro chapéus consecutivos nos defensores e goleiro, para concluir de cabeça, livre e sossegado. Em disputa com o Fluminense, em 1961, arrastou seis adversários com seus dribles e inventou o gol de placa. 

O espectador que contou com a sorte de assisti-lo tornou-se seu apóstolo. Pelé não jogou futebol, evangelizou o futebol.

Num clássico contra o Grêmio, nos anos 60, em Olímpico lotado, Pelé enfrentou o zagueiro Aírton Ferreira da Silva, conhecido como Pavilhão (seu passe valeu um Pavilhão de arquibancadas dado ao Força e Luz). Aquilo que poderia ser uma humilhação acabou em redenção desaforada.

Aírton se antecipou à corrida de Pelé e meteu um lençol no atacante santista, para vibração apoteótica da Geral. Quem estava no estádio diz que foi comemoração de título mais do que de gol. O primeiro lençol – e único – sofrido pelo mito acontecia naquela tarde ensolarada em Porto Alegre. Os torcedores gritavam e riam, escarneciam o cetro, a coroa e o trono.

No segundo tempo, Pelé se aproximou novamente de Aírton. Fingiu que recuava e desistia do ataque para girar com violência o corpo de volta.

Veio rilhando para cima de Aírton, que não imaginava o ataque surpresa. Airton teve o troco, chapelado de inopino. Só que o zagueiro tricolor tentou se recompor, diminuir o prejuízo com a testa, mas levou outro chapéu de Pelé. Tonto e desequilibrado, Aírton procurou segurar Pelé pela camisa e levou um terceiro e humilhante chapéu. Uma chapelaria havia sido aberta na Azenha.

Daí Pelé encarou a torcida e tocou a bola para lateral com indiferença. Dispensou o ataque de propósito. Por honra. Para provar que não se brinca com a realeza.

Ninguém pode ser mais Pelé. Nem o próprio Pelé. 

Fabrício Carpinejar

De verdade ou de mentira, tudo acaba em pizza


Mais uma da série aconteceu comigo. Três amigas saíram para jantar e colocar a conversa em dia. No meio do caminho, comentam sobre a manchete de um tablóide de Manaus (AM): “Nova ministra de Dona Dilma é bissexual e a favor do aborto”.

No meio da matéria, lá está: ‘Ela diz ter muito orgulho de ter uma filha lésbica, nascida de uma inseminação artificial…’Coincidências à parte, as três amigas também são lésbicas. A jornalista, então, começa uma conversa sobre o tema.

A jornalista: A Dilma está colocando todas as amigas sob suas asas, num parece?

Andréa: É sim.

A jornalista: Mas deixa eu te falar. Se eu fosse presidente, também faria a mesma coisa.

Ju: Eu concordo! Meu lema é: sou nepotista, mas não lesa.

A jornalista: Pois então, eu vou chamar as duas pra fazer parte do meu ministério. Andréa, qual pasta você quer?

Andréa: Eu num sei se fico com esporte ou cultura… Não, fico com cultura, é mais legal.

A jornalista: Tá bom, e você, Ju?

Ju: Me dê a Comunicação mesmo… Quero dar um jeito naquela grande rede…

A jornalista: Então, no discurso, eu vou falar assim: Meus caros presentes. É com muito orgulho que apresento minha Ministra da Cultura, Andréa, lésbica assumida e casada com a Ministra das Comunicações…

Todas: kkkkkkkkkkkkk

A jornalista: Muito bem, então. Tá todo mundo empossado.

Ju: Beleza, eu gostei.

Andréa: Mas o problema vem depois…

A jornalista: Por que?

Ju: Como assim?

Andréa: Já estou pensando nas manchetes nos jornais: Ministra da Cultura foi amante da presidenta.

Todas: kkkkkkkkkkkkkk

A jornalista: Presidenta assume que é broxa…

Todas: kkkkkkkkkkkkkk

Ju: Ministra da Cultura esteve envolvida com drogas pesadas…

Todas: kkkkkkkkkkkkkk

A jornalista: Ministra das Comunicações não é jornalista formada…

Todas: kkkkkkkkkkkkkk

A jornalista: Bom, a gente vê isso mais tarde. Vamos jantar que é bom.

Andréa: E onde vamos comer, presidenta?

A jornalista: É surpresa… Estamos quase chegando…

As três entram no restaurante. Escolhem uma mesa um tanto afastada, para conversarem sem muitos problemas. Enfrentam os olhares tortos de um casal de héteros, que brinca com os dedos de forma erotizada…

A pizza meia calabresa meia portuguesa finalmente é servida.

A jornalista: Minha querida ministra da Cultura. Já passo agora a sua primeira missão: proíba com todas as forças que puder a música sertaneja no Brasil.

Todas: kkkkkkkkkkkkkk

A jornalista: Faça circulares que eu assino sem olhar. Baixe decretos que qualquer estabelecimento ou residência que tocar esta porcaria, inclusive e de forma mais incisiva o tal sertanejo universitário, seja punido com multa e prisão perpétua.

Todas: kkkkkkkkkkkkkk

Andréa: Ah seu eu pudesse…

Ju: É… o problema é que, tanto na política de verdade quanto na de mentirinha, tudo acaba em pizza!

Darth J. Vader

Artigo de Luís Fernando Veríssimo sobre o BBB*


Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço. […] Chega a ser difícil encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.

[…] Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.

Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis?

Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores) , carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e quase sempre são mal remunerados.

Heróis são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir, e conseguem sobreviver a isso todo santo dia.

Heróis são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna.

Heróis são inúmeras pessoas, entidades sociais e beneficentes, ONGs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de nossa eterna heroína Zilda Arns).

Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria Rede Globo.


O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol, fofocar, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa, o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a “entender o comportamento humano”. Ah, tenha dó!!!

Veja o que está por de tra$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.

Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores). Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores.

Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa…, ir ao cinema…, estudar… , ouvir boa música…, cuidar das flores e jardins… , telefonar para um amigo… , visitar os avós… , pescar…, brincar com as crianças… , namorar… ou simplesmente dormir. Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída nossa sociedade.

 Luís Fernando Veríssimo 

DOS PÉS À CABEÇA

Esporte e arte. Literatura e cultura física. Ardente fusão de corpo e mente. Alma e suor. Uma das forças primordiais da Grécia exemplar era a capacidade de reunir, sob o manto olímpico, as porfias do músculo e do espírito. Não são poucos os escritores e poetas do nosso tempo que buscavam o estado de graça, precedendo a criação artística do esforço físico.
Montaigne costumava atiçar a brasa de suas reflexões em longas caminhadas pelo bosque do castelo da família, na França. Não encontrou nem a verdade nem a justiça entre os homens, mas certamente andou perto da perfeição literária com seus admiráveis “Ensaios”.
O próprio Montaigne confessava sua predileção pelas caminhadas matinais.
– Meus pensamentos simplesmente adormecem quando estou sentado. Meu espírito só desperta, mesmo, quando minhas pernas se agitam.
Outro francês não menos célebre, Rousseau, nunca abriu mão de um passeio a pé, breve que fosse, de manhãzinha.
– Não consigo criar nada se me sento à mesa para escrever. É nos passeios de cada dia, batendo pernas, que meu cérebro começa a conceber minhas melhores ideias.
Goethe, por sua vez, chega a ser radical:
– Tudo o que me acontece de bom, como inspiração, como expressão, me vem quando estou caminhando.
Por fim, um conselho de Nietzche: “Fique sentado o menos que puder. Não confie nas idéias que lhe ocorrem quando estiver quieto. As boas idéias virão sempre ao ar livre, em plena festa dos músculos. A vida sedentária é o verdadeiro pecado contra o espírito.”
Armando Nogueira

* Tenho que me inspirar nesse texto…

ALTERNATIVAS – Luís Fernando Veríssimo

 
 
Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.

Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (Unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito “sim”, dito “não”, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…

Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz, aliás, o nome do bar é Imaginário, sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:  – Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo. E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo. – Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?

– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia…

– Eu sei, eu sei… disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido. Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou: – Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista. – Como é que você sabe?

– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um “herói”, me atirei. 

 
– Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante… – Ele chutaria para fora.

– Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou: – Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio… – E o que aconteceu? perguntamos os três em uníssono.

– Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?

 
– Você… – Morri com 28 anos.
– Bem que tínhamos notado sua palidez.
– Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…
– E ter levado o chute na cabeça…
– Foi melhor, continuou, ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado…
– Você deve estar brincando
disse alguém sentado a minha esquerda. Tinha a minha cara, mas parecia
mais velho e desanimado.

– Quem é você?

– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só que com mais rugas. 

 
– Quem é você? perguntei.

– Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

– E?

Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo …

Sua vida não é feita de decisões que você não toma, ou das atitudes que você não teve, mas sim, daquilo que foi feito! Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado.
Luís Fernando Veríssimo

HEMORRÓIDAS…ARDEM!!

Ptolomeu em 150 d.C. falava que a terra era o centro do universo e que tudo girava em torno dela, foram precisos cerca de 1400 anos para esta teoria ser rebatida por Nicolau Copérnico provando para a humanidade que o Sol sim era o centro.
Eu, simplesmente eu, descobri em apenas três dias, após 56 anos, que ambos estavam redondamente enganados: o centro do universo é o cú. Isso mesmo, o cú!
Operei das hemorróidas em caráter de urgência algumas semanas atrás. No domingo à noitinha, o que achava que seria um singelo peidinho, quase me virou do avesso.
É difícil, mas vamos ver se reverte, falou meu médico. Reverteu merda nenhuma, era mais fácil o Lula aceitar que sabia do mensalão do que aquela lazarenta bolinha (?) dar o toque de recolher.
Foram quase duas horas de cirurgia e confesso que não senti nadica de nada, nem se me enrabaram durante minha letargia! Dois dias de hospital, passei bem embora tenham tentado me afogar com tanto soro que me aplicaram, foram litros e litros; recebi alta e fui repousar em casa.
Passados os efeitos anestésicos e analgésicos, vem a primeira vez. PUTA QUI PARIU!!! Parece que você ta cagando um croquete de figo da Índia, casca de abacaxi, concha de ostra e arame farpado. É um auto-flagelo.
Por uns três dias dói tanto que você não imagina uma coisinha tão pequena e com um nome tão reduzido (cú) possa doer tanto. O tamanho da dor não é proporcional ao tamanho do nome, neste caso, cú deveria chamar dobrovosky, tegulcigalpa, nabucodonosor.
Passam pela cabeça soluções mágicas:
– Usar um ventilador! Só se for daqueles túneis aerodinâmicos.
– Gelo! Só se eu escorregar pelado por uma encosta do Monte Everest.
– Esguichinho d’água! Tem que ser igual a da Praça da Matriz, névoa seguida de jatos intercalados.
Descobri também que somos descendentes diretos do bugio, porque você fica andando como macaco e com o cú vermelho; qualquer tosse, movimento inesperado, virada mais brusca o cú dói, e como!
Para melhorar as idas à privada, recomenda-se dieta na base de fibras, foi o que fiz: comi cinco vassouras piaçava, um tapete de sisal e sete metros de corda. Agora sei o sentido daquela frase: quem tem medo de cagar não come!
Tudo valeu, agora já estou bem, cagando como manda o figurino, não preciso pensar para peidar, o cú ficou afinado em ré menor, uma beleza! O foda é que usei Modess por 20 dias após a cirurgia e hoje to sentindo falta dele!
Meu Deus!
Luiz Fernando Veríssimo