Discurso de Fernando Canto, presidente da Academia Amapaense de Letras, durante os 70 anos da AAL

Confrades e Confreiras, Senhoras e senhores, boa noite.

Esta é uma data histórica para nós da Academia Amapaense de Letras e para a sociedade Amapaense.

Quando falamos em data pensamos sempre em comemoração de algo ou feito bom, ou ainda sobre o marco de uma tragédia que ficou na memória da sociedade. Mas esta palavra vem do latim, do verbo dare e tem o significado de dado, algo que é dado. Por isso mesmo os escritores, os literatos doam a seus contemporâneos e a seus pósteros o que produziram e o que pensaram transcritos num papel ou algo semelhante. Esta seria então uma das funções do escriba, do narrador consciente dos acontecimentos significantes, já que todos possuem uma história para contar ao longo de sua vida, sendo protagonistas ou não.

Hoje, meus ilustres amigos, comemoramos a fundação da nossa Academia. É um acontecimento importante porque também lembramos do nascimento de um dos maiores escritores brasileiros, e não por acaso fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, o carioca Joaquim Maria Machado de Assis, que certamente todos aqui já leram alguns dos seus textos.

O aniversário de 70 anos da AAL nos lembra a coragem daqueles que ousaram penetrar nesse mundo tão difícil, não pela busca do reconhecimento, mas pela responsabilidade com seu próprio, eu-lírico que por muitas vezes ficou latente e de repente explodiu pela vontade de dizer ao mundo que interpretou o desconhecido, que criou e matou personagens na sua ficção, ainda que todos os temas, fantásticos ou não, já estivessem rondando sua mente criativa devido ao convívio social do autor pelas leituras e sentidos abertos para o mundo.

Há quem ache que escrever é um mistério, que poetizar é um tipo de magia que torna o escritor um ser diferenciado.

Talvez sim, talvez não, pois cada um demonstra sua própria verdade no que cria ou faz. Essa é a sua responsabilidade.

Meus queridos amigos, antes de toda a seriedade o escritor é uma criança que ousa brincar com palavras. É o intérprete dos que não enxergaram o que ele viu, pois sonha, imagina, transcende e constrói aspectos da vida real e se anuncia na escritura como um anjo e sua espada de fogo ou, como um demônio à procura de almas desgarradas.

Um escritor é o que restaura a memória da humanidade, pois sempre é fundador de sentimentos que se esvaziaram no espaço e se deturparam no tempo. Ele executa e organiza pela escrita o caos deixado pelo passado e a antevisão do futuro tão recorrente nele. O escritor também processa em seu íntimo a predisposição visionária dos acontecimentos e não tenta ser simplesmente fiel a si mesmo. Reitero aqui o que disse, pois ele é um aglutinador de recordações da sociedade, antes de ser um solitário construtor de textos com sentidos organizados ou um deus criador de vidas e da morte em seus escaninhos mentais.

Devo lembrar então que o escritor se vale do lembrado e do esquecido, elementos esses que compõem uma experiencia, que é ao mesmo tempo individual e coletiva, e que a memória das pessoas é uma fonte inesgotável de informações, pois está plena de significados e sempre povoada de nomes e significações, posto que cada olhar sobre algo sempre revela coisas e remete a contextos diferentes e até emocionais. Daí dizer que ele se torna um etnólogo e escavador das coisas do mundo

Nesse bojo entram as organizações acadêmicas, as que procuram reunir psicologicamente as tendências individuais e coletivas de um povo com sua criatividade e seu sentido universal que honram e dignificam a raça humana pela cultura e pela arte. Assim, todos nós temos nossas preocupações sociológicas devido a sua correlação com a literatura, ainda que busquemos condicionamentos estéticos ou outros caminhos que não sejam o dessa correlação. Muito do que o escritor escreve está ancorado nela, nessa correlação, com todas as alegrias e mazelas que inevitavelmente envolve nossos olhos e provoca a iracúndia aos governantes. Por isso o literato carrega um tipo de poder que irradia, penetra e incomoda seus contentores e êmulos. E ao longo de sua permanência no planeta e até mesmo depois suas narrativas continuam por vezes incomodando e servindo de referência para tantas situações.

Mas hoje é dia de festa. É dia de comemorações. Uma comemoração tem sua própria liturgia e a nossa nem bem começou.

Eu poderia iniciar pelos agradecimentos a todos que nos ajudaram para a realização deste congraçamento, sejam pessoas ou instituições. Porém, deixei por último, pois serão sempre os primeiros que queremos e teremos como parceiros daqui para a frente.

Agradecemos ao Governo do Estado do Amapá, por meio da sua Secretaria de Cultura, à Assembleia Legislativa, ao SENAC e a Casa Francesa pelo apoio cultural imprescindível para a realização deste evento.

Todo esse processo é uma tecitura artesanal que queremos solidificar pelo pensamento e pela escrita, afinal há muito a desvendar, há muito a encantar pela escrita e muito a amar pelo brilho do olho do leitor, aquele ser ávido pelo conhecimento e por conteúdos que a magia da literatura traz para todos, de todas as idades.

MUITO OBRIGADO!

Texto: Fernando Canto
Presidente da Academia Amapaense de Letras
Macapá, 21 de junho de 2023.

*Fotos: Flávio Cavalcante. 

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