Poema de agora: Chão de Lua – Luiz Jorge Ferreira

Chão de Lua

Três encarnações depois estou eu aqui sentado defronte do espelho do quarto olhando eu me refazer em mim.
E eu atirar fora os fios de cabelos embaraçados nos ruídos da Babilônia destruída.
Eu usando meus psius para fazer calar os aboios das feras enjauladas que Freud em mim domesticou.
Olhando em volta ignorar o tropel dos amores que tão rápido como Messalina os bordou, eu os rasguei.
Sirvo vinho tinto as veias, sirvo vinho Branco as ideias de ir aos navios, onde as teias do tempo molhadas de sereno curvam-se aos ventos do cio,
hipnoticamente pisco os olhos em ritmos latino americanos, e ofegante fumo o ar que meus pulmões expulsam em geométricas espirais.

Nunca mais serei Rei.
Nunca mais me encontrarei.
Por isso manchada em minha pele, seca, áspera, e desprovida de cicatrizes…
Essa nodoa de solidão, espera Julho.

A morte tem visitado tanta a gente que nem dá tempo de encomendar aos olhos, uma nova remessa de lagrimas.

Nem da tempo de traçar mapas, com longitudes zero e latitudes em decimais…
Nem pintar de purpura as máscaras de pano coloridas de tons estranhos, que vão gargalhar nas janelas para Abril.


Longe os sinos enferrujados por anunciar os destinos, hoje mudos… observam o silêncio se ajoelhar nos bancos carcomidos das Catedrais.
Os ratos em fila seguem os Castiçais iluminando qual faróis o passado… tudo desenhado no pano de prato com que Deus limpa os orvalhos das manhãs, caídos no cais.

Rumo a Janeiro… sigo.
Renovei o umbigo, remastiguei o pão.
Fui batizado em sal, que das lágrimas colhi.

Soprei lilás no Arco-íris.
E bati a porta em vários ritmos, copiados do coração.
Ensaiei um voo, e quando o chão se afastou, eu pousei.
Risquei com giz um circulo disforme… e o batizei de Lua.
Seu olhar desenhado nas vírgulas refletidas no espelho, chamei-o de luar.
E de vida apelidei o sono que teimava em me transportar aos sonhos, de onde ontem eu vim.

Luiz Jorge Ferreira

 

*Do livro “Defronte a Boca da Noite ficam os dias de Ontem” – Rumo Editorial – São Paulo – Brasil.

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