Poema de agora: ILUSÃO – Carla Nobre

ILUSÃO

Devia ser sagrado
O jeito como você aperta minha mão antes de dormir
Eu sempre tô de olhos fechados nessas horas
Que você se aninha em mim
Como se eu fosse um animal poderoso
Sabe a palavra ilusão?
Tem origem no latim illusióne
Algo como enganar
O amor me engana
Teus olhos me enganam
E eu prefiro essa doce mentira do que o preço da gasolina
Ou a inexistência repentina da classe média
Ou mesmo meu cabelo ressecado
Ter a tua pele no meu colchão é uma ilusão perfeita
Como se o céu pousasse aqui em casa
Você disse com todas as letras
que só fica comigo até o inverno acabar
Eu gostei muito disso, sabe
Justamente lembrei que temos o inverno amazônico
Funciona assim: quando é verão no resto do Brasil


Aqui na Amazônia chove quase sem parar
No Amapá, as primeiras chuvas
já dão sinal no dia de finados
(mais uma ilusão triste)
Assim segue até meados de maio
Seis meses inteiros mordendo a ilusão da tua pele
Nosso inverno tem muita nebulosidade
Mas é sempre estranho reconhecer o verão nas chuvas daqui
Assim, se você fica comigo durante todo o inverno
Tenho então o que os Karipuna e os galibi marworno
chamam de ilusiõ
essa névoa do teu nome em minhas mãos chuvosas
como se eu fosse uma imensa floresta de várzea
Amapá, em tupi,
Também significa o lugar das chuvas
Então eu sou sempre inverno
Dessa forma, podes ficar comigo até eu me for
Se eu me for, amor

Carla Nobre

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