Uma bizarrice eleitoreira ameaça avacalhar o Círio de Nazaré

Por Gerson Nogueira

O comboio denominado motociata virou cena corriqueira ao longo do governo de Jair Bolsonaro, que toda semana sai pilotando uma motocicleta sem usar capacetes e passeando por cidades brasileiras com a finalidade de fazer marketing eleitoral. Em geral, os motoqueiros que o seguem são contratados pelas prefeituras das cidades visitadas. Portanto, nada ali é espontâneo e os acompanhantes estão ali ganhando um cachê.

A cena, por mais bizarra que pareça, pode se repetir neste sábado em Belém com tintas religiosas. Na véspera do Círio, a programação da festa religiosa inclui um cortejo de motociclistas entre a escadinha do cais do porto e o colégio Gentil Bittencourt fechando a romaria fluvial – que transporta a imagem de Nazaré de Icoaraci até Belém.

Nada indicaria qualquer mudança nas intenções e práticas da escolta de motoqueiros à Santa Padroeira não fosse a entrada em cena de um candidato à presidência da República, ávido por demonstrar um ardor religioso que não sente e preocupado em capturar votos de incautos católicos que se deixem impressionar pela presepada. Derrotado no primeiro turno da eleição e atrás nas pesquisas para o segundo, Jair Bolsonaro é hoje um político em desespero.

Por isso, caiu como bomba na noite de quarta-feira a notícia de que Bolsonaro virá a Belém acompanhar o Círio Fluvial, no sábado (8). Claro que, autodenominado fiel evangélico (maçom nas horas vagas), ele não deve se sentir muito à vontade diante da imagem venerada pela população católica. Um dos preceitos mais caros aos protestantes é a ojeriza ao “culto a imagens” que atribuem ao catolicismo.

Indiferente a limites de ordem religiosa e muito menos de natureza ética, Bolsonaro vem para construir imagens para o horário eleitoral na TV, como fez recentemente ao performar no velório da Rainha Elizabeth em Londres. Aqui não há devoção, há somente pragmatismo eleitoral dos mais rasteiros.

De maneira geral, políticos evitam se vincular à programação do Círio por temer acusações de oportunismo. Lula revelou na terça-feira que havia recebido do governador Helder Barbalho um convite para acompanhar a procissão, mas preferiu ficar em São Paulo justamente para não ser acusado de explorar a fé para amealhar votos. Para não fazer desfeita, vai mandar a esposa Janja.

Bolsonaro, como se sabe, não tem limites, nem freio. Estimulado por adeptos paraenses do mesmo naipe, enxerga na romaria fluvial a oportunidade de montar um palanque eleitoral para as câmeras. Dane-se a ritualística do evento. Não teme reações críticas porque simplesmente ignora opiniões contrárias. Não usa de bom senso porque simplesmente desconhece a sensatez.

Fazia muito tempo que um candidato em campanha não ousava arrombar as porteiras da religiosidade. Antes da redemocratização era comum a participação de políticos no Círio, desfilando em torno da berlinda, mas essa prática pegava mal e foi caindo em desuso até se extinguir por completo.

Há dois meses, quando veio a Belém em programação de campanha, Lula recebeu a imagem da padroeira das mãos do prefeito Edmilson Rodrigues, gesto que gerou uma treta artificial puxada pelo arcebispo D. Alberto Taveira. Espoletado com uma frase de Edmilson que enaltecia o aspecto ecumênico do culto à Virgem de Nazaré, ele distribuiu uma nota em tons cartoriais, afirmando que o Círio pertence à Igreja Católica e ninguém tasca, como se alguém estivesse a subtrair essa condição.

Ante a enérgica reação nas redes sociais católicas desde ontem, a expectativa agora é pela reação da guarda pretoriana (que inclui a Diretoria da Festa) nazarena às patacoadas de Bolsonaro, que vem pronto para tomar a santinha nas mãos ainda ensanguentadas pelas milhares de vítimas da covid-19. Se não for contido, vai carnavalizar e emporcalhar a romaria, com gesto de arminha e tudo.

Será que o circunspecto Clero irá emitir também condenando o abuso eleitoreiro ou a carraspana em Edmilson só teve mesmo a ver com a presença de Lula? A conferir.

Fonte: Blog do jornalista Gerson Nogueira.

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