A infinitude da pressão estética: porque nunca vamos ser bonitas o “suficiente”

Por Fernanda Fonseca

Acho que muitas pessoas já devem ter escutado ou lido algo sobre o Mito de Sísifo, mas para aqueles que não estão familiarizados com o nome, vou tentar resumir a história: Sísifo era um rei da Grécia que após desafiar os deuses repetidamente (incluindo Zeus e a própria Morte), foi condenado a empurrar uma pedra até o cume de uma montanha por toda a eternidade – e eu falo em “eternidade” porque toda a questão desse mito é que quando Sísifo achava que estava chegando ao topo, a pedra rolava para baixo novamente. O que os deuses queriam era castigar Sísifo com uma tarefa fútil e sem sentido, já que não importava o que o rei fizesse, a pedra sempre rolaria para a base da montanha e ele teria que começar tudo de novo, dia após dia.

Esse mito pode ser usado como uma alegoria para várias coisas: relações de trabalho, capitalismo e etc., mas hoje eu quero falar de como a pressão estética também tem muito a ver com Sísifo e sua pedra.

Para começar, pressão estética é (resumidamente) os padrões de beleza que são impostos às pessoas – principalmente mulheres – de como sua aparência deveria ser. Esse falso ideal de beleza cria uma imagem do peso, pele, cabelo e altura desejáveis, tendo como referência o que está sendo disseminado pela mídia. Como eu já mencionei em um texto anterior sobre o livro O Mito da Beleza, da escritora americana Naomi Wolf, diariamente somos bombardeados por essas imagens de beleza que dizem como a nossa aparência deveria ser e o que devemos fazer para chegar lá. Dietas, remédios, cirurgias e produtos estéticos são apresentados como salva-vidas milagrosos capazes de sumir com todas as imperfeições que você nem sabia que tinha. E isso não tem fim. Constantemente, somos apresentados a novas tendências estéticas que dizem o que é bonito e o que deixou de ser, convencendo-nos a novamente sair em busca de algum padrão recém inventado.

E é nesse ponto que mora a similaridade com o Mito de Sísifo: a continuidade de uma tarefa que não tem fim e que mesmo depois de nossos esforços, obriga-nos a começar de novo. O que a pressão estética faz é se reinventar conforme o período e as mudanças do próprio mercado. Durante a década de 50, por exemplo, as revistas femininas enchiam suas páginas com anúncios de maquiagens, mostrando modelos extremamente produzidas e as associando com os ideais de feminilidade que eram esperados das mulheres nessa época. Hoje, o que a mídia anuncia são rostos com “menos” produtos, aplaudindo uma suposta beleza natural que se restringe apenas àqueles com a pele sem nenhum resquício de imperfeições – sem acne, sem manchas e sem falhas. E é através dessa narrativa que o ciclo da pressão estética se retroalimenta, desbloqueando novas inseguranças e alimentando um mercado que irá lucrar com esse processo.

E coisas novas surgem o tempo todo. Você navega pelas redes sociais e descobre novos padrões de beleza a serem almejados e o que fazer para conquistá-los (e geralmente esse processo de conquista envolve dinheiro, poder de compra e tempo). Lembro de quando vi numa rede social que a nova característica física que estava na “moda” eram os chamados “fox eyes” (olhos de raposa), que incluía truques de maquiagem e até cirurgia para dar um aspecto mais alongado aos olhos. Além de todo o debate sobre racismo e apropriação de traços comuns em pessoas asiáticas pela mídia mainstream, a questão é que esse também é um exemplo de como o mercado está constantemente a procura de novas características para usar como um padrão estético a ser desejado. E a mídia é central em todo esse processo: segundo o site da revista Vogue, em 2020, vídeos com a hashtag “fox eyes” geraram mais de 74 milhões de visualizações para a plataforma do TikTok e o mesmo fenômeno também pode ser visto no YouTube, com tutoriais de maquiagem e vídeos que incentivam o procedimento cirúrgico reunindo milhares de curtidas e visualizações.

Constantemente, esses novos padrões aparecem na mídia e tentam nos convencer de que precisamos alcançá-los: ter aquele corpo, pele, cabelo, etc. Isso movimenta o mercado e também aprisiona as mulheres e todos aqueles que sofrem com a pressão estética em algum grau. Ela nos faz acreditar que se nos esforçarmos o suficiente – comprando produtos, fazendo regimes, etc. – vamos chegar lá, conseguindo, enfim, levar a pedra até o topo da montanha. Mas ficar presa em uma rotina que consiste em se esforçar para alcançar um padrão de beleza, para logo em seguida ter que começar novamente por que algo novo apareceu, é cansativo, desgastante e caro.

Então, assim como Sísifo, voltamos repetidamente para a base da montanha, olhando para o cume e imaginado se um dia vamos conseguir quebrar esse ciclo. Mas até lá, seguimos empurrando nossas pedras.

*Fernanda Fonseca é amapaense e acadêmica da Jornalismo na UnB.

Fonte: Escrevi Elas.

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