Algo a dizer (pedaço de uma possível autobiografia) – Texto de Ronaldo Rodrigues – Ilustração de Ronaldo Rony

Nasci em janeiro de 1966 e lá se vão 56 anos e alguns quebrados (quebrados por conta da vida instável em alguns pontos do caminho). A cidade de Curuçá, no Pará, foi o lugar que me recebeu no mundo (não sei se a contragosto, espero que não).

Minha família rumou para a capital Belém quando eu, o último dos seis filhos da dona Darlinda e do seu Rodrigo, tinha seis anos de idade e muita memória já, pois lembro perfeitamente da infância vivida até então, entre as árvores de um imenso quintal e uma casa sempre alegre.

Em Belém, a vida seguiu amena, entre jogos de futebol (esporte no qual jamais me destaquei, assim como em todos os outros), as brigas de moleque (em que eu sempre era o que apanhava) e o encanto pela literatura, que na minha casa era farta e variada.

Lembro de alguns livros que se perderam no tempo e nas mudanças de casa e não vi mais depois de adulto. Li alguns livros fortes para uma criança, como O Exorcista (William Peter Blatty) e Os Miseráveis (Victor Hugo), sem escapar, ainda bem, de O Menino do Dedo Verde (Maurice Druon), O Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry) e O Meu Pé de Laranja Lima (José Mauro de Vasconcelos). Malba Tahan me encantou com suas Lendas do Deserto. Sim, e muito Monteiro Lobato, que atualmente leva fama de racista. Li as histórias bíblicas. Até hoje as aventuras daquela galera do Antigo Testamento me fascinam, assim como os deuses e heróis da Mitologia Grega.

Tinha também a literatura, digamos, mais popular do começo dos anos 1970. Livros de bolso com histórias de faroeste e espionagem. Li também fotonovelas, Almanaque do Biotônico Fontoura e, claro, histórias em quadrinhos de todos os gêneros: Zorro, Luluzinha, Mônica, Brotoeja, Gasparzinho, Bolota, Recruta Zero, Tio Patinhas, Conde Drácula, Tex, Fantasma, Mandrake, Gato Félix, Homem-Aranha, Tarzan, Batman… Devorava as páginas dominicais dos jornais que traziam tiras do Brucutu, Capitão César, Pinduca, Dick Tracy, Snoopy… Mais pra cá no tempo, Conan e Ken Parker ocuparam papéis importantes. Os quadrinhos foram definitivos para mim, como escritor e como o cartunista que vim a ser, mas essa é outra história*. Por falar nisso, foi num gibi do Mickey que a descoberta das letras se fez. Quando consegui ler frases inteiras, o universo da leitura se abriu e me arrebatou, causando um alumbramento que vivo até hoje.

Depois de começar a ler, bateu a vontade de também experimentar essa forma de expressão. Passei a observar a estrutura dos textos, o conteúdo, os voos da imaginação dos escritores e logo estava arriscando meus primeiros poemas, tentando textos mais longos em prosa e caprichando nas redações escolares, que foram bons laboratórios.

Em 1995, participei de um concurso promovido pela Universidade Federal do Pará e tive um conto publicado pela primeira vez (As que se chamam Flávia…) na coletânea que reunia alguns escritores já experientes e outros iniciantes.

Hoje, morando em Macapá/AP desde 1997, mantenho uma produção de contos e crônicas com alguma frequência, outras vezes nem tanto quanto gostaria. Publico com mais fôlego no Blog De Rocha!, cujo editor, Elton Tavares, é um dos responsáveis por eu me manter ativo na arte de escrevinhar. Sempre que vem o bloqueio criativo, a entressafra, ele me instiga, me cutuca com uma mensagem tipo: “E aí, mano? Nada?”. Eu sempre aceito a provocação e acabo entregando um texto.

Num país que pouco lê, ser escritor é como a voz que clama no deserto, mas creio que é uma missão que nos escolhe, antes que possamos escolhê-la. Como observadores do mundo, vamos desbravando os mundos e os vários personagens que entre nós transitam e só a alguns é dado reconhecê-los e reinventá-los.

Mas, como escreveu o poeta da minha vida, Carlos Drummond de Andrade, “lutar com palavras é a luta mais vã, entanto lutamos mal rompe a manhã”, eu sigo lutando e creio que, em certos (ou incertos) momentos, consigo sentir o sabor de uma efêmera vitória.

*A outra história – Escrevi acima que sou também cartunista e, como tal, assino Ronaldo Rony, usando o nome Ronaldo Rodrigues apenas para a atividade de escritor (coisa de artista ou mero capricho, não sei. Alguns acham que é só frescura). Como cartunista, já tenho três livros publicados: Ícaro, Liberdade Ainda que Nunca! (história em quadrinhos – Belém, 1990); A Chave da Porta da Poesia (literatura infantil para crianças de todas as idades, em parceria com a poeta paraense Roseli Sousa – Belém/Macapá, 2005); e Papo Casal (cartuns sobre relações amorosas que chamo de fugas emocionais – Macapá, 2008). Também já ilustrei vários livros, como Lugar da Chuva (Lulih Rojanski); Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias e Papos de Rocha e Outras Crônicas no Meio do Mundo, ambos de Elton Tavares; o CD Pelos Cantos de Belém, de Sergio Salles, entre vários outros trabalhos gráficos.

De forma artesanal, via impressão xerográfica, já lancei vários fanzines e mantenho, com certa regularidade, a produção da revista Capitão Açaí, um super-herói amazônico que é meu mais famoso personagem. Para concluir, ressalto o trabalho em conjunto das duas personas que me habitam. Ronaldo Rodrigues e Ronaldo Rony já assinaram participações no jornal Folha do Amapá e na revista Vanguarda Cultural, além do jornal satírico vert!gem.

Texto de Ronaldo Rodrigues – Ilustração de Ronaldo Rony
Junho/2022

  • Uma trajetória muito bacana na literatura. Ler para mim é uma expansão consciente da criação, do fazer literário. Beli texto.

  • Parabéns pela trajetória!!
    Este é um belo exemplo da importância de se ter livros em casa.
    Que venha a autobiografia

  • Que texto bacana, Rony! Um amigo nosso, muito querido, chamaria de “um texto honesto”. Vejo muita sinceridade e beleza na tua história, tão bem narrada aqui. Peço permissão pra apresentar pros meus alunos. E de quebra, pra me aparecer, dizer que o autor é meu amigo, ex-colega de faculdade e letrista de algumas canções que canto. Parabéns pela trajetória e pela tua escrita. Um abraço.

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