O “Ferinha” e carência de shows de qualidade em Macapá – Crônica de Elton Tavares

Ilustração de Ronaldo Rony

Macapá é rica em diversidade cultural, onde se mesclam as heranças afrodescendentes, cabocla, indígenas e dos imigrantes em uma identidade única. Só a musicalidade fruto disso tudo já é uma lindeza (quem acompanha este site, sabe que divulgo quase todos os nossos artistas). Imaginem se os empresários do ramo de entretenimento trouxessem artistas e bandas realmente porretas para este lugar no meio do mundo. Acontece sim, mas é raro.

Comecei esse texto/desabafo por conta de hoje rolar na cidade o show do “Moleque, o Ferinha” (ainda bem, não aguento mais aquele comercial na TV), mais um meia boca promovido pelo “Bar da Praia”, assim como os da “Comunidade do Texas”, duas entre muitas produtoras de eventos especializadas em jogar merda sonora (canções feitas somente para o cidadão sem qualquer tipo de acesso à cultura, daqueles que o mercado fabrica e empurra goela abaixo do povo) na capital amapaense e ainda cobrar por isso. Deveríamos ter muito mais acesso a shows de qualidade nestes eventos privados. Afinal, é pago. Então bora pagar por algo que preste.

Enquanto na capital vizinha, Belém do Pará, recebe artistas renomados da música brasileira, Macapá segue presa a um ciclo de repetição, onde os mesmos artistas de sertanejo, aparelhagens, sofrência, entre outros gêneros palhoças, ocupam os palcos locais e que nos deixam aquele gosto amargo de oportunidades perdidas. Sim, já que Titãs, Ira (em 2023), e agora em setembro de 2024, Caetano e Maria Bethânia, podem se apresentar no Estado do outro lado do rio e pra cá não vem nada.

A cultura de massa, impulsionada pelos interesses comerciais e pela busca desenfreada pelo lucro fácil, dá nisso. Os empresários, ávidos por garantir retornos financeiros rápidos, optam por trazer atrações de apelo imediato, mesmo que isso signifique sacrificar a oportunidade de enriquecer a cena musical local com apresentações de mais relevância cultural.

“Cultura não é elitista” ou “Cultura não é somente o que você gosta” dizem alguns defensores dessa merda. Nem vou me dar ao trabalho de explicar essa parte. Quem quiser saber mais sobre toda a questão histórica e social que impede, pode ler aqui: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2023/07/5107726-artigo-cultura-de-rico-cultura-de-pobre.html

Mas o que digo/escrevo aqui é como bem lembrou a advogada (minha prima/irmã), Lorena Queiroz, quando em uma conversa hoje mesmo, usou a citação da ministra da Cultura, Margareth Menezes: “a cultura é uma ferramenta de emancipação do pobre“. Sim, usem bons artistas, os que fazem pensar e para abrir mentes e iluminá-las como faróis na tempestade.

Em contrapartida, na mesma conversa, a Lorena lembrou algo também escroto:

Essa questão em Macapá é muito complexa. Ao mesmo tempo que as produtoras não acreditam no povo, digo na hora de trazer uma atração como Caetano e Maria Bethânia, quando tem um show de graça, como o do Zeca Baleiro, na virada de ano, a maioria da população preferiu ir para o de aparelhagem. Lamentável, pois talvez a cultura esteja empobrecendo. Talvez a boa música esteja fora de moda e a gente não aceita. Talvez o nosso problema seja velhice“, destacou Lorena Queiroz. Eu ri. Pode ser.

Em resumo, não que não tragam esses shows merdas, mas de vez em quando, tragam um bom. Público tem, afinal, todos pagam. É melhor do que ficarmos reféns somente das tais produtoras e seus shows escrotos. E olhem que nem vou falar do populismo. Isso pra ser gentil.

É uma dissonância gritante entre o que é oferecido e o que realmente se anseia, por boa parte da população. Pois é, meu caro leitor, aqui em Macapá, parece que estamos presos em um loop interminável de “shows ferinhas”, com um mar de melodias superficiais, letras simplórias e batidas previsíveis. Como se o refinamento e a profundidade musical fossem conceitos estranhos a essa terra, feita pelos cantadores e tocadores de fora. Sim, pois os daqui se garantem demais.

O problema reside na falta de equilíbrio e na ausência de variedade. É como se estivéssemos condenados a repetir incessantemente as mesmas apresentações ridículas.

Não é uma questão de elitismo, mas sim de acesso à cultura, à música que nos desafia, que nos faz refletir, que nos emociona. Como um dos maiores divulgadores da arte local, em todas as vertentes, sobretudo a música, posso reclamar sim. E mais, não tenho preconceito musical e sim conceito.

“Obrigado por enriquecer nossas vidas com encantamentos” – Frase do livro de Caetano Veloso, usada pela jornalista e apresentadora do Programa Fantástico, Maju Coutinho, ontem (17), ao encerrar a entrevista com ele (Caetano) e Maria Bethânia. É exatamente isso que nos falta nos shows que chegam ao meio do mundo: encantamento. E fim de papo!

Elton Tavares

  • Rapaz, esse texto tá até friozinho pra tua revolta. Talvez seja o cerceamento do que chamam de politicamente correto. A gente fica pisando em ovos quando percebe que além de tanta merda musical que aqui chega pra gente protestar e não dá pra fazer como queríamos. É que a maioria dos jovens adere essas porcarias porque não tem opção e a propaganda é forte.
    O apelo sensível da própria pele não responde mais à beleza das artes. Acho que o CÃO das artes leva as pessoas à escuridão ideológica do mercado que as submetem a um caos “intelectual” fugaz. Acho que é a tal da escrota solidão na multidão que remete pessoas a esse tipo de deslumbramento passageiro. E elas fazem o que dizem os capatazes dos espetáculos.
    Tô te desconhecendo na ripa, mas respeito tua preocupação…. E contenção nas palavras do velho Goddão.

  • Égua mano por isso tu és meu parça. Tô revolte Belém tá um passo mano pq não traz os capas eu tô q tô de ódio pq nem consegui ainda comprar lá em Belém. Quero tanto assitir o show q já até aceitava o desenho do fim de ano aposentou Chico depôs veio as sertanejas todo mundo curtiu povo do Chico foi embora povo do sertanejo tomou conta. Mas mano obrigada sempre por tua colaboração

  • A Banda é uma expressão disso tudo. Nós trios e em cada esquina. Tradição contemporânea sobre a essência do que não existe mais e desrespeito total com a cultura do carnaval e do Amapá, fora o volume de tantas porcarias. É só um reflexo do (des) gosto, ou falta. Ainda bem que é só uma vez por ano. Estou com você, mano.

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