Poesia de agora: Todos os dias, mulher – Patrícia Andrade

 


Todos os dias, mulher

meu nome é Raimunda
hoje é mais uma noite em claro
pra mim e pros meus meninos
porque não consegui o pão
para colocar no prato
amanhã é dia de feira
vou levar o menorzinho
pra ver se consigo um trocado
depois de amanhã
a gente morre de fome calado

meu nome é Ana
hoje é mais uma noite sem dormir
porque não consegui
o dinheiro completo
pra pagar a outra mulher
que é a dona do meu teto
amanhã saio cedo escondida
pra adiar a minha dívida
depois de amanhã
vou estar desempregada
talvez tire a própria vida

meu nome é Maria
hoje é mais uma noite acordada
o olho roxo lateja
e a boca ainda está inchada
levei uma surra do ex-marido
amanhã vou na sétima delegacia
registrar mais um boletim
pedir outra protetiva
depois de amanhã
vou ser assassinada

meu nome é Raimunda
meu nome é Ana
meu nome é Maria
cansada de ser a guerreira
todos os dias violentada
todos os dias agredida e estuprada

não me corte a carne
não me prive do amor
não me tire a vida
meu nome é Raimunda
meu nome é Ana
meu nome é Maria

olhe para mim

sou uma mulher
todos os dias

Pat Andrade

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