Tomei uma com Zaratustra – Crônica de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Crônica de Lorena Queiroz

Eu gosto é de paz, mas minha cabeça insiste em viver na porrada. Socos que são trocados todos os dias. Um ringue montado ao fim do dia e que se estende por horas ininterruptas. É uma merda, mas a vitamina de meus neurônios mais brigões é o álcool. É como se essa substância quase indigna fosse o Duke do Apollo. (Não é problema meu se tu não sacar de Rocky Balboa, te informa). Nos últimos tempos não estava conseguindo escrever.

Os pensamentos vinham e eu os sufocava ao invés de levá-los para dançar no papel. Não queria nada difícil. Não queria organizar a quebradeira que tomava conta da minha cabeça. Não estava bebendo e se, fosse fazê-lo, queria coisas simples. Fui beber com uma amiga que, aparentemente, tinha os pensamentos e uma vida mais organizada que a minha. Com ela seria simples, seria leve.

Mas é aí que a gente encontra o engano. Subestimamos as pessoas. Temos a péssima mania de concluir coisas pela superfície. Eu pude sentir o tapa da Clarisse Lispector no pé da minha orelha, dizendo; ‘’ Decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender”. E na realidade não é assim com tudo na vida? Uma sequência de boas e más surpresas mescladas tanto por nossa inocência quanto por nossa soberba.

Eu e minha amiga começamos a beber. Foi a primeira caixa de cerveja. Logo já estávamos trazendo a segunda e, quando chegou a terceira, foi quando eu soube mais sobre quem me fazia companhia. É engraçado como a mesa de bar se torna um divã, onde as dores aparecem e a gente percebe que cada vida tem uma boa dose de alegria e uma maior de tragédia.

Aquela mulher risonha com quem eu só falava de futilidades e os preços das coisas, me trouxe a sua história e que, para minha surpresa, havia mais desgraças do que eu poderia ter imaginado um dia. O Duke vestido de cevada então entrou em ação e eu tentava entender como ela havia se tornado a pessoa que é, mesmo tendo comido um caminhão de merda oferecida pela vida. Foi nesse momento que o inevitável paralelo e as associações começaram a surgir, eu estava bebendo com Zaratustra!

Ela havia passado pelas três transformações: foi um camelo submisso, rebaixado e humilhado. Durante as porradas da vida se transformou no leão, uma combatente. E agora, o leão se transformava na criança que é inocência, o esquecimento que recomeça. Enfrentou seus demônios e afirmou a vida. E mesmo com toda a dor, ela amou a guerra, pela consciência de que nos tornamos mais fortes com a dor. Ela entendeu que o esforço é contínuo. Me ensinou que o caminho é seguido não largando tudo, mas transformando a dor e o sofrimento em força. Não tenha pressa na hora de viver, o mundo está cheio de gente querendo te foder.

Eu não sou uma pessoa de certezas, aliás, ultimamente o que mais tenho são dúvidas, mas mesmo com toda minha ignorância e imperfeição, sei que é possível descer a montanha, mesmo que esteja bêbada de álcool, verdades ou dor.

Bebemos por mais de dez horas e eu consegui entender mais coisas sobre minha própria vida do que em dez horas de terapia. Não estou desmerecendo nenhum psicólogo, apenas enaltecendo a didática desses momentos e as pessoas que podem sentar contigo em uma mesa de bar, onde o álcool e a embriaguez podem te despir da armadura que a vida e as dores te colocam. Eu sou uma pessoa torta e não seria uma surpresa que eu aprenda da maneira menos usual para os retos. E por fim, como disse Zaratustra: ‘’ Recebe ordem aquele que não sabe obedecer a si próprio”.

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além disso é escritora contista e cronista. E, ainda, de prima/irmã amada deste editor.

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