Crônica de Fernando Canto
Apenas para complementar o meu artigo anterior, denominado “A Presença Açoriana em Macapá”, é que deixo a julgamento dos leitores a necessidade de incluir na programação dos 250 anos de fundação de Macapá a participação das autoridades madeirenses e açorianas nas comemorações de 04 de fevereiro de 2008. É uma opinião que acalento há alguns anos e vejo como positivo e saudável, a exemplo do que o Governo amapaense fez ao inaugurar o monumento em Mazagão Velho depois das descobertas de ossadas humanas, quando das prospecções arqueológicas nas ruínas da velha igreja local.
Pelo lado diplomático acho procedente a inclusão dos descendentes dos povoadores ultramarinhos nesse processo, pois assim pela primeira vez teremos oportunidade de manter uma relação diplomática e mais estreita com esses lusitanos insulares. A sua participação, poderia, inclusive, ser ponto de partida para futuros projetos de cunho sócio-cultural, quem sabe através da Fundação Galouste-Gulbekian, do Centro de Estudos de História do Atlântico e de tantos outros órgãos afins existentes em Lisboa, Coimbra, Funchal, Machico, Faial, Graciosa, etc., e ainda no Brasil como em Santa Catarina, que também foi colonizada na mesma época por esses mesmos povos.
Desde que os bravos emigrantes aqui aportaram em 1752 ficou o Amapá para sempre marcado pelos seus fazeres, notadamente no aspecto religioso, administrativo e cultural. Para o historiador José Manuel de Azevedo Silva, da Universidade de Coimbra, muitos desses ilhéus ficaram marcados como pessoas bem sucedidas ao explorarem as sesmarias que lhes foram concedidas e que em pouco tempo puderam provar que pelo trabalho da terra foi-lhes permitido ganhar fortuna e status. “Alguns deles passaram a integrar o rol dos homens-bons e a saírem nos pelouros de eleições dos oficiais das câmaras municipais. É o caso da família dos Picansos, naturais da ilha da Graciosa dos Açores. Concretamente, na eleição dos oficiais da câmara da vila de São José do Macapá para o triênio de 1762, 1763 e 1764, saíram eleitos nos pelouros Antonio José Picanso como juiz e André Correia Picanso como procurador. E um tal Sebastião Correia Picanso era então procurador das dependências dos moradores de Macapá e, com o intuito de impedir que fosse transferir para outra localidade, como pretendia o governador do Pará, alegou junto do rei os prejuízos que daí lhe adviriam, nomeadamente pelo facto de aí ter dois filhos a estudar: um deles, Manuel Correia Picanso, estudava gramática, latim e retórica; o outro, Tomás Nogueira Picanso, aprendia latim e gramática”.
A festa do Divino Espírito Santo, conforme aponto em A Água Benta e o Diabo, instituída pela rainha Santa Isabel de Aragão e El-Rei Dom Diniz, no século XI, “irradiou-se por todo o território português e instalou-se com raízes profanas no arquipélago de Açores”. Mas ela também é realizada nas freguesias de Porto Santo, Caniçal e Machico, localidades da ilha da Madeira. É muito semelhante aos rituais intrínsecos a festa do Divino realizada em Mazagão em agosto e no Marabaixo de Macapá. São recolhidas as ofertas e escolhidos os festeiros. Em alguns locais era costume se organizar romarias nas igrejas levando novas ofertas para a festa. Após a missa era organizada a “Mesa dos Pobres”, quando se reuniam os doze habitantes mais pobres da região e lhes era oferecida uma refeição. Essa prática foi extinta, pois era pouco recomendável a exposição da pobreza. Então foi substituída pela oferta de alimentos ou dinheiro a esses mesmos doze pobres. Há bandeiras, coroas e insígnias do Espírito Santo e a figura do imperador, uma tradição mantida por lá e perdida em Macapá. Em setembro é realizada a festa de Nossa Senhora da Piedade na freguesia do Caniçal, na Madeira. A imagem no alto de um morro é reverenciada pelos pescadores em procissões no mar, em barcos enfeitados com bandeiras que também lembram de alguma forma a bela procissão da meia lua ocorrente no Igarapé do Lago, Carvão e Mazagão Velho, em julho.
(*) Do livro “Adoradores do Sol – Textuário do Meio do Mundo, Scortecci, São Paulo, 2010.