O rufar dos tambores da escola vizinha a minha casa troa mais forte que a chuva de verão que acabou de cair. É um barulho salutar, bem compassado e ritmado que tem o objetivo de marcar o passo dos alunos desfilantes do dia sete de setembro, dia da Pátria. A banda ensaia no entorno da escola, mas é uma banda de fanfarra, onde não faltam notas desafinadas de clarins e seus sons amorfos e jovens balizas ensaiando, em busca da perfeita harmonia que por certo terão no dia do desfile, no Sambódromo…
Quando a época de comemoração da nossa Independência se aproxima eu sempre pergunto aos amigos da mesma faixa etária se sentem saudade dos desfiles a que éramos obrigados a participar. Eles não só dizem que sim como acreditavam que era um tempo de disciplina, que os ajudou a tomarem “tento” na vida. Depois me confessam que foi só por um momento, quando ainda estavam no ginásio. Mais tarde, porém, já no colegial, é que foram perceber o quanto viveram isolados e alienados da realidade do país. Não só eles, como os educadores, diretores e principalmente os pais. Quase todos eram filhos de funcionários públicos, que vivam sob a dependência dos governantes militares que vinham para o Amapá como poderosos vice-reis.
Os estabelecimentos escolares tinham praticamente duas semanas de preparativos e ensaios para os desfiles. E eram categorizados: as escolas e grupos primários desfilavam no dia 5 de setembro, o Dia da Raça, que creio nem mais se comemorar no Brasil; os ginásios e colégios faziam seus desfiles no dia sete, precedidos pelos militares e, no dia 13 de setembro, dia da Criação do Território do Amapá, era realizada a grande parada escolar, com desfile de carros alegóricos temáticos e ricamente enfeitados. As bandas da Guarda Territorial ou do Exército acompanhavam os desfiles dos colégios que não possuíam bandas de música. Mas só o Ginásio de Macapá atravessava a passarela da Avenida FAB com o garbo peculiar que lhe dera fama e um público fiel que o aplaudia do começo ao fim. Seus pelotões e carros alegóricos criativos enfrentavam o sol e o vento de setembro sob a batuta do Mestre Oscar Santos. E nós alunos vivíamos sob a marca de um tempo que não imaginávamos sua dimensão histórica para o resto do Brasil e do mundo.
Apenas mais tarde, já em outros desfiles, mas ainda sob a égide da ditadura militar, é que começamos a recusar a obrigatoriedade, do papel servil que nos impunham por tabela os ditadores, lá do planalto central. Os desfiles eram obrigatórios, sim. Quem não respondesse a chamada na área de concentração podia ser suspenso se não justificasse a ausência depois. Os professores de educação física, responsáveis pelos desfiles eram que faziam a fiscalização. Um grande amigo meu, hoje radialista famoso na cidade, me contou que por ter errado o passo numa situação dessas ficou três dias suspenso. Só não foi expulso depois do quiproquó que fez graças à intervenção firme do seu pai, um açougueiro muito respeitado. Mesmo assim ficou marcado como “um meninão que não amava a Mãe Pátria”.
Os colégios costumavam representar os estabelecimentos militares em função dos seus diretores e professores que acompanhavam cegamente os ditames dos ditadores e governadores da época. Ninguém podia “ser do contra”, sob pena de sofrer as sanções impostas pelos regulamentos especialmente preparados para os alunos considerados “rebeldes”.
Ainda bem, tudo passou. A saudade dos desfiles continua na cabeça de muita gente, assim como a ditadura também está presente na mente de muitos governantes que creem que só pela força podem continuar mandando. Ainda bem, a vida segue seu curso sem precisar que o vento negro da morte e da tortura caminhe novamente sob a paz do nosso país. Viva a Independência e nossa melhor memória.
3 Comentários para "O tempo das paradas escolares – Outra crônica porreta do Fernando Canto"
… e eu, filho de negro, desfilei de índio estilizado. Não por imposição do tal “civismo”, mas pela condição financeira… “uma sunga vermelha e um conga!”
Perfeito, voltei ao meu tempo de IETA, quando obrigatoriamente ia desfilar no 07 de sembro!
Perfeito, voltei ao meu tempo de IETA, quando obrigatoriamente ia desfilar no 07 de sembro!
Parabéns mestre!