Rainha do cangaço é homenageada em disco da Mini Box Lunar – Por Sílvio Neto

Por Sílvio Neto

Maria Bonita, o mito do cangaço, nasceu no dia 29 de julho de 1938 após a morte brutal da mulher Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, ou Maria do Capitão, ser anunciada nos principais jornais do Rio de Janeiro, então capital do país.

Doze anos antes, porém, com apenas 15 anos de idade, Maria casou-se (de casamento arranjado) com seu primo Zé de Neném, sapateiro, alcoólatra, adúltero e violento. A menina era espancada toda vez que questionava o comportamento do marido. Logo, por vingança e gênio forte, começou a ter diversos casos extraconjugais. Até que, em um dia qualquer do ano de 1929 conheceu o temido cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, rei do cangaço, tornando-se sua amante.

Ainda nesse mesmo ano decidiu fugir com Lampião e tornou-se a primeira mulher a ingressar no cangaço. Eles tiveram uma única filha e viveram juntos por nove difíceis anos, até serem mortos numa emboscada no dia 28 de julho de 1938. A morte de Maria foi um ato de covardia do volante (policial) José Panta de Godoy que, depois de acertar um tiro no abdômen e outro pelas costas, a decapitou ainda viva. E assim nascia Maria Bonita, nome que se popularizou com os jornais que noticiaram a morte de Maria, mas que jamais foi usado pelo bando ou por sua família.

Neste ano de 2022, completam-se 83 anos da morte da menina ultrajada e espancada que se tornou a rainha do cangaço.

Maria Bonita é o protótipo mais fiel da mulher nordestina que por muito tempo sofreu com as agruras da vida e se reinventou pela sua própria força e determinação. Uma mulher que foi capaz de amansar o coração da mais temida fera do sertão e que de tão apaixonado era capaz de lhe dar o mundo.

E pessoalmente para mim, que carrego o nome de um dos amigos do casal, que sempre os recebia em sua casa junto com todo o bando, quando estavam de passagem pelo sertão da Paraíba, foi uma grande surpresa ouvir o novo trabalho da banda amapaense Mini Box Lunar, que acabou de lançar o EP Maria Bonita, com 6 faixas que, de uma forma ou de outra, trazem referências a este ícone da cultura popular nordestina.

Começando pela capa que traz a belíssima arte gráfica de Rodrigo Aquiles, percebe-se de imediato que o álbum traz todas as cores e leveza da cultura popular, no azul celeste da seda e nas estrelas que ornavam os sertões e os chapéus dos cangaceiros; sem perder a força da feminilidade da mulher brasileira, representada pelas rendas, flores e pelo semblante sério de olhar penetrante no registro fotográfico em preto e branco de Maria.

O EP, que tem direção e produção musical de Otto Ramos, também é uma homenagem da banda ao produtor Carlos Eduardo Miranda – aquele que participava como jurado técnico do programa Ídolos, no SBT, e que morreu em 2018, tendo produzido e ajudado a levar o nome da Mini Box Lunar para todo o Brasil.

Contemplado pela Lei Aldir Blanc, por meio do Edital003/2020 da Secretaria de Estado de Cultura (Amapá), o disco, como já foi citado anteriormente, traz 6 faixas, abrindo com a música que dá título ao trabalho, Maria Bonita.

Antes de falar de cada música, para quem ainda não conhece o som da Mini Box, algumas informações ajudam a entender o clima que envolve este disco. A banda amapaense já tem mais de 15 anos de carreira, tendo participado de vários festivais do circuito alternativo. Atualmente é formada pelos músicos Heluana Quintas (vocais); Alexandre Avelar (guitarras); Ppeu Ramos (bateria/percussão); Helder Melo (baixo) e Otto Ramos (teclados/sintetizadores).

Toda a estética da banda remete ao grandes nomes do Tropicalismo – dos Mutantes a Tom Zé, passando pelos Novos Baianos e pelos Doces Bárbaros (Caetano, Gil, Gal e Bethânia) – mas também por experimentalismos da Vanguarda Paulistana (Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, entre outros) e com a pegada regionalista de ritmos do Pará e Amapá, como a guitarrada de Manoel Cordeiro, o brega pop de Wanderley Andrade e o marabaixo do Mestre Pavão e de Laura do Marabaixo (que faz uma participação toda especial na faixa “Festejo”.

Evidentemente, as influências da banda como um todo ultrapassam todas estas fronteiras citadas e transcende em uma musicalidade ao mesmo tempo doce, forte e alegre, boa de ouvir e de dançar.

Dito isto, vamos às músicas!

“Maria Bonita” é um frevinho bem compassado em marcha que vai chegando de mansinho e tomando de assalto todo o espaço – assim como faziam os cangaceiros ao invadir os pequenos povoados da caatinga. A música como um todo, lembra muito as cantigas tradicionais de ciranda muito populares no interior nordestino, especialmente na região de Paulo Afonso (BA), onde a rainha do cangaço nasceu e viveu até os 18 anos, quando fugiu com Virgulino. Destaque também para o arranjo de teclados e guitarra que fazem uma referência às tradicionais bandas de pífano daquela mesma região.

A segunda faixa, “Corra”, é uma espécie de ska que se funde com o brega paraense, trazendo, já de cara, um tom de alegria (ainda que sob frases imperativas). Gosto da letra em que, ao mesmo tempo que traz os tais imperativos tão comuns nas publicidades e redes sociais dos nossos tempos atuais, faz um chamado pra uma conversa ao pé do ouvido, naquele cantinho escuro do boteco, perto da vitrola.

Em “Festejo”, terceira faixa do disco, temos a participação de Laura do Marabaixo. O que me chamou atenção nesta música, além da referência sutil ao ritmo amapaense, foi o arranjo sobreposto por uma levada carnavalesca ao estilo dos Novos Baianos (inclusive a voz da Heluana Quintas lembra muito a da Baby nessa música) e, especialmente a sacada do refrão em que a banda consegue sair do lugar comum e faz com que Laura transcenda os cantos tradicionais do marabaixo e entre num clima bem próximo ao psicodelismo.

A quarta música é a minha preferida. “Fada”, é um samba-rock que nos traz uma certa saudade dos bons tempos do Jorge (quando ainda era só Ben) e do Simonal. Destaque para o cavaquinho de Jefferson Shory e para a guitarra de Alexandre Avelar que muito me lembrou Carlos Santana em “Samba Pa Ti”. A música traz ainda a participação de Elysson Perera nos backing vocals.

Elysson também participa da quinta música do disco, “Folk da Escada”, um folk rock com pegada foxtrote e country. A letra é uma das mais criativas de todo o disco. A música entra como que para lembrar que, mesmo com todos os experimentalismos, a Mini Box Lunar é, em essência, uma banda de rock – ainda que não reivindique nenhum rótulo para si.

Por fim, o disco volta para o universo do cancioneiro popular com “A Rosa”, numa releitura urbana da cantiga popular de ciranda do “Cravo e a Rosa”. O arranjo de teclados aqui é o que mais marca presença e faz com que o disco deixe um gostinho de “quero mais”.

Penso que Maria de Déa ficaria vaidosa com a homenagem e que Miranda, em algum universo paralelo, esteja, a essa altura, orgulhoso de ter conhecido e trabalhado com a Mini Box Lunar. Parabéns a todos os envolvidos no projeto!

FICHA TÉCNICA:

Direção e produção Musical: Otto Ramos
A Mini Box Lunar é:
Heluana Quintas | https://www.instagram.com/heluana/
Alexandre Avelar | https://www.instagram.com/alexandre_d21/
Ppeu Ramos | https://www.instagram.com/ppeuramos/
Helder Melo | https://www.instagram.com/heldermelol…
Otto Ramos | https://www.instagram.com/ottoramos/

Participações:

Elysson Perera: Backvocals em Fada e Folk da Escada
Jefferson Shory: Cavaquinho
Laura do Marabaixo: Back Vocal em “Festejo”
Estúdio de Gravação: Poliphonic Records | https://www.instagram.com/casapolipho…
Design de Capa: Rodrigo Aquiles | https://www.instagram.com/rodrigoaqui…
Produção Executiva: Duas Telas Produções | https://www.instagram.com/2telasprodu…
Vídeo / Registro e Distribuição: Augusto Máximo | Go Augusto | https://www.instagram.com/go_augusto/

*Silvio Neto é jornalista, quase ex-bancário, terapeuta e pilota a blog “A Vida é Foda”.

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