Sem dar nome aos bois – Crônica de Ronaldo Rodrigues para um mundo melhor

Crônica de Ronaldo Rodrigues para um mundo melhor

Daqui a alguns anos, muitos e muitos anos, quando tudo for passado, eu estarei sentado em minha cadeira de balanço, fazendo palavras cruzadas ou estourando plástico-bolha e, de vez em quando, estendendo meu olhar pelos jardins do asilo numa tentativa de lembrar alguma coisa, alguém, um rosto, uma palavra.

Há tempos que esqueci o nome de algumas pessoas (que bom!), mas lembro de certas coisas de suas personalidades. Não me importo com o que houve com elas, é só uma curiosidade que bate de vez em quando: onde estarão essas pessoas? O que aconteceu com suas vidas imbecis?

• “Inútil! A gente somos inútil!”, cantava aquele rebelde sem causa nos anos 1980 para, nos anos 2000, desafinar feio e mostrar que ele estava certo, se revelando mesmo um inútil. Realmente um fato ultrajante! Com ele, vários ícones de sua geração também reforçaram o refrão da decadência, sem a mínima elegância.

• Fazia belas ultrapassagens aquele piloto de Fórmula 1, conhecido também pelo seu humor azedo e sua voz um tanto fora dos padrões sonoros estéticos. Ele derrapou na reta final de sua vida e serviu de motorista a um sujeito que entrou de carona na direção do país, graças a milhares de desorientados que se deixaram guiar para o abismo de seus pensamentos e sentimentos anti-humanidade.

• E aquele jogador de futebol mimado que arrasava dentro de campo (quando não estava deitado na grama) e era um completo perna de pau fora das quatro linhas? Driblando possíveis condenações por sonegação de impostos, entrou no time do cara que se achava o dono da bola. Fora de campo, o nosso craque marcou inúmeros gols contra e espero que não tenha se afogado nos seus milhões de dólares. Mas o futebol é assim: salvando algumas honrosas exceções, por mais craque que o sujeito seja com a pelota, costuma ser ruim da cabeça. O próprio rei indiscutível desse esporte se revelava um tremendo pereba sempre que o assunto escapava de seus habilidosos pés.

• E aquele jogador de basquete, o maior de todos, que quando arremessava suas opiniões via-se que suas palavras não tinham o mesmo brilho que sua mão santa tinha em quadra.

• E o sujeito que quebrou a placa da rua em reação ao nome que estava escrito lá? Será que ele conseguiu, pelo menos, se tornar nome de um beco sem saída?

• E o assassino da atriz da novela das oito? Sei que ele se transformou em pastor evangélico e ergueu um altar para seu ídolo-mor.

• E por falar em pastor, que terá acontecido com todos aqueles impastores (pastores impostores), ladrões da fé alheia? Será que esses vendilhões do templo, detentores de concessões televisivas e internéticas, se entupiram de dinheiro e estouraram, desta vez de verdade, não na audiência de seus seguidores?

• E os tantos humoristas desengraçados, grosseiros, que perderam o ritmo, o timing, e chafurdaram em piadas de baixíssimo senso de humanidade?

• E os sertanejos, que já haviam conspurcado o verdadeiro sentido da música caipira, autêntica, de raiz? O que terá acontecido com esses glorificadores do agronegócio?

• E os meus ex-amigos artistas, que empunhavam lápis, tinta e papel e se viram seduzidos a fazer o sinal de arminha na mão? Será que foram devorados por sua mediocridade?

• E aquela gente que nunca havia se manifestado na vida, nem contra nem a favor de coisa alguma, que não hesitou em vestir a camisa verde e amarela de um patriotismo torto? E os que enveredaram por um anticristianismo, de exclusão e impiedade?

• E os produtores e disparadores de fake news? Onde estarão espalhando suas mentiras?

Será que alguém aí, que estiver lendo estas linhas, pode arriscar um palpite? Melhor não. Deixa esses merdas pra lá. Prefiro pensar que o tempo passou pra todos nós (que estivemos do outro lado) como um bálsamo e nos curou de todas essas doenças. Eu vou parar por aqui porque já estou sentindo asco de tentar lembrar dessa gente escrota (era gente mesmo aquilo?). E espero sinceramente, tomando emprestado um pequeno trecho da carta do chefe Seattle, que essa galera toda tenha sido sufocada pelos próprios dejetos.

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