Carta ao Zé Penha Tavares – Crônica de Elton Tavares

Sabem, já redigi material suficiente para publicar pelo menos uns três livros, muitos destes textos sobre temas que hoje em dia não fazem nenhum sentido, mas escrevi poucas cartas. E isso é esquisito. Ao refletir sobre isso, resolvi escrever para meu pai, o Zé Penha, que (na expressão do escritor Fernando Canto) fez a subida dimensional em 1998, mas vive na minha memória afetiva e coração. Afinal, discorrer sobre vivências é minha válvula de escape e meu caderno de recordações imaginário está cheio de episódios felizes dos 22 anos que tive a honra e sorte de conviver com papai.

Eu, papai e Clara (sua namorada), em 1997.

Carta ao Zé Penha – 12.11.2023

Querido pai,

Como vai a farra aí do outro lado? Aposto que você já deve ter encontrado uns camaradas com quem trocar uma ideia boa e tomar uma cervejinha gelada. Se não, ajeita aí, porque o bar celestial não pode ficar sem sua invejável presença boêmia. Por aqui os verões estão cada vez mais implacáveis, tu irias dobrar o consumo de cerveja, se é que isso seria possível (risos).

As coisas por aqui continuam na mesma, ou seja, uma bagunça só. Sinto saudades suas sempre e em toda oportunidade, conto tuas histórias sobre o jeito único e porreta que vivestes. Sigo trabalhando muito, namorando, endoidando demais, tudo ao som de rock’n’ roll, canções do Amapá ou a velha e boa MPB, que me ensinastes a curtir.

Daqui de Macapá, escrevo para desabafar contigo sobre a falta crônica que fazes. Tenho lido pouco, mas escrito muito. E bebendo demais, como sempre. Como disse o Chico, “sem a cachaça, ninguém segura esse rojão”. Tu sabes. De vez em sempre, lembro da tua voz rouca, das risadas, do sorriso largo e daquele olhar sacana que tinhas quando ia falar alguma coisa engraçada ou ideia mirabolante na cabeça.

Sabe, Penha, o mundo mudou tanto. Me ferrei várias vezes por não ser como você, um cara tranquilo, mas a vida tem colocado coisas boas pra amenizar a aspereza do caminho.

Ah, e o Emerson. Sabe, ele se deu bem demais profissionalmente, tem uma família linda. Tu ias amar ser o avô da Maitê. E com certeza ela iria amar-te, vô Zé. Mas a saudade do mano não é diferente da minha. Aliás, ele parece muito mais contigo no humor, jeito e tranquilidade. Vez ou outra, nós formamos uma dupla invencível, ias gostar de beber e falar bobagens conosco, como antigamente. A gente sempre sente falta disso.

E já se foram vários de nossos amores e amigos depois de você. Espero que tenhas encontrados o Juca, a Peró, o Ita, entre outros de nossos afetos que pegaram carona no rabo do cometa ou como descreveu a escritora Lulih Rojanski, “sumiram no relâmpago do adeus”.

Quando o bicho pega, falo contigo, tu sabes. Uma espécie de monólogo, mas juro que sinto conforto em lhe contar meus problemas. A saudade é uma coisa que nunca se consegue explicar com precisão, por mais que se tente. A gente acostuma, pai, mas nunca passa.

Zé Penha, com as mãos nos ombros da Clara (sua namorada na época), eu (em pé com a mão no ombro do meu irmão) e Emerson. 1997.

E pai, sempre acho que ainda temos uma grande história pendente. Seja aí nas estrelas, céu, inferno (que na verdade é por aqui mesmo) ou seja lá o nome do espaço/tempo/dimensão onde te encontras, ou aqui, em outra jornada. Afinal, nosso amor é infinito, já que atravessou essa vida, de certo a anterior e com certeza a próxima existência.

Sigo um viajante. Algumas vezes metaforicamente, como nessa carta. Doutras literais, seja para outras cidades ou dentro da minha cabeça. Às vezes, viajo no tempo ao lembrar o amor e companheirismo que nos une. Eu e Emerson vivemos intensamente, como nos ensinado por ti. Obrigado por isso também.

Gosto de lembrar que fostes um maluco bacana, que dentro de sua loucura, nunca teve uma vida monótona. E isso é para poucos, pai. Enfim, Penhão, bom era o tempo em que a gente tinha tempo juntos. Então, meu velho, onde quer que você esteja, levanta um brinde aí por nós. Às boas lembranças, aos ensinamentos, às risadas.

Nós e o Zé Penha, em dezembro de 1997, no último natal dele conosco.

Apesar de eu hoje ter 47 anos, idade que tinhas quando embarcastes aí para as estrelas, não penso em finitude, desviver, desencarne, etc. Mas sei que quando rolar a passagem, antes da fila da reencarnação para outra existência, dimensão, planeta ou realidade paralela, quero te encontrar. Não que eu esteja com pressa (risos).

Um beijo em ti, papai. Com amor, gratidão e saudades sempre.

Elton Tavares (Ou “Zoc”, como gostavas de me chamar).

*Faço minhas as palavras do poema Filtro Solar: “dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez”.

**Republicado por hoje completar 26 anos da subida tridimensional do papai. 

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