Poema de agora: Itinerário – Jaci Rocha

Itinerário

Gosto de olhar teu rosto
Sentir teu corpo
Desalinhar meu coração!
Do calor e do frio de estar contigo.

Gosto das piadas loucas,
Do humor pouco convencional
Ainda assim, fecho os olhos,
Desacredito de estar nos teus laços!
Um filme, enredo de um sonho distante, irreal!

Mas eis,
que estou mesmo em teus braços…
E eu já não sei então…
( Dessas coisas de paixão, tenho medo)

Qual a curva, a reta, a seta ou direção?
Neste mundo tão bonito e vago!
Onde a vida, mais que a razão
Conta seu próprio curso, verdade e itinerário.

Jaci Rocha

Poema de agora: [[DE] COMPOSIÇÃO DO SILÊNCIO] – Marven Junius Franklin

Imagem: Sandro Barbosa

[[DE] COMPOSIÇÃO DO SILÊNCIO] 

I

Há lembranças que chegam com o silêncio – trazidas
pelos meus mortos que – volta & meia –
se atrevem em meu jantar

(sabemos – querida irmã – pois as deixamos esquecidas
dentro de nossos olhos & de nossos armários
de incoerências).

II

A solidão chega pelos espelhos cavos
& em nuances doentias
que se decompõem na bruma & nos brincos-de-princesa.

III

É madrugada agora!
Sentado no alpendre do apartamento
fico a ver navios

(lembrando deusas – travestidas de brisa – dimanando
esplêndidas pelo rio).

Meu pai dizia
que a morte desce dos quadros distendidos
em paredões de envelhecidos casarios portugueses
do Boulevard Castilho França & evaporam [solenes]
defronte ao Solar da Beira

(assim – cara irmãzinha – adormeço
para ver se os querubins sobrevoam minha cabeça de pedra).

Marven Junius Franklin

Poema de agora: Perdas e Encantamentos (Jaci Rocha)

Perdas e Encantamentos

Claro que eu me perdi
E desandei estradas que desconhecia
Mas qual seria a graça de andar em linha reta?
De seguir, em todas as manhãs
A mesma estrada certa?

Daqui pra li
Sei pouco mais que nada
E até já me acostumei,
Já esqueci mais do que lembrei
E desisti de ser exata,

Humana em demasia,
Chorei uns dez poemas
Ao falar de amor.
Pra falar a verdade,
Até perdi a conta!

É que o amor, quando acontece
A gente floresce
E esquece de ter medo
A alma é pintada de uma estranha euforia
encontra, às seis, com a alegria.

Descobri que não há “ Se ou não”
Se tudo que o vento trouxe
Mais me fez mais poeta
E, naquela estrada incerta há, enfim, Felicidade!
E vida, incrivelmente vívida,

Natural e lívida,
de verdade.

Jaci Rocha

Poema de agora: Náufrago – (@ThiagoSoeiro)

Náufrago

quando comecei este poema
ainda não sabia falar
de como o mar
consome todas as palavras
que são ditas
ao pé do seu ouvido
era cedo demais
pra entender qualquer
urgência da palavra dita
quando comecei neste poema
as palavras faziam onda
em minha cabeça
revoltas em imagens
que só anos mais tarde
eu iria entender
dali pelos próximos dias
de fevereiro
o céu do norte do país
andaria escuro
e ninguém veria em alto mar
o poema perdido
antes mesmo do começo.

Thiago Soeiro

Poema de agora: Ciranda desse fruto de você – @juliomiragaia

Ciranda desse fruto de você

Vez em quando
Vez em quando
Vago
Um vaga-lume
Verticando
Em você

Gravo
Pelo eco
Grave

Os caracóis
E a solidão
De não-você

Tonto

Aperto
Em sono

Contra o parto
Das paredes
Da TV

Os tédios
Os pontos
O salto em zê

Do grilo louco
Grilo louco
Que me vê

Vez em quando

Vez em quando

Pelo livro
Da memória
Sou você

Chuvisco
Aceno
Adjetivo

Dessa cela
Desse ovo
Que é você

Vario

Às vezes

Nesse enxame
De aviões
De não te ter

Vermelho
Ou verme (Ou caracol drogado)

Nesse vento
Retardado
Que não vê

Vez em quando

Vez em quando

Vem um pranto
De cabano
Ou de erê

Desses olhos
Desses olhos

Desses olhos
Desses olhos
De você

Júlio Miragaia

Poema de agora: Outros detalhes sobre o tempo (Jaci Rocha)

Outros detalhes sobre o tempo

O tempo não dói
Quando se desfaz

São só partículas
Física, química
Que se modificam

– Assim, o rio que chega, vai
Torna-se outro e retorna
No virar da maré –

O vento que sopra os cabelos da menina
Curvam no virar da esquina,
Movimentam o espaço que se modifica
Num loop que une destino, acaso e sina.

O tempo não dói
Quando se desfaz

Nem o avião que leva
Ou a estação que lava a beira do rio
Partidas e chegadas, sóis e temporais
Os barcos que chegam e vão para outros cais…

Só o coração sente.
E a memória, que exala e poetiza
A matemática astroquímica
Da vida!

Jaci Rocha

Poema de agora: PERIFÉRICA – Fernando Canto

PERIFÉRICA

o homem extenua-se contrito
sem deixar a pista do seu grito

o homem come a merda que defeca
e aos prantos não retém a dor que o seca

o homem não decifra o que devora
não fixa e nem solta a cor da hora

o homem alimenta-se de vento
e constrói casas pelo firmamento

o homem estende a mão a quem lhe expulsa
no estigma da vida e sua conduta

o homem o homem o homem
o homem é o latifúndio de sua fome

Poema em homenagem aos 402 de Belém do Pará (@tagahasoares)

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Não sei de quem é a foto, mas é belíssima. 

Belém Pará

Um dia, um certo Francisco Caldeira Castelo Branco
Lixeiro, Baía do Guajará
Um cheiro gostoso de madrugada
Eu gosto de ti, Belém do Pará
Belém Pará… Belém, Belém, Belém Pará…
Tem gente que acha que tudo é belo
Criança que brinca sem ter jardim
É lama, é buraco, é muçum na casa
Vou ver pôr-do-sol, Forte do Castelo
Belém Pará… Belém, Belém, Belém Pará…
À noite, na Doca de Souza Franco
Um homem de capa apareceu
Tomou em seus braços Joana Rosa
E fê-la gemer
Sangue escorreu
Ele comeu…
Belém Pará… Belém, Belém, Belém Pará…
É Ver-o-Peso, feira da fome
Povo que marcha unido na fé
Do outro lado da corda vai o dinheiro
Assim é o Círio de Nazaré
Vós sois o lírio mimoso
Do mais suave perfume
Belém Pará… Belém, Belém, Belém Pará…

TagaEuePapa

NOTA DO TÃGA: essa letra inaugurou o Centro de Cultura Tancredo Neves, CENTUR, onde o meu nome está lá até hoje na antologia de poetas paraenses. Detalhe: o arcebispo passou mal, não aprovou e fui classificado como herege, condenado ao desterro…

Tãgaha Soares (meu saudoso amigo poeta e jornalista). 

Poema de agora: Aqui – Andreza Gil

Aqui

Agora:
neste momento, neste instante.
Presente.
Matéria resistente,
Corpo ( , )mente.
Estou presente.
Inteiramente,
parte minha,
metáfora nua.
Imageticamente.
Reluzente,
feito íris, olhos fundos.
Mergulho.
Tratado de profundeza,
sem medida, sem cortesia.
Instinto.

Andreza Gil

Poema de agora: Confissão da louca – Mary Rocha

Ouvi dizer que sou louca

Acometida de demência especial
Olho o mundo com meus sentidos
E me apaixono pelo irreal

Devo mesmo ser louca!
Pois, na cidade de pedra
Em meu pequeno ninho
Eu tento cultivar rosas
Sem podar os espinhos…

Não é fácil, senhor!
Tentar colorir esse cinza todo
Com meu arco-íris pessoal
Às vezes
Até eu,
Me acometo dessa triste doença
De seguir o padrão social…

É…
Mesmo eu,
Conhecida por desequilibrada
Me disfarço com roupas formais
E me visto de sociedade

Porém, internamente
Alimento essa tão minha
Particular insanidade…

Quem mais
Morando no alto de um prédio
Possui como companhia
Livros, flores e pássaros?
Que livremente passeiam pelo jardim…

Seres que vivem de seus próprios significados
E, dia a dia,
Cultivam minha poesia…

Me ensinando sempre,
Ainda que com dificuldade,
A retirar a armadura
E a me despir dessa tão deprimente
‘’normalidade’’

Mary Rocha

Poema de agora: RELEITURA (Luiz Jorge Ferreira)

RELEITURA

Faco uma releitura.
Arrasto a lua pela sala, e a largo perto do Aquário.
Onde o amor e o ódio, mergulhados em nada, sobrenadam, separadamente, de mãos dadas.
Afino o assobio com uma das Estações de Vivaldi.
Apelido você de minha, e apelido a mim de quase seu.
As sobras das palavras que nem falei, nem escrevi.
Derramo no Jardim, atrás do por do sol.
Imaginei sair correndo de dentro do meu interior.
Imaginei entrar em ti, gritando:- Ô de casa!
Não mude nada.
Não quero me sentir estranho, onde por muitos anos, perambulei feliz.

Luiz Jorge Ferreira

*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).
**Contribuição do amigo Fernando Canto.

Poema de agora: Croni-verso do menino viral – (@juliomiragaia)

Foto: Lucas Landau

Croni-verso do menino viral

De acordo com os olhos do menino
Entre a textura
Dos ventos
E o banho da lua
Ainda há esperança:
Um peixe interno e canhoto
A respirar nos mares do futuro
De acordo com os sonhos do menino
Entre os fogos da cidade
As selfies
E a breve tristeza
Ainda caminhamos:
Pisando nos tanques, nas dores e na indiferença,
Sorrindo por nada
E de acordo com o nada no menino
Uma faísca de qualquer coisa nos é
Apesar de não se dizer
O menino guarda em si
Na verdade
Essa doce capacidade
Que vamos deixando de ter
De sonhar com os olhos abertos
Ao longo de pedras
Perdas
E distâncias

Júlio Miragaia