O Pau da Bandeira – Crônica de Silvio Neto

Crônica de Silvio Neto

É inegável que a quase totalidade – sim, porque há raríssimas exceções – das sociedades do planeta se desenvolveram e ainda são regidas pelo patriarcado – sistema social em que os homens mantêm o poder primário e predominam em funções de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades.

O símbolo máximo desse poder – amplamente estudado pela psicanálise – é o falo, isto é, o pênis e, por extensão, tudo que remeta à sua imagem nas mais diversas formas. Por exemplo: Os cetros dos reis e imperadores; o cajado do papa e dos bispos da igreja católica; o malhete do juiz; o diploma universitário dobrado em formato de canudo cilíndrico; os diversos tipos de cigarros, charutos e cachimbos dos boêmios e intelectuais; os monumentos em praças e parques no formato de obelisco; as armas (principalmente as de fogo e as perfuro cortantes); as bandeiras hasteadas em seus mastros – inclusive os mastros de murta que sustentam as bandeiras dos santos no ciclo do marabaixo; etc.

Em consequência do patriarcado é que temos o conceito de pátria e patriotismo. A primeira com o sentido de “terra do pai” (aquela que dá o sustento ao homem). O segundo como um dever de obediência e dedicação total do filho ao pai que o sustenta – bem ao modo das antigas tribos hebraicas que deram origem mais tarde à sociedade dos judeus.

A pátria é sutilmente diferente da nação. Enquanto a pátria é o espaço geográfico onde se insere o indivíduo (de forma natural ou adotiva), a nação agrega, além de elementos como território, língua, raça, religião, costumes e tradição, um vínculo de convicção de um querer viver em coletividade. Podemos dizer, portanto, que o conceito de pátria é mais objetivo, enquanto o de nação é mais subjetivo. E justamente por ser algo mais objetivo, palpável, é que a pátria necessita de uma afirmação através de símbolos que estabeleçam, além de sua identidade, o seu poder de soberania.

No caso do Brasil, são quatro os símbolos principais: O Selo Nacional, que chancela os atos do governo, os diplomas e certificados; o Brasão de Armas, que representa a glória, a honra e a nobreza brasileira – psicanaliticamente falando, representa o gozo de ser brasileiro; o Hino Nacional, que seria a representação oral do nosso suposto patriotismo e a Bandeira Nacional, símbolo fálico por excelência e que representa, além do óbvio, o poder falocêntrico da nação – note que aqui eu falei “nação”, naquele sentido já falado do desejo de viver em coletividade, isto é, a figura mítica do “povo brasileiro”.

O escritor e pensador inglês Samuel Johnson é o dono da frase: “O patriotismo é o último refúgio do canalha”. Nisso, ele se referia não ao “amor real e generoso” pela pátria, mas ao “pretenso patriotismo que tantos, em todas as épocas e países, têm usado como um manto para os próprios interesses”. A frase de Johnson referia-se, portanto, aos canalhas, e não ao patriotismo em particular. Ela observa que o patriotismo é um conceito que pode ser facilmente manipulado, e por todo tipo de indivíduo; ao apresentarem-se como patriotas, até mesmo canalhas podem prosperar. Além disso, em um nível mais profundo, ela refere-se à tendência acentuada de que, quando confrontados, canalhas demonstrem um devotamento patriótico falso a fim de explorar esse sentimento alheio e, por meio dele, avançar seus interesses e proteger-se aos olhos do público. Isto lembra alguma coisa?

Com a dissolução da União Soviética e decadência quase total do comunismo, temos visto nos últimos anos um crescimento exponencial da extrema direita em diversos países. Na Europa e Estados Unidos, o fantasma das imigrações clandestinas e dos refugiados tem assombrado a todos e mexido com seus ideais de identidade. Diante do estranhamento dos “de fora”, há uma necessidade dos nacionalistas se reafirmarem em suas próprias identidades e tentar se proteger de supostos inimigos que “invadem” suas pátrias.

Na maioria dos países onde leis segregacionistas sempre existiram, é mais fácil notar os preconceitos e racismos. Mas, e no Brasil, onde sempre foi pregada uma “democracia racial” ou mesmo “social”? Bem, em meio ao “cordial” povo brasileiro – como diria Sérgio Buarque – as máscaras estão caindo de uns anos pra cá e os preconceitos e discriminações de raça, gênero e condição social estão ficando cada vez mais escancarados. E tudo por causa de um homem (tinha que ser) que garante ser “imbroxável” (poder do falo) e que desde 2018 resolveu encarnar o mito do “salvador da pátria”.

Não quero me deter aqui em falar desse sujeito abjeto. Minha proposta aqui é analisar apenas um pequeno aspecto do discurso desse “mito”: O uso da Bandeira Nacional. Desde 2018 tornou-se comum a frase “Nossa bandeira jamais será vermelha!”, numa alusão a não se permitir que um suposto comunismo invada o Brasil e que, portanto, é preciso se agarrar com unhas e dentes ao falo do pai; ao poder soberano da terra do pai (a pátria). Em outras palavras, à Bandeira Nacional.

Eu particularmente acho curioso e até engraçado esse apego que tanta gente vem demonstrando ao pau da bandeira (o falo pátrio). Parece que os apoiadores do execrável estão regredidos e fixados à fase fálica, aquela época da vida em que o sujeito tem por volta dos cinco ou seis anos de idade e começa a desenvolver a neurose obsessiva por medo da castração. É o medo das elites terem castrados os seus privilégios – o rico empresário isento de impostos sobre sua fortuna; o rico pastor evangélico e suas concessões de rádio e TV; o rico fazendeiro com suas incursões ilegais pela Amazônia, etc. Daí a necessidade de hastear a bandeira na casa, no carro, no pescoço ou onde der. É preciso mostrar ao “pai mítico” que ele é agradecido por todas as dádivas que lhe são dadas. E não é à toa que vemos tantos privilegiados mostrando sua gratidão e obediência ao “pai” com suas bandeiras hasteadas em suas belas casas e carrões.

*Silvio Neto é jornalista e pilota o blog “A Vida é Foda” (aliás, recomendo, saquem lá).

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