Poema de agora: OS CORVOS – SÍLVIO LEOPOLDO (*)

OS CORVOS

Os corvos não querem
A felicidade se ninguém.
Estão em todos os lugares
E não há espantalho que chegue…
Corvos são funcionários públicos,
Doleiros, artistas, biscaiteiros,
E até inumeráveis
Entre os puxa-sacos
De todos os chefetes do Brasil.
Os corvos devoram com denodo
O milharal alheio
Mas só os outros erram.
Pagam as contas em dia
Em franca inadimplência,
E só abominam o mal
Pra disfarçar o bem.


Deve ser muito ruim
Ter um vizinho corvo
Quase ninguém escapa.
Em tudo botam defeito
E cada baixo seu
É gol de placa.
Corvos são ricaços, proletários,
Médicos, frentistas, boticários;
E até igrejas frequentam
Orando por ninguém.
Tem corvo com mestrado e doutorado,
Corvos honoris causa,
Corvos condecorados
Pintados à óleo, nanquim ou aquarela…
Vais sair? Cuidado, meu amigo
Tem um corvo te olhando da janela…

Sílvio Leopoldo

 

(*) SÍLVIO LEOPOLDO LIMA COSTA (1953-2007), poeta, bacharel em Direito e Biblioteconomista da Embrapa-Pa, em Belém. Era compositor e foi premiado em diversos festivais, como o Festival Amapaense da Canção (FAC), de 1975, quando levou o primeiro e segundo lugar com músicas interpretadas por Manoel Sobral, e com arranjos feitos por mim. Publicou vários livros de poesia, entre os quais “Lira Ligeira”.

**Contribuição de Fernando Canto

Poema de agora: O FADO – Fernando Canto

O FADO

Ao homem é dado o fado
De sepultar segredos
De enterrar memórias
De segregar vontades
E segredar vinganças,
Pois no ar em que circula o pó
Da angústia
Está toda a tragédia
E o rol das incertezas

Tu não te negarás dez vezes, todavia
à herança dos mortos perigosos
à dádiva dos santos enlevados
ao ouro iridescente de rancores
Nem o ouvido aos cantos sedutores

O homem não sonega o sonho
Plantado à bruma da manhã,
Pois a chuva volverá tuas leiras
E o sol eclodirá sementes
Enquanto dormes sob a perfeição
Do Cosmos

Fernando Canto

*Fortaleza, Benfica, 23 de junho de 2016

Poema de agora: O Roubo do Velho Forte (Obdias Araújo)

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

O Roubo do Velho Forte

Tu sabias
que a Fortaleza
foi toda construída
no Curiaú?
Diz que o Sacaca
o Paulino e o Julião Ramos
vieram em cima da Fortaleza
varejando até chegar na beira do Igarapé Bacaba
onde amarraram a bichona na Pedra do Guindaste
e foram tomar uma lá
no boteco do sêo Neco.
Diz que o o Alcy escreveu uma crônica
E o Pedro Afonso da Silveira Júnior leu
Oito horas da noite
no Grande Jornal Falado E-2.
Diz que, né?
Diz que o mestre Zacarias
vinha em cima do farol
tocando um flautim feito
com as aparas da porta de ébano…
E que Dona Odália vinha fazendo
flores de raiz de Aturiá
sentada no maior de todos os canhões
brincando com a Iranilde
que acabara de nascer.

Diz que o Amazonas Tapajós vinha
cantando ladrões de Marabaixo
-ele, o Edvar Mota e o Psiu.
E o João Lázaro transmitia tudo para a Difusora.
Diz que até o R. Peixe pintou um mural
-aquele que ficou no pátio da casa do Isnard
lá no Humilde Bairro de Santa Inês
de onde foi roubado pelo Galego e trocado
por duas garrafas de Canta Galo
e uma de Flip Guaraná, lá na Casa Santa Brígida…
Hoje Macapá amanheceu bem
mais triste que de costume.
Roubaram a Fortaleza!
Levaram o velho forte! De madrugada
Dois ou três bêbados remanescentes
viram passar aquela enorme coisa boiando
rumo norte, parecendo uma usina
de pelotização.

Andam comentando lá
pelo Banco da Amizade
que foi o Pitoca
a Souza
o Quipilino o Pombo
o Zee e o Amaparino…
E que o Olivar
do Criôlo Branco
e o Cirão
estão metidos nessa história.
Eu, hem!

Obdias Araújo

Poema de agora: CARTA DE AMOR (@PedroStkls1)

CARTA DE AMOR

estou escrevendo uma carta de amor
álvaro de campos que me perdoe
toda reprodução acentuada
de sal saudade
manhãs engorduradas de esperas na varanda
na minha carta constam
linhas em papel opaco
de cabelos negros
de viagens para cartões postais
sorveterias e restaurantes
tem barulho de chuva
grande atração de domingos
pendurados no canto da casa
um encontro desfeito

e meu coração antiderrapante
para quedas entre uma e outra ilusão
vou enviar dentro de um envelope
sem qualquer possibilidade de
identificação destinada
na minha carta constará
que nos perdemos para sempre.

Pedro Stkls

Poema de agora: NA LAMA – Pat Andrade

Foto: Leo Otero / Mídia NINJA

NA LAMA

Afundada na lama
A nossa vida,
A pobre memória,
A pouca comida…
Afundada na lama
A minha dignidade,
A nossa história,
A podre verdade…
Afundada na lama
A pobre moradia,
A pouca roupa,
A nossa alegria…
Na lama, na lama
A ironia do destino
Na lama, na lama
O sorriso do menino
Na lama, na lama…

Pat Andrade

Poema de agora: ULTIMAMENTE A BOMBORDO – Luiz Jorge Ferreira

ULTIMAMENTE A BOMBORDO

Depois de amanhã desce um avião da Panair.
Dou-lhe as Boas Vindas, em Janeiro seremos felizes.
Detardezinha o Rio parece vomitar um gosto de sal.


Amanhã os seios de Romilda darão leite.
Mamãe termina o tricô e chama o vento.
E eu que estou querendo saber onde acaba o horizonte…Não sei!

Machuco casca de ferida com o polegar.
O Avião da Panair, desce…parece uma ave sem sem macho…
Talvez houvesse olhado muito de perto os urubus.
O padre fala de anjos loiros, não de pretos angelus.


Para o diabo os anjos!
Olho para o azul lá fora tem tanto.
Mamãe risca com giz seu horizonte, eu apago com o pé.

As feras de madeira na proa das canoas, estão no cio, e as formigas sauvas prontas para voar.
Vão encontrar com os aviões da Panair.
Vão encontrar com os anjos que não tem fimose.

Vejo as primeiras sauvas voarem meio sem jeito.
Ajudo-as com um estilingue.
E por diversas vezes passo a mão nas minhas costas, procuro asas e não as encontro.
Encontro só Acne…pareço tolo.

O dia começa a desaparecer engolido pela noite.
A noite os Anjos não voam.
Os aviões porém voam ruidosamente sobre mim.
Cubro-me eu…com as minhas Asas feitas de trapo.
Para esconder-me do que apaixona.


Zango com Deus e o Diabo.
Arranco as Asas e sangro.
Choro como quem perdeu a Liberdade.
…Depois de amanhã desce um avião da Panair.

Luiz Jorge Ferreira

*Poema publicado no livro Cão Vadio, em 1986, pela Imprensa Oficial do Território Federal do Amapá.

Poema de agora: A PONTE – Marven Junius Franklin

Foto: Elton Tavares

A PONTE

Agora mesmo ·
a ponte está ali
porém ela não me leva

(fico aqui a observar
as varandas em [des]vida

a ponte não me leva…
nem vai..nem fica…não aproxima

(estática como um
elefante indiano)

a ponte não me leva…

há um ponte sobre o tempo!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: MACONDO – Marven Junius Franklin.

Oiapoque – Foto do arquivo pessoal de Marven Junius Franklin

MACONDO

Oiapoque é minha Macondo
que entre a realidade & girassóis imaginários
navego – indolente – por nuvens
de borboletas amarelas.
Aqui nessa fronteira longínqua
fui atraído pela magia do fim de tarde
& pelo alicerce místico ameríndio.
Aqui não há begônias de Gabriel
(& a fantasia tira o real de minha poesia).
Ah, Oiapoque!
És um estado de espírito
que me permite ver o que quero.

Marven Junius Franklin

Poema de agora: CONSTELAÇÃO DE PARENTES – Val Milhomem e Joãozinho Gomes

 

João e Val – Foto encontrada no blog Papel de Seda, da Márcia Corrêa

CONSTELAÇÃO DE PARENTES – Val Milhomem e Joãozinho Gomes

Plena noite de festa
Noite enfeitada de gente
Cada pessoa, uma estrela
Estrela é gente modesta
Eu por todo o terreiro vi
Constelação de parentes
Tinha estrela do norte
Tinha estrela do sul
Tinha estrela do além
Tinha estrela do leste
Tinha estrela do oeste
Não faltava ninguém
Plena noite de festa
Como a esquecerei
Se em você o poeta
Soube melhor querer bem
Disfarçou-se em cometa
Se deitou com a estrela
Que chegou de Belém
E escreveu no planeta
“Cada pessoa é uma estrela
E cada estrela é alguém”

Val Milhomem e Joãozinho Gomes

Poema de agora: TICKET – (@cantigadeninar)

TICKET

No parque de diversões,
Em apenas um instante,
Encontro de corações:
O amor é uma roda-gigante.
Colorindo o azul do céu,
Não há como voltar atrás:
Quando se passeia no carrossel,
“Tum tum piii” é a onomatopeia que faz.
Carrinho de bate-bate?
Bate-bate o batimento.
Algodão doce é melhor que abacate,
Mas maçã-do-amor é o melhor alimento!
Quando se entra no chapéu mexicano
Os defeitos da amada começam a se revelar.
Eis que os destino é circo cigano:
O futuro só tende a desapaixonar,
Pois o amor também é montanha-russa…
Altos e baixos até enjoar.
Cedo ou tarde, servirá a carapuça:
O último ingresso é no brinquedo “Desencantar”.

(Lara Utzig)

Poema de agora: He Wolf – (@cantigadeninar)

He Wolf

o homem é o lobo
de si mesmo
e depois torna-se corvo
que devora a própria carniça.
faz-se de isca
com a carne exposta
de barriga para cima
ou de costas
com ambição e ganância
na ânsia
de uma armadilha.
mas a tocaia que arma
é uma montagem macabra
e na cena do crime:
autodestruição.
ainda que não rime,
ao perfurar um pulmão,
puxa-se o tapete do outro.
o homem-urubu
com sua carcaça
come cru
sua putrefata alma
no ledo engano
de sair ganhando
no terreno plano.
gasta os ossos
em cortes profundos.
as hienas degustam
o sabor do homem
com sais minerais,
numa taxonomia de espécies
sujeitas a todas as intempéries
enquanto ele é ao mesmo tempo
um filo de vários animais
vivendo num habitat de sofrimento
desde os mais antigos ancestrais.

Lara Utzig

Poema de agora: Gleba – @cantigadeninar

Gleba

em minha casa
– que não é um lar –
deslegitimam o meu amor;
menosprezam o que sou;
dizem que não faço parte
de um casal, e sim de um par.
na minha pátria
sou pária.

em minha casa,
se no quintal grito “socorro”,
o telefone sem fio rola solto:
na sala de estar,
a notícia já sobre algum desaforo
que eu falei para atacar.
na minha pátria
Resultado de imagem para ninguém solta a mão de ninguémsou pária.

em minha casa,
ganho menos do que todos.
nessa Novíssima República
da desinformação,
a ignorância é agora a constituição.
o síndico do condomínio
foi escolhido para causar desunião.
na minha pátria
sou pária.

em minha casa
já não tenho morada.
saí para o parque
a fim de espairecer;
lá encontrei mais gente como eu.
gente excluída,
gente sem vez.
na nossa pátria
somos párias.

fugir de casa?
não.
transformá-la em lar novamente.
de mãos dadas
com toda aquela gente
deslocada, sozinha, rechaçada.
senti-me retomar as rédeas
para mudar o curso das tragédias:
na minha pátria
serei revolucionária.

isso nunca vai mudar,
passe o tempo que for
nem que eu precise lutar
contra quem me expulsou:
é aqui meu lugar,
não tenho que pedir.
ficar não é nenhum favor.
sou dona e proprietária
de minha pátria!

Lara Utzig