Poema de agora: Explicação – Por @alcinea

Explicação

Vivo do ato de escrever
sobre tragédias
e espetáculos
sobre o candidato vitorioso
e o derrotado
sobre o deputado corrupto
e o governante que finge ser honesto
sobre a exportação da mandioca
e a importação da farinha
sobre a fome
e a riqueza
sobre o real
e o dólar.
Perdoa-me, Anjo,
não sobrou tempo
para escrever
um poema de amor.

(Alcinéa)

Poema de agora: Eu Que Nunca Falei de Amor – Marven Junius Franklin


EU QUE NUNCA FALEI DE AMOR

quando te conheci ouvia Friday I’m In Love
[e fazia um frio dilacerante em frente à plataforma de embarque]

quando te conheci andava feito saltimbanco por ruas e luas imaginarias
[estava deveras abatido dentro de meu guarda-roupa de sombras]

meus olhos buscavam o tempo que passou[ e já passava das 19h ]
sempre imerso em meu castelo de pedra

as verdades eram o que os meus mortos diziam
e a claridade[falsa incandescência] me ofuscava quando amanhecia lá pros lados de Saint George

ah! ao te conhecer beirava o suicídio
e quando você chegou [vestida de girassóis] as flores renasceram em meu horto de mentira [e agora as horas são sonetos de Pessoa que ouço em transe!]

ah! quando você chegou…Eu renasci vestido de bruma!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: DIÁRIO DE BORDO – Jaci Rocha

DIÁRIO DE BORDO

De conversar com as nuvens
e com o vento frio de março
Parti! Com minhas asas e cactos
Tudo o mais deixei para trás …

Debaixo do braço
trouxe ainda meu caderno de versos
E um pequeno dicionário
De onde rabisquei certos significados…

Vou à procura de absurdos,
Aventurar no fantástico do mundo
Criar um diário de bordo
E cada dia, conhecer algo novo…

ah! vou juntar-me às andorinhas
e perder o medo de avião
Navegar pelos mares de maio
E em setembro conhecer o verão!

Jaci Rocha

Poema de agora: E SE O SOL LANÇAR-SE AO SEU BINÓCULO – Joãozinho Gomes

E SE O SOL LANÇAR-SE AO SEU BINÓCULO

“Não me ocupo mais disso!”
Arthur Rimbaud

O poeta é louco? E se o sol
lançar-se
ao seu binóculo:
e apontá-lo
ao oráculo espiando d’outro século
este cálculo in loco?
E se o caos vier calá-lo
e o sufoco herdar seu foco? O poeta
é louco?
Como contê-lo atrás do óculo
e ao vernáculo ocultá-lo?

Joãozinho Gomes

Poema de agora: Notas sobre existir! – Jaci Rocha

Notas sobre existir!

Notas sobre existir:
nunca é a mesma canção
o vento que sopra agora
Não traz o mesmo verão.

Na caleidoscópica estação da vida
O rosto ao espelho tem outros formatos
E o tempo a tudo modela:
Pois, mesmo o mais recente retrato,

é passado.

Respira suave, a vida faz sua parte
E o que for de viver cumpre o ciclo macio
De ser amor, luz, calor…
ou arte!

No fundo, é simples:
a filosofia explica, a metafísica reforça:
é impossível puxar de volta os fios do segundo
a vida acontece sempre agora!

Jaci Rocha

(Da coletânea “Poemas, poesias e outras rimas” lançada em 23 de fevereiro de 2018).

Poema de agora: Virgula…- Luiz Jorge Ferreira

Vírgula…

Eu me chamo…eu
Faz tempo que me conheço…
Faz tempo que me amo em segredo…
Em mim, o que não gosto, nem percebi.
O que mais admiro em mim, são os porquês…
O que mais detesto em mim…a mortalidade.
Dançando com minha sombra, sob uma lua que pintei no teto da casa.
Eu sou feliz…
Sempre me basto…

Luiz Jorge Ferreira

*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).
**Contribuição do amigo Fernando Canto.

Poema de agora: Não nos afastemos – @juliomiragaia

Não nos afastemos

Não nos afastemos, cantou um pássaro
Ou um poeta em uma noite asmática
De chuva em Macapá

Não mergulhemos na omissão
E nas bolhas intumescidas e líquidas
Desse tempo de multidão e de robôs

São homens que nada sentem
Além das próprias metamorfoses,
Frágeis
E alimentadas de árvores de medo

Não nos afastemos
Apesar da raiva invertebrada
Porque
O peito é um abismo que
Desaba

Enquanto a esperança
Espera nossa canhota coragem
Para caminhar

Não nos afastemos,
Todos cabemos
No labirinto do futuro,

No futuro
Que ainda nem se prometeu…

Júlio Miragaia

*Para os amigos que vivem e lutam por sonhos indestrutíveis.

Poema de agora: DEMOISELLE – Marven Junius Franklin

Imagem: As sombrias, sensuais e surreais ilustrações de Tom Bagshaw.

DEMOISELLE

Demoiselle, s’ilvou splait!
Não me diga frases formais
quando teceres sobre a paixão

(não use vocábulos empacotados
em papel de fina estampa
– ne gaspillez pas votre français).

Oh, demoiselle!
A paixão não precisa de dobras
de talhes & de fitas – precisa [sim]
de cheiro/saliva/suor.

Oh, jeune femme!
Deixe as frases arranjadas
para os déspotas e astutos corruptos
– pois o que a paixão cobiça
é o repentino flerte
com pitadas de encontro fortuito.

Tenha certeza, demoiselle!
O que a paixão anseia
é a falta de senso comum
com declamações improvisadas
de Paul Éluard [ao fim do dia].

Pense bem, demoiselle!
A paixão não precisa de discurso confeccionado
de poesias formais ou esmero gramatical.

Oh, demoiselle!
O que a paixão precisa é de absence de formalité!

Marven Junius Franklin.

Poema de agora: Protesto – Isnard Lima


Protesto

Hoje não me interessam mais
poetas de araque,
nem me comovem como antes
filósofos de esquerda.

Cansei, depois de lustros,
dos conchavos de bar
e ideólogos de festiva.

Não me preocupam a rima,
nem a mulher,
nem o romance.

O que me aporrinha,
esquenta e aborrece,
é a falta de vergonha
da politicalha brasileira.

Isnard Lima (1941-2002)

Fonte: blog da Alcinéa

Poema de agora: MEU AMIGO JOSÉ – Joãozinho Gomes e Enrico Di Miceli

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

MEU AMIGO JOSÉ

Há quanto tempo, José
Como você tem vivido
Me fale de sua mulher
E de seu filho querido

Meu caro amigo, pois é
Jesus está tão crescido
Maria está pura fé
E eu aqui comovido

Seja bem-vindo, José
Sente-se a mesa comigo
Vamos tomar um café
Com esses pãezinhos de trigo

Prefiro dar um rolé
Rever os velhos amigos
Andar nas ruas a pé
Beber um vinho contigo

Então esqueça o café
A sua vontade eu sigo
Bebamos lá na maré
Sob a imagem do amigo

Meu caro amigo, pois é
Lá ninguém corre perigo
O meu xará tá de pé
Sua benção é nosso abrigo;

A vossa benção, José
Aqui estamos consigo
Brindando a nossa fé
E os milagres do amigo

* Poema de Joãozinho Gomes e parceria musical com Enrico Di Miceli, em Macapá, no dia 28/03/13. Contribuição de Clicia Di Miceli.

Poema de agora: O Roubo do Velho Forte (Obdias Araújo)

O Roubo do Velho Forte

Tu sabias
que a Fortaleza
foi toda construída
no Curiaú?
Diz que o Sacaca
o Paulino e o Julião Ramos
vieram em cima da Fortaleza
varejando até chegar na beira do Igarapé Bacaba
onde amarraram a bichona na Pedra do Guindaste
e foram tomar uma lá
no boteco do sêo Neco.
Diz que o o Alcy escreveu uma crônica
E o Pedro Afonso da Silveira Júnior leu
Oito horas da noite
no Grande Jornal Falado E-2.
Diz que, né?
Diz que o mestre Zacarias
vinha em cima do farol
tocando um flautim feito
com as aparas da porta de ébano…
E que Dona Odália vinha fazendo
flores de raiz de Aturiá
sentada no maior de todos os canhões
brincando com a Iranilde
que acabara de nascer.

Diz que o Amazonas Tapajós vinha
cantando ladrões de Marabaixo
-ele, o Edvar Mota e o Psiu.
E o João Lázaro transmitia tudo para a Difusora.
Diz que até o R. Peixe pintou um mural
-aquele que ficou no pátio da casa do Isnard
lá no Humilde Bairro de Santa Inês
de onde foi roubado pelo Galego e trocado
por duas garrafas de Canta Galo
e uma de Flip Guaraná, lá na Casa Santa Brígida…
Hoje Macapá amanheceu bem
mais triste que de costume.
Roubaram a Fortaleza!
Levaram o velho forte! De madrugada
Dois ou três bêbados remanescentes
viram passar aquela enorme coisa boiando
rumo norte, parecendo uma usina
de pelotização.

Andam comentando lá
pelo Banco da Amizade
que foi o Pitoca
a Souza
o Quipilino o Pombo
o Zee e o Amaparino…
E que o Olivar
do Criôlo Branco
e o Cirão
estão metidos nessa história.
Eu, hem!

Obdias Araújo

Poema de agora: Cansaço (Jaci Rocha)

Cansaço

Na última feira, perdi as chaves
A gasolina aumentou mais 0,05 centavos
O preço da luz ou o custo do gato?
É tão complicado…tão complicado…

Ele atravessar rua no lugar errado
Pegou a contramão da última lei que passou
A polícia matou
Não existem culpados, tudo é redimido
E perdoado…

(menos a dor)

A gente faz força pra seguir o certo
Só dirigir fora do estado ébrio,
Trabalhar 8 ou mais pelo pão e ter alegria
Acordar na primeira luz do dia

Mas, é tão complicado…

Enquanto uns saem com maletas
Rechedadas de seguro premiado
E subiu o leite no supermercado
Alguém morreu, mais sangue escorreu

Cada um corre para um lado

É tão complicado…

Jaci Rocha