Poema de agora: FULGOR EQUATORIAL – Marven Junius Franklin

ARTE: Crush artístico! As mulheres surreais de Christian Schloe

FULGOR EQUATORIAL

Um poema mavioso
que traga felicidade
às senhoras mariposas desprezadas
(provoque risos em corsários
envelhecidos).
Um poema canto
que diga bom dia aos bem-te-vis
e neutralize os genocídios
(esbocem guerrilhas de afeto
em subúrbios longínquos).
Um poema esburgado
[entretanto] que de tão exuberante
se torne fulgor equatorial
no céu de Macapá.

Marven Junius Franklin

Poema de agora: Velhos & Novos (Jaci Rocha)

Velhos & Novos

( ” por amor às causas perdidas”)

É demodé escrever à mão
Ouvir uma canção do Ney
Está ultrapassado, e, do outro lado
Ninguém acredita em papai Noel…

Dizem que daqui a 1000 anos
Ninguém saberá dizer ” te amo”
Não haverá camada de ozônio
E seremos alienígenas de nós…

Não existirá papel marché
Coisas que existem apenas para deleite
Como riso, teatro, sorvete
Ou bichos sentimentais,

Bichos como eu e como tu
São coisas esquisitas
Que pedem guarida
À memórias escritas com a tinta da emoção …

E, de antemão
Desistiram de fazer parte
Do dia a dia que arde
No calendário seco
Da modernidade

Perdem tempo – e ganham vida
Com a luz estonteante das estrelas
Brincam de escrever poemas
E escrever na areia
Mensagens de amor…

Jaci Rocha

Poema de agora: Talvez seja Macondo – @juliomiragaia

Talvez seja Macondo

Talvez seja Macondo
Quando a chuva
Vence o dia
Nos últimos ramos de abril

Talvez sejam fortalezas
As borboletas
Que se dissolvem
Nas asas do céu

Talvez esses incêndios
Estejam há séculos
Perdidos e roucos
Na fila do SUS

Talvez seja o equinócio
Aquecendo o cio da cidade,
Separando o amor da ressaca
Separando a fome da dor

Talvez o ano tenha pernas
Mais afobadas que o sol
E talvez não tenhamos roupas
Para todos os dias do mês

Talvez seja Macondo
O ombro deslocado
Dançando desgraçadamente
Nas noites de maio

E talvez a chuva
Vença o dia
Nos últimos ramos de abril
Por dois incêndios

Inacabados,
Dois peixes embriagados
De Gabos e Benedettis
Que talvez sejas tu e talvez seja eu

E talvez tu e eu nos sejamos
Perdidos, entre pretéritos
Intransitáveis, nas praias
Dos dias assim…

O quarto clareou timidamente, enquanto o ar condicionado soprava um vento frio nos pés, a única parte descoberta pelo edredom. Levantou nadando contra o rio de preguiça nos ossos, na pele e nos pelos, tropeçando em meias, pornografia, latas de cerveja e canções de Mercedes Sosa.

Tomou um banho frio com sabonete Phebo, para exorcizar o álcool que exalava do corpo. Preparou o café e bebeu sem açúcar, ouvindo um programa evangélico no rádio. Em nada pensava e olhava para o nada como se o nada nada fosse. Apenas existia, de cueca, sentado na única cadeira da cozinha.

Arrumou-se uma vez mais como um robô, vestindo-se, colocando o notebook na mochila, o celular no bolso e esquecendo religiosamente o boleto da conta de luz.

Ao abrir a porta para a rua, ouviu um som crescente como um assobio rasgar o barulho do trânsito e uma luz intensa e ardente a tomar conta de tudo, até tudo se calar e desaparecer.

Júlio Miragaia

Poema de agora: Conversas com José – Jaci Rocha

Conversas com José

A cada hora,
Batem os sinos,
Cantando, rítmicos
Que a vida passa.

É, a vida passa, José…
O vaivém da Maré
Engana os olhos, distrai a emoção…

E as aves cantam suas estrofes,
Nos parques da cidade
Onde pessoas correm, beijam e amam
Ou simplesmente andam…

Passa a vida, José…

Eu também tive de passar
E 2003 já se foi,
Outras lágrimas rolaram
Mas os sorrisos multiplicaram

Para salvar os dias, feito a chuva fina
Que cai em céus de equador…

E nada é igual,
Mas continuo íntegra
Talvez não tão inteira,
Pois não sei ser indiferente à dor…

E eu ainda me salvo daquilo que me mata:
A emoção da vida, a dureza do cotidiano
Que permeia toda crueldade
Como se tudo fosse apenas manchete de noticiário…

Mas há também tanta expressão de bondade!
A humanidade, aliás, permanece sempre dividida
Dentro de cada um, o bom e o mau
Na estranha agonia filosófica do mundo real…

E a vida passa, José…
E eu vou com ela,
E rego flores, e planto amores,
Até onde Deus quiser.

Jaci Rocha

Poema de agora: Cai a tarde em SP – Jaci Rocha

Cai a tarde em SP

Os pombos passeiam
Os curiós cantam
E outras aves, desconfiadas
Fiscalizam o passa-passa das calçadas

Há pressa, música, poesia, trabalho, fome
Vício, ócio e beleza
No concreto anunciado (das esquinas*) do parque da Aclimação.

A cidade que não dorme,
Feito a lua ou coruja
Passa a noite inteira gorjeando
Sua própria sinfonia

De concreto, de borracha
De pneus e aves que cantam
Tudo mescla a poesia alucinógena de SP

E eles passam, os desvairados da Paulicéia,
Com passos tão largos e olhos tão vagos
Tão acostumados
À curiosa agitação…

Eu, cheia de Belchior,
“Lágrimas nos olhos de ler o Pessoa”
Sou susto e caos, encantamento e medo
Molhada pela cotidiana garoa…

E entre as lembranças da poética
De Rita Lee, Raul, Caetano e Chico

Sinto, como qualquer um que chega ao teu ciclo,
“Inocente, pura e besta”.

Jaci Rocha

*Menções a Belchior e d.Raulzito.

Poema de agora: CARAVELAS ASSOMBRADAS – Marven Junius Franklin.

CARAVELAS ASSOMBRADAS

Oh, entre tardes e tamarindos!
Temo a tempestade que se apronta
por trás do cemitério municipal
(Ela tem a forma das caravelas assombradas de Diogo de Leppe
a navegar destemidas o leito sereno do Rio Oiapoque
rumo ao Caribe)
Serão as mesmas caravelas que arrebataram
as almas trucidadas nos garimpos da Guiana
fenecidas de frio e quimera?
Oh, entre tardes e tamarindos!
Sentado na borda da rampa de pedra que leva
a Saint-Georges-de-l’Oyapock
fico a conceber o velho Zé Fotógrafo
minutando as coisas prosaicas de Oiapoque de outrora
Fotografando em “preto e branco”
madames e senhoris para a eternidade
(No silêncio das tardes cálidas e pueris
ele observava o ir e vir dos passantes
na confluência da Avenida Barão do Rio Branco
com a Rua Presidente Vargas)
Oh, entre tardes e tamarindos!
Imerso em lembranças
de quando ancorei hesitante na Praça Ecildo Crescêncio
vindo em busca de quimeras
acabando por fazer pousada tornando-me senhor
de meu palácio de vento
(Hoje escrevo para o mundo que Oiapoque acolheu
a minha existência destroçada
me tornando autóctone com cheiro de peixe e sal
tendo agora como afã navegar a esmo
pela Cachoeira do Grand Roche
e pescar bem-aventurado nas águas buliçosas do Estreito da Morna)
Ó Oiapoque, tu me deste asilo
e te dou agora
meus escritos!

Marven Junius Franklin.

Poema de agora: Ressaca dessa chuva de você – @juliomiragaia

Ressaca dessa chuva de você

Atravessar a rua sob o sol trevalescente
De uma tarde de janeiro,

Jogar no precipício da garganta
Qualquer droga que se aspire,
Que se beba ou que se fume,

Coar no filtro verde
O que se cinza, o que se enroxa,
O que se marca e o que se apaga,

Não rir do que se risca pelo labirinto porre
Dessa parede amarga,

Saltar da fantasia iluminada das questões
Fotografadas na utopia da floresta muda,

Nadar no rio do esquecimento
Com as mãos cheias de remos e de ventos falsos,

Cantar com esses ossos-arma para enfrentar as facas
De ecos do futuro,

Catar pela desordem dos lençóis e da ressaca do domingo
O ódio dessa sede em chama,

Cuspir no peito do poema imundo,
Engajado de ternura e nada,

Limpar o chão da casa com um pano
Sujo de canções embebecidas de
Preguiça e gozo,

Pensar que pés enamoravam pela madrugada
Enquanto a chuva ria.

Júlio Miragaia

* Belém-PA, janeiro de 2016.

Poema de agora: Eu sou assim (Fernando Canto)

Eu sou assim

Não me recrimine
Pelo meu cabelo de pret@
O rosto de índi@
Os olhos de branc@

Eu sou assim…
Um@ cabocl@ bonit@
Da beira do Rio Maior
Cliente das batucadas
Amig@ de um Ser de Luz

Eu sou assim…
Como a lua grande
Que gasta seu brilho imenso
Todos os meses
Sobre o equador,
No meio do mundo

Sou verde, sou terra, sadona
Eu pertenço às estrelas, suman@

Fernando Canto

Poema de agora: O ASTRONAUTA – Marven Junius Franklin.

Cartum de Ronaldo Rony selecionado no Salão de Humor de Volta Redonda (RJ) de uns nove anos atrás.

O ASTRONAUTA

I

dia desses
o homem foi a lua
caminhou
tirou fotografias
fincou uma bandeira ianque
e gritou

the earth is blue!

II

dia desses
o homem foi a lua
lamentavelmente
não se deparou com
ets
dragões
girassóis

III

dia desses
o homem foi a lua
e não encontrou deus.

Marven Junius Franklin.

Poema de agora: As cores da tua saia – @AnaAnspach

Foto: Max Renê

As cores da tua saia

Tantos verdes e azuis
Colorem suas paisagens
Acima de suas águas
Brilha a lua mais luminosa
Saias, cores, batuques e magia
Sustentam um povo
Forte e sábio
Que tem sorriso nos lábios
E esperança no olhar
Na esquina que une
Céu e rio
Explode a luz
A mesma que guia quem é desse lugar.

Ana Anspach

Poema de agora: POESIA DE RUA – Marven Junius Franklin.

Imagem: Rui Lino Ramalho.

POESIA DE RUA

uma poesia de rua
que discorra a respeito de calçadas
e paralelepípedos
que profira frases feitas [de amor]
e conceba flores aos apaixonados
uma poesia de rua
que converse sobre o tempo acontecido
[de semáforos…e bar]
uma poesia de rua
urbana como o monóxido de carbono
que descreva os meus zepelins imaginários
que nos faça prestar atenção
no arroubo majestoso das
andorinhas de arribação

Marven Junius Franklin.

Poema de agora: DÉRAME E MIDERA – Joãozinho Gomes

Foto: Uirandê Gomes

DÉRAME E MIDERA

Midera foi-se com a sua foice de vidro,
ceifou o que me dera, Dérame,
devido eu duvidar
da vã quimera
que mera, Dérame me dera. Eram
meras Homéricas Dérame e Midera,
porém, astutas,
às tantas das manhãs apacamaicas
saíam em seus cavalos âmbares
a galoparem por sendas insondáveis,
livres entre livros indeléveis,
entre leves lidos livros
livrando-me
dos danos que Delives, o Desdém,
desde de dantes me impusera.
Dera-me Midera,
a Visão, a palavra-seta
que cita a voz de Dérame a prever-me
a um livro vão – por que não cri na deusa
mera? – a citar Midera como a deusa
que me dera a visão
que crer em Dérame.
Quem me dera ter vivido esta ilusão…

Joãozinho Gomes