Poema de agora: Protesto – Isnard Lima


Protesto

Hoje não me interessam mais
poetas de araque,
nem me comovem como antes
filósofos de esquerda.

Cansei, depois de lustros,
dos conchavos de bar
e ideólogos de festiva.

Não me preocupam a rima,
nem a mulher,
nem o romance.

O que me aporrinha,
esquenta e aborrece,
é a falta de vergonha
da politicalha brasileira.

Isnard Lima (1941-2002)

Fonte: blog da Alcinéa

Poema de agora: MEU AMIGO JOSÉ – Joãozinho Gomes e Enrico Di Miceli

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

MEU AMIGO JOSÉ

Há quanto tempo, José
Como você tem vivido
Me fale de sua mulher
E de seu filho querido

Meu caro amigo, pois é
Jesus está tão crescido
Maria está pura fé
E eu aqui comovido

Seja bem-vindo, José
Sente-se a mesa comigo
Vamos tomar um café
Com esses pãezinhos de trigo

Prefiro dar um rolé
Rever os velhos amigos
Andar nas ruas a pé
Beber um vinho contigo

Então esqueça o café
A sua vontade eu sigo
Bebamos lá na maré
Sob a imagem do amigo

Meu caro amigo, pois é
Lá ninguém corre perigo
O meu xará tá de pé
Sua benção é nosso abrigo;

A vossa benção, José
Aqui estamos consigo
Brindando a nossa fé
E os milagres do amigo

* Poema de Joãozinho Gomes e parceria musical com Enrico Di Miceli, em Macapá, no dia 28/03/13. Contribuição de Clicia Di Miceli.

Poema de agora: O Roubo do Velho Forte (Obdias Araújo)

O Roubo do Velho Forte

Tu sabias
que a Fortaleza
foi toda construída
no Curiaú?
Diz que o Sacaca
o Paulino e o Julião Ramos
vieram em cima da Fortaleza
varejando até chegar na beira do Igarapé Bacaba
onde amarraram a bichona na Pedra do Guindaste
e foram tomar uma lá
no boteco do sêo Neco.
Diz que o o Alcy escreveu uma crônica
E o Pedro Afonso da Silveira Júnior leu
Oito horas da noite
no Grande Jornal Falado E-2.
Diz que, né?
Diz que o mestre Zacarias
vinha em cima do farol
tocando um flautim feito
com as aparas da porta de ébano…
E que Dona Odália vinha fazendo
flores de raiz de Aturiá
sentada no maior de todos os canhões
brincando com a Iranilde
que acabara de nascer.

Diz que o Amazonas Tapajós vinha
cantando ladrões de Marabaixo
-ele, o Edvar Mota e o Psiu.
E o João Lázaro transmitia tudo para a Difusora.
Diz que até o R. Peixe pintou um mural
-aquele que ficou no pátio da casa do Isnard
lá no Humilde Bairro de Santa Inês
de onde foi roubado pelo Galego e trocado
por duas garrafas de Canta Galo
e uma de Flip Guaraná, lá na Casa Santa Brígida…
Hoje Macapá amanheceu bem
mais triste que de costume.
Roubaram a Fortaleza!
Levaram o velho forte! De madrugada
Dois ou três bêbados remanescentes
viram passar aquela enorme coisa boiando
rumo norte, parecendo uma usina
de pelotização.

Andam comentando lá
pelo Banco da Amizade
que foi o Pitoca
a Souza
o Quipilino o Pombo
o Zee e o Amaparino…
E que o Olivar
do Criôlo Branco
e o Cirão
estão metidos nessa história.
Eu, hem!

Obdias Araújo

Poema de agora: Cansaço (Jaci Rocha)

Cansaço

Na última feira, perdi as chaves
A gasolina aumentou mais 0,05 centavos
O preço da luz ou o custo do gato?
É tão complicado…tão complicado…

Ele atravessar rua no lugar errado
Pegou a contramão da última lei que passou
A polícia matou
Não existem culpados, tudo é redimido
E perdoado…

(menos a dor)

A gente faz força pra seguir o certo
Só dirigir fora do estado ébrio,
Trabalhar 8 ou mais pelo pão e ter alegria
Acordar na primeira luz do dia

Mas, é tão complicado…

Enquanto uns saem com maletas
Rechedadas de seguro premiado
E subiu o leite no supermercado
Alguém morreu, mais sangue escorreu

Cada um corre para um lado

É tão complicado…

Jaci Rocha

No AP, intervenção artística terá ‘cardápio’ de poesias em praça de alimentação

Por Carlos Alberto Jr

Quatro poetas do Amapá farão uma intervenção diferente em uma praça de alimentação em Macapá, no sábado (17). Enquanto os clientes recebem os cardápios dos restaurantes, eles também receberão um menu de poesias, que serão declamadas durante a degustação.

Carla Nobre, Thiago Soeiro, Ryana Gabech e Pedro Stkls farão a intervenção com a intenção de instigar os clientes e até mesmo incentivar novos poetas. O “Cardápio Poético” acontece a partir das 19h30, na Zona Central da cidade.

De acordo com Pedro Stkls, integrante do grupo lítero-musical Poetas Azuis, essa é uma brincadeira com o espaço e também é uma forma diferente de apresentar a poesia para o público.

Poetas Carla Nobre, Thiago Soeiro, Ryana Gabech e Pedro Stkls (da esq. para a dir.) farão a intervenção no sábado (17) (Foto: Wesley Cavalcante/Divulgação)

“Assim como o grupo Poetas Azuis faz uma maneira diferente de apresentar a poesia para as pessoas, essa também é uma intervenção diferente. Num formato semelhante com um sarau, mas com a participação ativa do público. Afinal, nada mais conveniente que dar um cardápio para quem está numa praça de alimentação”, explicou Stkls.

O evento terá a duração de uma hora e meia e será uma comemoração alusiva à antiga data do Dia Nacional da Poesia, 14 de março. Em 2015, a data, que fazia referência ao poeta Antônio Frederico de Castro Alves, foi alterada para 31 de outubro, nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Mesmo com a mudança, muitos poetas repudiam a medida e seguem celebrando o dia 14 de março. Para Stkls, a classe ganhou duas datas. “Muita gente celebra só um dia, nós temos dois!”, finalizou.

Serviço:

Cardápio Poético
Data: 17 de março (sábado)
Hora: 19h30
Local: No Container Food Park (Avenida General Osório, número 1184, no bairro Laguinho)
Entrada gratuita: gratuita

Fonte: G1 Amapá

Poema de agora: Lágrimas por Marielle – Jaci Rocha

Lágrimas por Marielle

Nem aqui, nem ali
Nem nos palácios
Nem na favela
Nem no Rio
Ou SP

Eu, aqui,
No meio do Equador.

05 tiros na mente da Democracia
No seio da mãe Nação,
Nem flores, nem canhão
Violência silenciosa…

Amanhã, mais ódio escorre da TV
No Big Brother-Jornal Nacional
O olho que distorce tudo o que vê
E alimenta a fome da ignorância…

Lágrimas por Marielle,
Caem no território da mãe gentil
Onde a realidade, hostil
Enterra na favela

O direito de sonhar.

Jaci Rocha

Poema de agora: Bênção ao verso – Jaci Rocha

Bênção ao verso

Que seja chama
Posto que eterno
Desentranhamento da normalidade

Que seja pássaro
E sobrevoe a tempestade
Escorra em sentimento
– a unica coisa digna da eternidade.

Que seja imoral, normal ou anormal
Político, clichê – até mesmo aliteral
Só não sejas rima vazia
Feita para aprisionar olhos e mentes vãs…

Que vibre dentro do peito
Fluidez, liberdade, sentimento.
Verso em curta ou longa-metragem
Só não seja estético e asséptico

(Isso já seria sacanagem)

Entre tantas formas e ideologias
Que a tua militância seja mesmo
Além do simples existir e dispor
Ir e estar aonde o amor for.

Jaci Rocha

Poema de agora: A colecionadora – Jaci Rocha

A colecionadora

Livros ao chão
E a doce ilusão
De que sei algo!
ah! De que sei algo – e me delongo na ilusória distração…

Mas, de súbito, se achega uma borboleta
Asas e cor sob o ar,
Flor delicada que, ao vento, quis morar…
Ah! por que, carbono, a flor borboleta voa?

A já não me cabem noções de aerodinâmica!
Por que também não nasci com asas?
Se tão feliz, dançaria com as borboletas amarelas
Que passeiam, em Setembro, pela estrada…

Por que, carbono, terra é marrom
E essa pele que me reveste inteira,
Ou este rosto, ou esse afã
Por que aqui, neste momento
E não noutro, em 1500?

Nada que a religião não sossegue
E a filosofia não dite
Mas, por que enfim, haveria de crer
Num único motivo?

Se existem tantas cores e mesmo o corpo
Tem quatro sentidos?

E na pouca certeza dos livros ao chão
Entendo que mais que conhecimento
Vivo mesmo
É de colecionar por quês.

Jaci Rocha

Poema de agora: Mulheres – Bruno Muniz

Mulheres

Essas mulheres… A culpa é da colombina
que briga com o arlequim;
a culpa é da bailarina
que esconde os passos de mim;
da rosa que fere o cravo,
da chuva que molha o chão;
a culpa é da atiradeira
que fura São Sebastião;
das folhas que vão o outono
perdendo-se ao meu jardim;
das horas que se adiantam
fechando o botequim;
a culpa é da primavera
que ofusca o sol do verão;
daquela cor amarela
que faz do sorrir em vão;
a culpa é da chapeuzinho
que engana o Lobo Mau;
A culpa é da Cinderela
que esquece o pé de cristal;
da Cuca que assusta o sítio,
da pulga que coça o cão;
a culpa é da purpurina
que cola na nossa mão.
E pra acabar o poema,
antes que eu cause um tufão,
mulheres que aqui me lerem,
saibam logo, de antemão:
não há homem nesse mundo,
em qualquer rumo ou estrada,
que consiga existir
longe da mulher amada.

Bruno Muniz

Poema de agora: Olhos Doces – Maria Ester


Olhos Doces

Quando teus olhinhos de jabuticaba
Encontraram os meus grãos de café
Ah! Eu soube, num instante<
Que nunca mais estaria só.

Posso apertar os olhos de emoção
Posso fechá-los para dormir,
Ou de vez, quando meu tempo acabar,
Sei que os teus estarão lá, a olhar por mim.

Posso não vê-los por um momento
Mas ainda assim estarão em mim
A dizer, como naquele primeiro encontro,
Docemente e num relâmpago:

Cuida de mim,
Que seremos dois, juntos,
Viajantes neste mundo enorme
De agruras e venturas.

Maria Ester

Poema de agora: Tenho um mar – @ThiagoSoeiro

Tenho um mar

quando a gente segura um choro
é como se segurasse o mar inteiro
e é tão difícil segurar o mar
às vezes sinto ele agitado
revolto em meus pensamentos
fazendo ondas em minha cabeça
já me afoguei nele algumas vezes
e deixei naufragar alguns problemas
tenho um mar em meu peito
e convivo com ele
e todos os seus seres marinhos
criaturas que ainda desconheço
em uma vida repleta de mistérios e medos
seguro o mar em meus dedos
e toda fúria dos dias de tempestade
e toda a calmaria dos dias de sol
e sei que ninguém nunca desconfiou disso
que eu era feito de mar
que tenho corais em meus pés
peixes em minhas costas
que tenho o mar inteiro
preso em meus olhos
prestes a transbordar.

Thiago Soeiro

Poema de agora: POESIA DO CASAL EM ADEQUAÇÃO¹ – Marven Junius Franklin

Imagem: Ekkachai Saelow

POESIA DO CASAL EM ADEQUAÇÃO¹

ela me delineia seus sonhos
e eu me confesso aborrecido

ela quer ser coreógrafa
e eu com essa mania de alquimista

ela acredita em acaso
e eu em naves alienígenas

( e assim – nossas vidas
seguem o rumo
inexorável das incongruências)

ela me descreve seus sonhos
e eu preocupado com minha terapia cognitiva…

Marven Junius Franklin