Poema de agora: ELAS – Ori Fonseca

ELAS

Eu te amo, Carolina
Vi-te menino e te amei, mina
Nunca te esqueci
Nunca te perdi
E nunca te encontrei.
E eu te amei
Em muitos nomes
Quando me consomes
Em Juliana
Em Lúcia, Larissa
Quando a preguiça
É tudo o que emana
De te amar demais.

E tem mais:
És Irene
És Januária
És Ene
És Ana
És Rita
És Joana
És Bita
És Teresinha
És Therezinha
És Regina
És minha
Mina!

Eu te amo, Maria
Todo dia
Desde o teu ventre quente
Desde que me soube gente
Desde que mudaste o nome
Sem eu saber que esse nome
Seria minha ilha
Eu te amo, Emília
Mais do que em mil vidas se pode amar
Por isso te amo sem parar
Minha filha.

Eu te amo, Carolina
Minha mina
Minha paixão
De canção
Minha maravilha
De e Emília
Minha pelúcia
De Lúcia
Minha Gana
De Juliana
Minha cobiça
De Larissa.

Nena, Bia, Néia
Minha ideia
Sem vocês sou nada
Minha ideia sem Déia
É nada!
Iza, Iza, Iza
Minha vida te precisa
Zany, Zane
Deiseane
Deise Anne
Que eu me dane
Com quem há de vir
Edna, Lena, Nair
Estou aqui
A morrer por vocês
Sem vocês.

Venham cá
Pelo tempo que se foi, pelo tempo que virá!

Ori Fonseca

Poema de agora: astronauta – @stkls (Vídeo e voz de Áquila Almeida)

astronauta

há dois dias atrás li no correio da manhã
a noticia sobre os astronautas
que mandaram pro espaço uma astronave
chamada saudade
sorri como daquela vez primeira
quando provei do sal do mar
esses astronautas são os bichos mais agarrados na saudade
eles ficam horas emprestando seus corpos
à gravidade zero do espaço
e brincam que são pássaros azuis
no peito de um bukowski
e se alimentam de sol
para iluminar as fotografias de seus dias
armazenadas nos músculos de seus estômagos
quando a saudade no espaço é escassa
os astronautas viajam para galáxias distantes
quase subterrâneas
e só voltam com seus peitos doloridos
o efeito colateral é a insônia de dez dias
onde perdem o fôlego em transe
com queimaduras de terceiro grau
saudade é o mesmíssimo amor fogo
que arde e não se vê
foi no espaço que enfileiraram casinhas roxas
numa rua sem vento ou
cachorros da madrugada
e dentro de cada uma há alguém
metendo o dedo na ferida
de uma bigorna a qual chamam de solidão
e eu chamo de: pegar o ventilador
e fazer ventar estrelas

Pedro Stkls – Vídeo e voz de Áquila Almeida

Poema de agora: RESPIRO – Pat Andrade

RESPIRO

quando preciso ser mais forte
é minha poesia que me dá suporte
quando minha voz se cala
é minha poesia que fala
quando me sinto triste
é minha poesia que subsiste
quando a angústia aumenta
é minha poesia que me sustenta

então não cale minha poesia
não encarcere minha rima
não sufoque minha lira
deixe que ela viva e grite
as dores do mundo
que chore e sofra o meu penar

é minha poesia que me faz respirar

PAT ANDRADE

Poema de agora: A. M. FOTOGRAFIA – @stkls (Para Aline e Dona Manu)

A. M. FOTOGRAFIA 

hoje ela fotografou galhos secos
e a cruz do mundo
entre o azul branco das nuvens
e a umidade da temperatura dos seus olhos
tem um mar de paisagens sob os cílios
e seu nome significa
barquinho adormecido no rio
onde há sempre uma colônia de sol
navegando no miolo da noite
pode ser que um dia ela fotografe
o esmaecer da chuva pelo vidro do carro
e cante quem sabe cante para a chuva passar depressa
e a legenda será: ‘fique
avisada… o carnaval é todo
meu e teu entre a flor de muçambe
e a flor do abacateiro’
este poema é sobre a fotografia
onde se assobia o amor.

PEDRO STKLS (Para Aline e Dona Manu)

Poema de agora: DIA DEZ – @stkls (Vídeo e voz de Áquila Almeida)

DIA DEZ – Poetas Azuis – Letra: Pedro Stkls e Música: Igor de Oliveira

Você e eu
Estamos no mesmo coração azul
Na boca do mar
Na testa do céu

Você e eu
Estamos na mesma cidade
Fora do ar
Fora do sentimento

E quando isso parar de doer
A gente volta pra casa
E cura tudo com amor
Ou seja lá o que for
A gente inventa uma maneira
De sorrir de brincadeira
Só não brinque de esconder
O seu amor… fora de mim
Vou ver agora

Pedro Stkls – Vídeo e voz de Áquila Almeida

Poema de agora: reza – @stkls (Vídeo e voz de Áquila Almeida)

reza

começar um poema perdido na maré
começar a achar que do outro lado
uma canoa me espera
e você achando que
vou indo lá me embora sem ti
quando sei que essas tuas águas
não me visitam mais
nem o teu olhar prata da noite
nem o teu breu de quarto
e aquelas tonturas de amor
talvez seja melhor colocar na mala
um cheiro de capim santo
e doses de alecrim
pra distrair o cheiro que você me arrumou
e que ficou guardado
eu não consigo esquecer
eu não consigo passar um café
sem antes passar nas memórias
que eu guardei para o dia do fim
e o fim é agora
é hoje
acho que me distraí no mangue
que vim rolando até aqui
com os joelhos ralados
nem violeta com pião roxo cura
o que cura é você chegando
de canoa, zé
trazendo o peixe preu me distrair
só pra ouvir você dizer
que delicadeza! que senhora! que deusa!
eu só queria te dizer
que eu aprendi que o infinito
é o mesmo que um rio de estrelas
não se acaba assim
por que ir se aqui ainda tem tanto amor?
tem a lida o cuidar com os bichos
tem a noite a luz da lamparina
tem agora meu coração
que passa frio
você é um sujeito
-saudade
coisa de vento que só toca a gente
aqui dentro de mim
você é um peixe que nada
e eu não sei disfarçar
eu te ponho no meu potinho de açúcar
e de nada adianta
eu te quero amarrado na minha saia de chita
preu rodopiar sem pedir licença
pra vida ou pro mundo
pra natureza ou pra qualquer santo
eu já tomei um banho de ervas
já ouvi tantas pessoas dizerem
ele não é mais
ele era
e eu digo é impossível
ele tá aqui nas tábuas do assoalho
no meu altar de santo
no campo serrado
no rio quando vai chegando
a dona castorina me disse
que eu carrego um amor muito forte
que isso é capaz de enlouquecer
como quando corri pelo terreiro
e não te achava
como quando eu te esperei
e você não chegava
eu ando achando que você deixou
uma canoa à minha espera
porque anda pensando que vou sem ti
o nosso filho me disse
que eu não acreditasse na morte
e que agora é você quem acende os vaga-lumes.

Pedro Stkls – Vídeo e voz de Áquila Almeida

Poema de agora: Ensaios sobre o encontro com o ‘Eu’ – Jaci Rocha

Ensaios sobre o encontro com o ‘Eu’

Eu,

que sempre voei em mim
Que converso com planetas e madrugadas
E ganho vida pelas noites enluaradas
E rego plantas, enquanto sinto
Eu: organismo, bicho.

Ser vivo. Trancada. À pão. E à circo
Zoológico particular de algum alienígena entediado
E também acuada – pois aqui,
A carne viva está cativa,
Nesse pequeno ensaio sobre amor e medo

E não é nenhum segredo
Que chegaram tempos em que se cumprem as distopias
Livros de história deixam de ser distantes
Era nova, novos tempos: nova pandemia.

Como um recorte, uma mensagem
De que toda nossa vã tecnologia
Não nos afasta de ser carne
Bicho, organismo vivo
Força que emana efemeridade…

Eu, cativa.
Nós, plantas no aquário.
À espera de uma esperança
– Que se demora a vir do noticiário –

E nesse abecedário particular de dias (in)contados
Todo mundo (re)descobre mais claramente
Sua própria torpeza, beleza e poesia
Pois, longe do barulho que nos afasta do ‘interno’

Sobra apenas nós:
A mística do eu, o ‘estranho ao espelho’.

Eu,
Trancada.
Em meu reino:
hospício asséptico
de álcool em gel , luvas
e água sanitária

Jaci Rocha

Poema de agora: ETERNAMENTE – Ori Fonseca

Ilustração: Montagem sobre figura do artista Archimboldo (século XVI).

ETERNAMENTE

Sê bem-vindo à tua morada terrena,
Definitiva, fria, inescapável;
Onde serás eterno e reciclável,
Comida de ti mesmo em fome plena.

Teus parceiros de lodo é quarentena
Abraçarão teu corpo degradável
E almoçarão tua carne abominável
E dar-te-ão a vida eterna e amena.

Não é a parede a pendurar retrato
Que irá eternizar tua natureza.
Tua cara no retrato não se esvai.

A vida eterna é oferecida à mesa:
Quando te alimentaste de teu pai
E quando um filho teu te achar no prato.

Ori Fonseca

Poema de agora: SOLIDÃO – Rui Guilherme

SOLIDÃO

Um barco navega, velas pandas
abertas ao vento cortante.
Estralejam os estais. Das bandas
do norte, o vendaval ululante
percorre, doido, o convés deserto.

À vista, nem um só tripulante.
As vagas do mar aberto
soqueiam, com fúria apavorante,
os bordos do galeão abandonado.
A peste dizimou a tripulação.
O derradeiro homem, pela febre transtornado,
jogou-se em meio à arrebentação
e logo foi pelas ondas tragado.

Que som é este que emerge do porão,
qual o grito de pessoa atormentada?
Será fantasma, será assombração,
Esse gemido agudo de alma penada?

O vento ruge em raiva descontrolada,
Impelindo a nave contra os vagalhões.
O veleiro, como em rota concertada,
sobe e desce na maré e, aos trambolhões,
continua sua trágica jornada.

O uivo horrendo disputa com o vendaval,
como a querer, em contenda encarniçada,
sobrepor-se ao rugir do temporal.

Se alguém pudesse, em meio ao desvario
dos elementos, chegar até o porão,
ali encontrava, a tremer de frio,
ganindo, uivando, um velho cão
sarnento, miserável, tiritante, abandonado:
sobrevivente único da mortandade
a que o mar, em negras vagas
e pelo vento desgrenhado,
testemunhava com gélida impiedade.

Rui Guilherme

Poema de agora: NO AR – @fernando__canto

 

NO AR

Ao homem é dado o fado
De sepultar segredos
De enterrar memórias
E de segregar vontades.

No ar em que circula o pó
Da angústia
Está toda a tragédia
E o rol das incertezas
Das ações humanas.

Ao homem não se nega
A face dos mortos perigosos
A dádiva de santos enlevados
Nem o dom de diluir a arte
Em volúpias e intemperanças.

O homem não sonega
O sonho plantado à bruma da manhã
Hora em que dissipa o verbo
E surge o espanto em turbilhão letal.

Fernando Canto

Poema de agora: LIMO – Ori Fonseca

Ilustração: detalhe de No Vento e na Terra I, de Iberê Camargo.

LIMO

O amor se foi daqui, bateste à porta errada;
Sem rosas no jardim, sem coração no peito,
Sou só uma casa vazia sem mesa ou leito,
Lugar triste que nunca serviu pra morada.

Foge ao meu batente, ó alma desesperada,
Corre para os campos onde tudo é perfeito.
O chão batido onde piso, escarro e me deito
Não poderá te servir para nada… nada!

O limo do tempo recobriu meu telhado,
Ervas daninhas consumiram meus umbrais;
Não é nesta assombrada casa que entrarás.

Vai-te, te peço, deixa-me cá no passado.
Solto lá fora, o tempo aqui dentro é parado.
Já grasna o corvo de Poe: “Ori, nunca mais”!

Ori Fonseca

Poema de agora: IMO – Joãozinho Gomes

IMO

Íntimo do estímulo em ti me dei,
intimidei teu íntimo no último ato
de um beijo extinto, (imunizei
teu imo com isto) gozo de Dioniso

ao teu instinto! Absinti-me em ti,
ente abissal, beijei teu corpo à cor
púrpura do recinto à cara do poente.
No bosque lembrei de Afrodite

instigando-me; oh seios em riste!
(diga-me, Quíron: alguém resiste?)
Ardi em ti intimamente em riste
e não resististe – e gozaste – e riste

Joãozinho Gomes