A poeira acumulada na calçada dos dias O vento que sopra a esquina da tarde que cai Um fantasma sentado na esquina da Hamilton Silva A lembrança da pureza batendo à porta.
A luz do dia e a sombra das coisas que já disse adeus Às vezes se encontram Sentam para uma cerveja Ou para um simples olá….
Acho que encontrei comigo Risonha, pateta. O espelho sussurrou “já passou” Sigo aqui, sei que ali, já não há mais nada
É só a poeira do tempo Trazida no vento E nas flores do jambeiro Que jazem naquela calçada.
-E a chuva lava o fim de tarde Com o (e)terno cheiro dos domingos.
Dona Louca – uma portuguesa que vivia zanzando pelas ruas de Santarém empunhando um guarda-sol furado vez ou outra ela adentrava o Cemitério Municipal e furtava as flores dos túmulos e dando risos zangadiços – gritava: flores para os vivos…os mortos não carecem de flores! flores para os vivos…os mortos não carecem de flores! Ah, Dona Louca! Foi a primeira poeta que conheci.
Nem é Setembro para partirmos afinados em Si Bemol …nem está o Sol, nem está Mercúrio, nem aquele burburinho por trás do Palco se faz presente. Para onde vão os nascidos em Setembro, para onde vão as Manhãs de Setembro… Estão na Feira, dentro de um paneiro de Mucajá? Ou estão estão espalhadas pela Praia do Araxá. Ou talvez no veio d’água do Pacoval.
Manhãs de Setembro, não estamos em Outubro… Estamos em Novembro. Porquê essa fila de dias intermináveis. Porquê essa fila de meses intermináveis. Porquê essa fila de coisas intermináveis. E porquê esses intermináveis, não vão embora. O que os faz ficar presente aqui comigo, não é comigo…comigo. É comigo…contigo, consigo, e convosco. Eu tenho a voz rouca, e não posso cantar mais… Mas eu gostaria de poder cantar, do topo de um lugar bem alto para todas as paralelas que eu encontrasse. Vanusa foi embora. …Está bom…Tá bom… Eu ia dizer, que não estava, mas eu tenho que dizer, que está bom. O encontro das Paralelas…se faz no infinito.
Diversa, pari-me a mim muitas vezes. Desde o chicote do cordão sangrento, Passando por homônimos em rebento, Até me reparir todos os meses.
E em cada parto, as dores dos reveses; E ser a mesma, sendo diferente, Armando-me de luz, unhas e dentes, Desconstruindo em mim todas as teses.
A minha vida é um parto interminável, Ou o repetir de partos sucessivos De dor e grito e medos repressivos.
Mas todo dia, uma mulher notável Rompe um cordão de fibra indecifrável Para manter-se viva entre os mais vivos.
Ori Fonseca
* Este soneto foi escrito hoje, 03/11/2020, às 5h17min da manhã. Tenta o texto usar a linguagem poética para expressar a necessidade de renascimento de reparto que a mulher experimenta todos os dias. A mulher precisa, por imposição social, religiosa, cultural, parir-se a cada nova fase, que é todo momento da vida. Desde o nascimento, passando pelas transformações físicas, chegando às barreiras que o mundo macho lhe impõe. Este soneto não foi pensado no caso absurdo de estupro sofrido por Mari Ferrer, mas se confirma nele também. É nesse tipo de reparir também que o poema se baseia. Todo dia, toda hora, a mulher precisa renascer dessas mortes diárias.
Este soneto também quer gritar uma dor de parto: NÃO EXISTE ESTUPRO CULPOSO! (Ori Fonseca).
Não havia Música. Mas ao som dos nossos sussurros, começamos a dançar. Lembro quando lhe conheci… Haviam dois anjos sentados na calçada. Haviam retirado as Asas e jogavam Damas. Eu me aproximei…
A lua estava muito branca, parecia haver tomado um banho de giz… Por um triz, não pisei no seu destino. Dei as mãos as suas, e enquanto os Anjos jogavam… Nos jogamos entre abraços que pareciam altas dunas. Depois nossas sombras, agora brancas e em desalinho… Procuraram caminhos estranhamente paralelos.
Lembro que havia um par de chinelos que nossos pés calçaram. Os passos eu não recordo qual direção tomaram. Mas era Pôr do Sol quando…As asas vieram a nos perguntar pelos Anjos. Eu as estendi no chão, e nós deitamos… Inexplicavelmente…nús.
Luiz Jorge Ferreira
*Do livro “Defronte da Boca da Noite ficam os dias de Ontem…” – Editora Rumo Editorial – São Paulo – Brasil.
Eu tenho um lado diferente: ora sou bicho, ora sou gente.
Eu tenho um lado distinto: vezes eu penso; vezes, so sinto.
Eu tenho um lado incerto: nem bem estou longe e já quero estar perto!
Eu tenho um lado oposto: pura alegria, fundo desgosto.
Eu tenho um lado errado: ora me esquecem, ora sou lembrado.
Eu tenho um lado triste: nele a ironia persiste, pois nesse lado do meu lado, por bem ou de mau grado, tu não me sais da lembrança e com ela a esperança de reaver teu corpo amado aqui comigo, ao meu lado.
em um dos sete mares entre sereias e tubarões numa torre de mil andares entre bruxas e dragões por todos os lugares Sofia era branca de neve cercada pelos sete anões
Hoje (31) é comemorado o “ Dia D”, em homenagem ao escritor e poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, que completaria nesta data, se estivesse vivo, 118 anos de idade.
O Dia D Drummond é inspirado em iniciativa semelhante, quando não só os irlandeses, mas gente de todo os cantos festejam o escritor James Joyce, anualmente, em 16 de junho, com o Bloomsday. Uma maneira de disseminar a obra do escritor brasileiro.“A intenção é esta: realizar esse evento todos os anos. Queremos que a ideia se espalhe por todos os cantos e faça parte do calendário cultural do país, sem ser feriado. Que seja algo automático e corriqueiro para todos. Drummond merece ser sempre celebrado”, declara Eucanaã Ferraz, um dos curadores do projeto e consultor de literatura do Instituto Moreira Salles (IMS).
Carlos Drummond de Andrade foi um dos maiores e mais sutis. É emocionante ler e reler seus poemas e crônicas. A ele , minhas eternas homenagens!
“A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede” – Carlos Drummond de Andrade
E se sobre a pele dos caboclos o Sol desenhou tatuagens de outras paragens. Nas suas fêmeas- riscou um Sol aceso, e uma lua apagada. Já no meio da rua a noite cedeu a azulidade do céu para o breu. Isso tudo eu escondo nas fotografias dentro da memória onde tenho as cédulas de identidade.
Na fotografia, o balcão da venda de Seu Bill. Sofre de solidão, marcado dos sulcos deixados pelos cotovelos, e sobrevoado pelo vôo dos copos do balcão a boca. É uma ilha. Onde tropegas…sede e fome. Dão as cartas.
Ele reflete o pôster de Rose de Primo, que estimula os desejos pregado na parede. Na parede tem a cal que racha e fraqueja, repleta do odor nauseante de carne seca. Tem a queda de cascas de tinta, e cada casca solitária, cai manchada do tempo que a colocou Ontem lá
Tem o barulho do sino da igreja que desce pela laje, e cai no bueiro. Tem a negritude inteira da Noite. É ela que toma assento nos degraus, sopra ventos mais frios, e cutuca para dentro. A cor negra que orgulhosamente transborda. No bairro negro do Laguinho.
Indiferente a esse episódio rotineiro. Vão-se os Janeiros, um a um para detrás da Igreja. E se eu retiro os cotovelos do horizonte e os acompanho como ordena a vida. Eu sumo!
Luiz Jorge Ferreira
* Do livro “Nunca mais vou sair de mim, sem levar as Asas”.