Poema de agora: MISÉRIA NA CIDADE – Pat Andrade

MISÉRIA NA CIDADE

a miséria se desenha pela cidade
quando o dia finda
dentro do prato vazio
na palma da mão estendida

pelos sinais
a miséria faz malabares
pra uma plateia indiferente
que sorri nas mesas dos bares

a miséria se insinua pela cidade
na fumaça do cachimbo
na saia da puta seminua
na guimba pela metade

a miséria vaga pela cidade
cata sacos e latinhas
chafurda na lama
no lixo da mediocridade

Pat Andrade

Poema de agora: Procissão MMXX – Jorge Herberth

Procissão MMXX

N’aurora
Do silêncio
Badalam sinos
Marginais

Ardem
Flores
Febre em
Leitos
De Marias e
Madames

Ar de a chama
No tronco do ipê
Da sapucaia
Da castanheira
Frutíferas
Arde

O couro da fera
Do manso
Tamanduá
Arde o chifre
O lombo
Em senzalas
Dessa casa
De grandezas inúteis
Veneno cruel

É o fogo
Na maçã da fé
N’aurora de tolos
Ar de fé
Caminha o fogo
Da Sé
Espalha leigos
Satanases
Exclusão
Migalhas de orações

Cretinos de joelhos duros
Em ceias fartas
Crentes de vinténs

Ar de o fogo
Ar de fé
Vira cinza
A aurora de crendices
Esperanças
Choradeiras

Do fogo
Na garganta
O manto
Da cobra
Em teu olfato
Leigos Noratos, Plácidos
O clero fátuo

Jorge Herberth

Literatura Amapaense: lançado, em E-Book, o livro “Pequenos Poemas – 50 poetas” – Por Pat Andrade

Por Pat Andrade

A literatura amapaense está em festa. A produção literária no estado tem crescido a olhos vistos. Cada vez mais autores têm publicado livros – físicos e digitais.

É no meio desta festa que nasce PEQUENOS POEMAS – 50 POETAS, uma publicação que reúne 50 autores, com poemas curtos de, no máximo, dez linhas cada.

O idealizador desta coletânea é o entusiasta da literatura e também escritor e poeta, Mauro Guilherme, que tomou para si a tarefa de reunir as obras e os respectivos poetas. O resultado dessa empreitada literária foi um livro com 250 poemas, em formato digital.

Pequenos poemas é um e-book – formato bastante difundido nestes tempos de pandemia – e já está disponível na Amazon (amazon.com.br), a maior plataforma de venda de livros do país.
Desde 2013, Mauro Guilherme vem desenvolvendo esse trabalho de organizar e publicar antologias de autores locais, uma iniciativa que contribui de maneira efetiva para a divulgação da produção literária amapaense.

*Pat Andrade está entre os 50 poetas da obra.

Poema de agora: Amanhecer – Jorge Herberth

Amanhecer

Sabiá
No canto
Solitária
Visitou
O pranto

Sabiá
Sorriso quente
O café
Esquentou
Com assovios
Assou o pão

Sabiá
Sabida
Tritura grãos
De afeto

Sabiá planta
Do chão ao teto
Solidão
Companhias
Alimentos n’alma

De quem não enxerga
Dentes nos bicos
Liberdade
Entre o céu
O nada
A sabiá
Canta
Pra redescobrir
Proteção
Canto de vida

Jorge Herberth

Poema de agora: Velhos Bailes – Luiz Jorge Ferreira

Velhos Bailes

Um silêncio tímido sugando os sons,
lateja e renasce quando digo que amo, até os pássaros em migração, bordados no pano de pratos sobrevoam minha voz, e se acasalam no eco.
As águas da torneira turbulentas acham o rodopio do ralo…Valsa!
No Outono desenhado na pintura do quadro sobre a Geladeira, amadurecem estrelas grávidas, e felizes.
No barulho dos cães correndo pela rua…
Pulgas saciadas escorregam nas pegadas dos pingos de chuva escorrendo nas vidraças, e fazem amor.
O passado dorme, e o futuro nada adivinha.
No entanto uma Joaninha adormece virgem, entre proparoxítonas, as mesmas que usei para te conquistar um dia.


Nada me fará voltar a caminhar por onde fui.
Só o horizonte observando meus passos grafitados no chão, imagina que um dia amei.
Eu mesmo não sei…
Mas indiferente ao movimento da Rosa dos Ventos que rege os destinos.
Piso sobre meus passos.
Não os reconheço estão ímpares.
Atônito…Dançarei um Fado, sem par…fadado ao fato de falhar de novo no terceiro ato…troco de lado e início um recomeço…agora do avesso.
Silencia em mim, o silêncio…
Nem o vento, nem o tempo, dançam…
Minha sombra…acena…
Em cena chego imberbe e pueril.
Acho inadmissível, eu não me reconhecer descendo do útero, em desalinho, há tantos anos atrás.

Luiz Jorge Ferreira

*Osasco (SP) – 22 de outubro de 2020.

Poema de agora: O ÓBVIO – Pat Andrade

O ÓBVIO

ainda que arrancassem meus olhos
não deixaria de enxergar
o desespero do cotidiano
pelas esquinas
bancos comércios
baixadas prédios

toda a desilusão
devidamente contida
caprichosamente disfarçada

os carros passam indiferentes
há uma morbidez aparente
e a poesia manifesta

somos mortos vivos
implorando por dias mágicos
músicas etéreas
pratos colossais

estamos à beira do caos

somos míseros poetas
rabiscando diante do cais
a desejar mares e horizontes
que não podemos alcançar

somos pássaros tristes
que mesmo fora da gaiola
perderam a vontade de voar

Pat Andrade

Poema de agora: ZEPELINS IMAGINÁRIOS – (Marven Junius Franklin)

Arte de Vladimir Petkovic

ZEPELINS IMAGINÁRIOS

I

O meu sonho?
Ah! Ele segue o trilho
de coloridos zepelins imaginários
que zanzam capengas rumo ao fim do mundo

(ele é embarcadiço
em naus portuguesas
que navegam desnorteadas
em busca de aleatórias índias acidentais)

II

O meu sonho?
Ah! Ele espreita
janelas adormecidas
a tatear ilusões em covas-rasas de anfibologias

(ele é delicado
como frágeis lepidópteros
a esvoaçar em meu quintal de sombras)

III

Ah, o meu sonho?
É rio que corre aperiódico
sobre enfadonhos mares fenecidos

(engole vidas e anseios
aparta alfobres de girassóis
e cobreja em calvários e vales da morte
até soçobrar entorpecido
na plataforma de embarque
de minhas incertezas)

Marven Junius Franklin.

Poema de agora: O AMOR NOSSO DE CADA DIA – Pat Andrade

O AMOR NOSSO DE CADA DIA

o amor não se acomoda
às segundas-feiras

não se recolhe
em dias de chuva
nem se tranca
em salas sombrias

o amor sai às ruas
dança todas as músicas
e flutua nas calmarias

o amor ama a amplidão
passeia de mãos dadas
e recolhe margaridas

às vezes corre
às vezes caminha
descobre estradas
se atreve à alegria

o amor ama o amor
nosso de cada dia

Pat Andrade

Poema de agora: reza – @stkls (Vídeo e voz de Áquila Almeida)

reza

começar um poema perdido na maré
começar a achar que do outro lado
uma canoa me espera
e você achando que
vou indo lá me embora sem ti
quando sei que essas tuas águas
não me visitam mais
nem o teu olhar prata da noite
nem o teu breu de quarto
e aquelas tonturas de amor
talvez seja melhor colocar na mala
um cheiro de capim santo
e doses de alecrim
pra distrair o cheiro que você me arrumou
e que ficou guardado
eu não consigo esquecer
eu não consigo passar um café
sem antes passar nas memórias
que eu guardei para o dia do fim
e o fim é agora
é hoje
acho que me distraí no mangue
que vim rolando até aqui
com os joelhos ralados
nem violeta com pião roxo cura
o que cura é você chegando
de canoa, zé
trazendo o peixe preu me distrair
só pra ouvir você dizer
que delicadeza! que senhora! que deusa!
eu só queria te dizer
que eu aprendi que o infinito
é o mesmo que um rio de estrelas
não se acaba assim
por que ir se aqui ainda tem tanto amor?
tem a lida o cuidar com os bichos
tem a noite a luz da lamparina
tem agora meu coração
que passa frio
você é um sujeito
-saudade
coisa de vento que só toca a gente
aqui dentro de mim
você é um peixe que nada
e eu não sei disfarçar
eu te ponho no meu potinho de açúcar
e de nada adianta
eu te quero amarrado na minha saia de chita
preu rodopiar sem pedir licença
pra vida ou pro mundo
pra natureza ou pra qualquer santo
eu já tomei um banho de ervas
já ouvi tantas pessoas dizerem
ele não é mais
ele era
e eu digo é impossível
ele tá aqui nas tábuas do assoalho
no meu altar de santo
no campo serrado
no rio quando vai chegando
a dona castorina me disse
que eu carrego um amor muito forte
que isso é capaz de enlouquecer
como quando corri pelo terreiro
e não te achava
como quando eu te esperei
e você não chegava
eu ando achando que você deixou
uma canoa à minha espera
porque anda pensando que vou sem ti
o nosso filho me disse
que eu não acreditasse na morte
e que agora é você quem acende os vaga-lumes.

Pedro Stkls – Vídeo e voz de Áquila Almeida

Poesia que não se esgota (Por Fernando Canto) – @fernando__canto

A poesia não se esgota no pensamento porque ela é o esforço da linguagem para fazer um mundo mais doce, mais puro em sua essência;

A poesia procura tocar o inacessível e conhecer o incognoscível na medida em que articula e conecta palavras e significados;

Cada imagem representada, projetada pelo sonho, pela imaginação ou pela realidade, é um símbolo que marca o que sabemos da vida e seus desdobramentos, às vezes fugidios.

Mas nem sempre é o poeta o autor dessa representação, pois tudo o que surge tem base social e comunitária, depende da vivência de realidade de quem propõe a linguagem e a criação poética.

Quando isso ocorre estamos diante da autenticidade do texto poético. E todos somos poetas, embora nem sempre saibamos disso. E ainda que nem tentemos sê-lo.

Fernando Canto

Poema de agora: MUTUS – Ori Fonseca

Ilustração: banco do Google.* Augusto dos Anjos.

MUTUS

Agora, que é chegado o fim do livro,
Nenhuma outra palavra há de ser lida,
Eu deixo os versos meus seguir sua vida.
Livrar-se-ão de mim, deles me livro.

Lanço por terra do funil ao crivo,
Ao sol deixo a peneira carcomida,
A pinça enferrujada e corroída.
A pena a me crivar, que agora crivo.

Secada a fonte, hei de morrer de sede,
A morte justa aos fracos e perversos,
Aos vis e desistentes e dispersos.

De cara co’a barreira da parede,
Somente uma certeza me sucede:
“Daqui por diante não farei mais versos”.*

Ori Fonseca

Poema de agora: Pelas frestas – Pat Andrade

Pelas frestas

já juntei meus cacos
muitas e muitas vezes
em cada uma delas
colei pedaço por pedaço

foram tantos os remendos
que já não há resquícios
da forma original

são tantas as frestas
e não as posso remendar

mas é por elas que
entra a luz do sol
e são elas que me
permitem respirar

Pat Andrade

Poema de agora: Poetas – Marven Junius Franklin

Imagem: Logan Zillmer

Poetas

avalio que os poetas
são despojadas criaturas aladas
que habitam mundos isomorfos
e vez ou outra
Declinam a dois palmos do chão
[ao modo terrestre]

emanam em busca de suas Pasárgadas estilhaçadas
só assim são notados
e geralmente correndo atrás
de estrelas cadentes
[repousando exaustos]
no sopé
de singelas
auroras boreais

assim mano Benny
somos na verdade viajantes atemporais
nos iludindo com fantasmagóricos
moinhos de vento
que surgem [aleatórios] por trás de
suntuosos castelos de brisa

Marven Junius Franklin