Poesia de agora: poema para dias difíceis – Pat Andrade

poema para dias difíceis

tenho habitado
subterrâneos
e ainda assim
a lua mais bonita
me acompanha

vivo dias cinzentos
sob céus muito azuis
escancaro mil bocas
de escárnio
com beijos inesquecíveis

ouço canções de amor
mesmo sob as balas
de uma guerra diária
e antiga

garimpo entre os destroços
diminutas razões
pra viver

o sorriso
tímido e quebrado
num portarretrato
a florzinha seca
num livro velho
o poema ruim
rabiscado na camiseta
a folha arrancada aos prantos
do diário adolescente

decido não parar
de sonhar
mesmo que já
não consiga dormir

vou aprendendo
que não preciso
desistir de mim
mesmo que tudo pareça
irremediavelmente ruim

Pat Andrade

Poema de agora: Pensar e pesar – Giuliana Sanguinete

Pensar e pesar

eu penso penso e peso
o peso de meus pensamentos me fazem pensar na passagem das estações de meus ciclos
mas cá onde moro não se passam muitas
são duas, duras
dolores sempre pensa porque passa por tanto
pensa na vida no passado nos amores
durante as noites tem temores, reza com clamores
porque doce julia é bela singela e sempre tão ela
quando pode se pensar no passado mas o futuro segue a perseguir-te e não se sabe o que fazer o que pensar o que sentir
sinto que sinto tudo no mesmo segundo e fico sem senso sem tempo sem tanto
tanto tempo tanto tento te penso te esqueço
quanto santo sente quando mente e não entende o batente do caboclo no sertão
se confunde com o momento e o sustento
não entendo como a graça é dada e como se recebe como se merece como se descreve
como se entende como se sente e compreende
a mágoa quando bate fere forte e firme
faz com que tudo se confirme
como pode ser feito o momento do desejo?
como faço para sair de onde me encontro e te encontro?
como é feito o pensamento de todo o tempo?
adormeço-me aos poucos entre lutas de senhores que precisam encontrar-se em uma das quatro estações dos quatro cantos desse mundo enquanto vejo pinturas envelhecerem e amores se perderem entre esses tais cantos e encantos que são contados por aí
sabe-se que ao contrário de ti eu me esperto e me completo sem procurar algum fim
tá que fins são necessários mas alguns ciclos eu não tenho pressa de fechar |

Giuliana Saguinete

Poema de agora: Kankro… – Luiz Jorge Ferreira

Kankro…

Para as lavadeiras que levam água e sabão as entranhas da sujeira…
Um acorde Diminuto Menor.
Os Duendes Gentis Homens, fotografados em argila por mãos feridas de Cinzel.
Irmãos de Blancs e primos de Joãos.
Sobre a mesa andarilha, uma bilha, goiabada cascão, e dois p’ra cá, dois andando p’ra lá, e o eterno coçando os olhos, de olho no passado.
Dois Aldir e um Blanc…
E o passado com os braços cortados de folhagem de cana de açúcar.
Imita Chaplin, imita um Prussiano gago, arremeda um motoqueiro sem destino, chupando pirulito de morango.
Não há ranço, não há rango, mas temos mosquitos dando rasantes.
A fome é órfã.
A vida é viúva.


A saída é a saúva bebendo Vinho…deitada no trilho da Central.
Haja Adoniram…Haja manhãs de Carnaval.
Haja haver Melaço.
Nervos de aço, Lupicínio na Tv.

Para a enfermidade da Primavera.
O mar de Caymmi.
O Batuque de Ivone.
Odara de Lara.
Aragão de Arlindo.
Um tom de Tom.
Barroso Nogueira.
Fá com Sétima Maior.
Sul de Norte em Capanema.
Panema…Avelã/Avulu.
Doce de Caju Cajuína Iracema Maparapema Ipanema em Afuá.
Daqui taquei tucunaré tamuatá piquiá abiú Abril.
Pauapixuna Umuarama
Pitiú Arribamento de arribação.
Vale de João dos vales.


Reis de Alfredo Maranhão…
Terra de Aldir…
Onde fica…o ficará.
Azerbajão.Azerbaião.
Terceira mesa encostada no banheiro dos homens…
Ao voltar…
Lave as mãos.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro “Defronte da Boca da Noite ficam os dias de Ontem”.

Poema de agora: Fluir – Jaci Rocha

Fluir

Caem máscaras
Cai a água da cachoeira para se juntar ao rio
(Que é sempre doce, sempre será…)

Cai a folha do Ipê no chão
A pétala rósea cai também
Pois a primavera eterna é sempre uma ilusão…

Borboletas amarelas chegam atrasadas
era Setembro – pra lembrar que o amor muda e evolui
E enfeitam o jardim desse quase começo de Dezembro
Pois o tempo também gosta de se enfeitar…

(E nisso, a vida flui)

E aquela flor que murchou
Parece renascer
Pois o maior dom da vida
é sarar…reviver!

Parece que de amor carecemos,
como quem carece de respirar
Parece que a humanidade guerreia
Enquanto todo mundo quer encontrar um lar…

E no meio dessa loucura,
Resta eu e meu coração
E para a alegria de toda poesia
Resta também outros, que como eu,

Querem apenas dar as mãos…!

Para as minhas pessoas, que sempre fazem lembrar que o mundo é meio caótico…mas tem nele muito amor e compaixão.

Jaci Rocha

Poema de agora: Deidade – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Deidade

não há nada que eu não saiba
nesta terra de ninguém
tenho opinião sobre tudo
nunca estou certa, porém

Olimpo feito de @
no panteão do Facebook
entre memes e textão
cada um, por si, que lute

na conta cadastrada
acompanho o newsletter
mantenho-me sempre atualizada
mergulhando em informação e éter

na rede da teia de Aracne
sou presa em um login
não há saída off-line
não posso desconectar de mim

Lara Utzig

Poema de agora: IN EXTREMIS – Ori Fonseca

Ilustração: The Hour of the Death, de Alfred Kubin – 1900.

IN EXTREMIS

Sozinho na rua escura e sem fé,
Alucinado em busca de respostas,
Vês que perdeste todas as apostas,
É quando sentes o estrepe no pé.
E vês que tua quimera decomposta
Não poderá te socorrer sequer;
Quando arrastado ao gosto da maré,
Sentires o chicote em tuas costas.
Sentes que a vida agora te molesta,
E a dor que já fingiste agora é tanta,
Que já te cobre todo feito manta.
É quando sentes o cano na testa.
Queres parar o tempo, ele contesta,
E sentes a navalha na garganta.

Ori Fonseca

Poema de agora: Da sacada – Pat Andrade

Da sacada

enquanto o mundo desaba
minha poesia me carrega
num voo cego longo e pleno
por céus sedutores e desconhecidos

avisto telhados
e confundo a cor do mar
no sal me banho
e quero gritar o amor
que me habita

quando a noite cai
a embriaguez espalha caixas vazias
por alamedas sombrias
e ruas antigas

meus sentimentos
sobem e descem ladeiras
posso ouvir ainda
os ecos de literatura e boemia
que o vento traz

da sacada vejo Vênus
anunciando
o que vai se chamar saudade

Pat Andrade

Poema de agora: Sobre o corpo – Luiz Jorge Ferreira

Sobre o corpo

Descobri meu corpo num dia de chuva,
a pele colada aos ossos pela água,
a carne grudada à água pelas pragas,
os pelos encravados aos poros pelas turras,
arranhado pelo tempo, maltratado pelo vento
riscado e cuspido o hábito,
corpo oco, um dia denúncia vazia, parto.
Alma vagabunda.

Luiz Jorge Ferreira

*Poema do livro: Beco das Araras (1990).

Poema de agora: Síndrome de Estocolmo – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Síndrome de Estocolmo

se amor é despedida
e o fim inevitável é sempre um adeus
não vejo justiça na vida
que teima em desgraçar os filhos seus.
amor de verdade é desprendimento,
um desalgemar da alma,
passagem só de ida com o vento,
uma esmola dada com calma.
prazo de validade?
quando a gaiola se abre
não importa a idade
apenas se sabe que é tarde.
dou-me por vencido.
o código de barras atesta:
produto podre, coração ferido,
acabou a festa.
culpa de quem?
do amor?
discordo, vou além.
o amor é indolor.
é desapego sincero,
um bem-querer que se quis,
um acenar singelo
de quem só quer ver o outro feliz.
responsabilizo pois,
os amantes.
que adiam, deixam para depois,
o que deveria ser feito antes.
os pulsos machucados
são libertos devagar…
com a jaula entreaberta
vou voltando a respirar:
posso voar!
mas prefiro ficar e esperar.
mais que amante, sou tola
por crer que a mola
do mundo é o amor.


e que o tempo não apaga
as contas das tecelãs do destino,
tampouco serve de adaga
para cravar no peito a lâmina do desatino.
as velhas costureiras me miram
com os olhos negros e enrugados
e tudo que me ensinam
é a não desistir do que está escrito e tatuado.
na pele
nas estrelas
no cerne
nas veias
e por escolher permanecer
sou refém da felicidade,
para contigo ser…
aprisionada por vontade.

Lara Utzig

Poema de agora: EMBUSTE DE LIBERDADE – Arilson de Souza

EMBUSTE DE LIBERDADE

Oh, ansiada liberdade,
com asas de Ícaro [rumo ao sol] voaste!
Perpetuada pelos pigmentos da Carta Áurea,
te fizeste pseudo, e à própria sorte nos jogaste.

Oh, cobiçada liberdade!
Por quanto nosso povo te clamou,
Mas vieste em des[vida]
e às mínguas nos largou!

Porém, quem nos deu des[esperança]
em seus pre[conceitos] se afogou
Pois, NEGRO é vida em abundância!

Viva, NEGRO!
NEGRO,viva!
Viva a liberdade, na sua essência viva!

Arilson de Souza

Poema de agora: MUDEZ – Pat Andrade

MUDEZ

me faltam palavras
mesmo que o coração
fale aos berros
dentro do peito

minha boca se cala
ainda que meu corpo
grite e sinta o arrepio
em cada pelo

me falta a voz
ainda que o sentimento
se manifeste em mim
meio sem jeito

e sem conseguir
dizer o que quero
sigo assim muda
a te olhar pelo espelho

Pat Andrade

Antologia ‘ Literatura Amapaense: Poemas Escolhidos’ reúne 41 poetas do Coração da poesia Amapaense

No último dia 19, foi publicado e encontra-se à disposição na Amazon, a antologia ‘Literatura Amapaense: Poemas Escolhidos’, projeto LINDO de que faço parte, e que reúne poetas maravilhosos, que certamente constituem pedaço importante do ‘coração da poesia’ amapaense.

Integram essa antologia linda diversos poetas que fazem o coração da poesia amapaense pulsar…Alcinéa Cavalcante, Fernando Canto, Maria Ester, Patrícia Andrade, Mauro Guilherme, Manoel Bispo Corrêa, Poetisa Jô Araújo, José Queiroz Pastana, Raquel Tourinho Braga, Lulih Rojanski, Annie de Carvalho e outros admiráveis poetas.

Ao Mauro Guilherme, que cuidou com a máxima delicadeza e compromisso, de reunir a beleza que mora em todos, através da poesia, externo aquela imensa gratidão! é uma felicidade fazer parte disso tudo.

Aos que amam nosso Estado, e a arte,cultura e poesia que sai ‘de dentro da gente de cá’, esta é uma obra que realmente encanta e apresenta um pouco mais da magia que tem o nosso Amapá.

Jaci Rocha, poeta.