Poema de agora: Painho – Pat Andrade

Pat Andrade, Lula e Bruno.

Painho

ele não era meu pai
mas bem que poderia
eu o chamava de Painho
e era tratada como filha

meu amor por ele
se confunde com noites
e madrugadas perdidas
se mistura com cerveja
e cigarros esquecidos
se expressa em poemas
e canções nunca ouvidas

meu amor por ele
se renova em manhãs
e tardes de domingo
se alimenta nos almoços
e sobremesas servidas
e não morre em mim
mesmo com sua partida

Pat Andrade

Poema de agora: O CALDO – Ori Fonseca

Ilustração: Queda Livre I. Escultura em argila de Raquel Saliba.

O CALDO

Eu posso ver os olhos do futuro,
Lá onde há só pranto e ranger de dentes,
Onde gemem incrédulos e crentes,
No caldo a cozinhar o injusto e o puro.

Ninguém há de escapar do frio escuro,
Lugar onde coabitam diferentes
Vidas: invertebrados, musgos, gentes,
Compondo um cadavérico monturo.

O futuro é sem peso e sem tamanho,
Sem lógica pra o ser que acha que vive,
Lembrança fóssil de onde nunca estive.

Lá no futuro eu tenho um sonho estranho:
A vida é um pesadelo em que acompanho
Minha alma a despencar em queda livre.

Ori Fonseca

Poema de agora: PERIPATÉTICA – Obdias Araújo

PERIPATÉTICA

Esta é uma canção
dos tempos da vovó.

Cantochão gregoriano
Entoado em afresco
vocal monofônico.

Lembra até uma comprida
fila de monges monódicos
atrás do órganon ritual
da liturgia católica
apostólica romana.

Esta modinha
é antiga.
Tao velha quanto
o Vico.

Antiga feito a saca
do Velho Congó.

Antiga feito o berro
do Barba Chata mandando
apagar a poronga.

Obdias Araújo

Poema de agora: Meu querido irmão – Kassia Modesto

Meu querido irmão

Meu querido irmão,

Escrevo-te com estas mãos, que há pouco te traziam pro meu
Abraço, que é morada

E com os olhos marejados de saudades, sinto a ausência de ti,
Nesta breve jornada.

Espera paciente no cantinho do teu novo lar,

Logo logo, irmão, a tempestade vai passar!

Aproveito daqui e tomo uns goles nostálgicos das nossas melhores
Lembranças.

Disseram que logo passa… e nas ruas vazias lá fora, eu vi, solitária,
a esperança.

Assustada, disse-me que a descrença em dias melhores, por pouco
Não a matara,

Do outro lado da rua, irmão, ela me olhou nos olhos como se já
Tivesse a solução,

E mesmo atrás da janela fechada, com a cortina entreaberta e
Muito assustada,

Eu pude ouvir dos seus olhos de criança espevitada, a alegria
Contida,

Ela nunca deu-se por vencida e nesses dias sombrios, demos nela
Um sopro de vida.

E ela seguiu. Sozinha. Estranhamente feliz.

Então espera, querido irmão. Deixa a esperança brincar um pouco.

Nunca compreendemos o agir de um louco.

Mas essa jovem menina, a cantar na esquina, traz a vacina que é cura
E muito além de sua própria loucura,

Ela traz um mundo inteiro, que jamais será o mesmo.
Que a duras penas viveu o amor e o respeito.

E eu daqui, meu amado irmão, escrevo a ti com coração,

Pra pedir compreensão, fique quieto em casa. Leia um livro.

Não esqueça jamais, de lavar as mãos…

E se te recordas bem da nossa boa educação,

Se ofereça a ajudar quem mais precisa.

Tenha ao teu próximo, como a mim, amor e empatia.

E queira Deus, o meu vizinho assim também me veja…

E que em poucos dias a gente seja, não mais os mesmos.

Mas com o gostinho e a gana de viver o mundo todinho do lado de
quem a gente ama.

Com amor, ao meu querido irmão.!

Kassia Modesto

Poema de agora: Os meninos contemplados pelo sol – @juliomiragaia

Foto: Júlio Miragaia

Os meninos contemplados pelo sol

Depois da chuva ensolarada,
Os meninos equilibram
Entre o tempo, o espaço,
O vento e a Fortaleza
Um pequeno
Fruto da memória

Arquitetam,
em papel de seda,
Talas, linha e rabiola
O que se brinca
E o que se basta
Nas cores do Flamengo

O sol observa a partícula
De vida dos meninos-pipa
Enquanto descansa
A sua astroexistência
Ao lado do baluarte de São José

É um entardecer qualquer
Dum sábado esquecível
Não fosse a memória-pipa
Daqueles meninos,
Contemplados pela velha estrela

O ancião sideral guarda consigo
Os fragmentos de memórias e rios amazonas
Inteiros de auroras e crepúsculos

Guardará depois de hoje,
No nada das coisas,
A ternura da imagem
Dos meninos-pipa
Que cultivaram
Depois da chuva ensolarada
Frutos e ventos
Da memória

Júlio Miragaia

Poema de agora: Fuligem – Pat Andrade (para o artista plástico J.Márcio)

J.Márcio – Arquivo pessoal do artista.

FULIGEM

depois de acesa
a chama

da vela ou lamparina
dissipa-se a fumaça
descerra-se a cortina
forma-se a imagem
deslumbra-se a retina

eis a obra
do artista

Pat Andrade (para o artista plástico J.Márcio, que faz arte com fogo)

Poema de agora: Segunda-feira – Aline Monteiro – @Alyne_Monteiro (Vídeo e voz de Áquila Almeida – @manudosertao)

Uma obra-prima manchada de sangue

Em 1960, Harper Lee publicou um clássico da literaturara norte-americana, um homem inocente era condenado não por sua cor mas pela necessidade da manutenção do outro no topo da cadeia das opressões.
Em 2002, Fernando Meireles lança o filme Cidade de Deus, aclamado pela crítica internacional, um verdadeiro capítulo da nefasta herança colonialista, o nascimento das favelas cariocas. Uma obra-prima manchada de sangue disse Samuel L. Jackson.
Em 2020, um homem negro sem antecedentes criminais é condenado pelo crime de roubo, a prova estava _seguramente_ na cor de sua pele…

Aline M. – Vídeo e voz de Áquila Almeida

Poema de agora: C’est la vie! – Maria Ester

C’est la vie!

O amor, pulsa
A mente, mente
por vezes o coração
ampulheta da vida
causa tumultos nos
universos particulares

Emoções
Esperanças
Aspirações

C’est la vie!

Por pirraça agregados nos põem à prova

Assim como folhas e flores ao vento sonhos são manchados de chuva: (des)feitos ou (re)feitos

C’est la vie!

A florzinha branca do meu quarto brota, que alegria, cria raízes, desabrocha…

É linda mesmo!
Vida que segue, pede passagem

C’est la vie!

Graças a Deus, Deus é bom, traz as verdades do tempo

Sigo o rumo no meu quinhão, afinal o mundo não é maternal.

Alimentem
as sementes
as flores,
as raízes,
a vida.

C’est la vie!

Maria Ester

Poema de agora: sexo literal – Pat Andrade

sexo literal

e veio a palavra beijar-me a boca
enfiou em mim sua língua
usou muitos substantivos
deu-me adjetivos
causou-me advérbios

depois de rápida análise
entreguei-me aos seus verbos
apaixonei-me por tempos e modos
me envolvi com sua semântica
lambi cada fonema

encantada com seus significados
vencida por suas conjugações
não tive dúvidas…
fiz amor com ela

Pat Andrade

Poema de agora: O Fernando e o Canto – Marcelo Guido

Fernando Canto – Caricatura do artista plástico e ilustrador J. Márcio. Colorida pelo designer Adauto Brito.

O Fernando e o Canto

O Fernando e o Canto.
O Fernando é cultura.
O Canto é Sarro.
O Fernando é Inteligência.
O Canto o Sábio.
Dois seres, iguais vivendo em um corpo só.
Como caldo temperado.
Boemia, Laguinho.
Fernando o Branco, o Canto Negro.
A alma permanece sem divisórias.
Fernando História.
O Canto estória.
Mesclando sensatez e esbórnia.
A perfeição do ser em dois nomes.
Sorrisos, poesias, notas e lágrimas.
Tal qual o Carnaval.
Um peça perfeita a sempre ser lembrada.

Marcelo Guido

Pat Andrade encanta com seus poemas e livros feitos à mão

Pat Andrade – Foto: Aog Rocha

Por Paula Monteiro

Com poemas que falam de amor, vida, morte, solidão, tristeza, entre outros sentimentos, Pat Andrade encanta o seu público com a sutileza do seu trabalho na literatura. Ela fará apresentação nesta quinta-feira (27), a partir das 19h45, no Macapá Verão On-line, por meio das redes sociais da Prefeitura de Macapá. Acompanhe.

Pat Andrade é uma poeta amazônida, nascida em Belém (PA), e mora em Macapá há 21 anos- onde escolheu viver. Aos 49 anos, já publicou dezenas de livros e tornou-se um dos principais nomes na cena literária amapaense.

Foto: arquivo pessoal

O trabalho da poeta também chama a atenção pelo aspecto artesanal que ela mesma dá a cada livro. Todos os livros físicos são feitos à mão por ela; desde a concepção, ilustração, diagramação (usando a técnica de colagem), montagem e comercialização. Às vezes manuscritos, outros digitados.

“Todos são artesanais. Em alguns, uso sobras de papel e papelão, recortes de revistas, entre outros materiais. Uma peculiaridade do meu trabalho é que cada pessoa que compra um livro virtual decide quanto vai pagar por ele”, conta.

Foto: arquivo pessoal

Depois do livro pronto, ela mesma os vende em bares, restaurantes, escolas, universidades e eventos culturais – a venda ajuda na renda familiar desde 2007.

A autora é colaboradora do site De Rocha!; tem poemas publicados na coletânea Jaçanã – Poética Sobre as Águas e na revista virtual de circulação nacional Literalivre e na Agenda Cultural editada em 2013.

Em 2018, realizou a exposição intitulada Poesia Ilustrada, na Biblioteca Estadual Elcy Lacerda, como parte da programação da Primavera de Museus daquele ano. A mesma exposição foi montada também na Universidade Estadual do Amapá (Ueap), a pedido do Colegiado de Letras da instituição.

Em 2019, compôs a Comissão Avaliadora da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa na Escola Vó Olga – no município de Mazagão – a convite da Comissão organizadora da OLP no Amapá.

Foto: arquivo pessoal

Atualmente, Pat é acadêmica do curso de Letras na Ueap e se considera uma militante da literatura. Independente de remuneração, visita instituições de ensino e frequentemente é convidada para rodas de conversa, mesas redondas e debates para contar de sua vivência. Também participa de eventos literários e culturais, os mais diversos, levando poesia aonde ela couber.

Foto: Arquivo Pessoal

Alguns profissionais e estudantes da área de Letras já têm estudos sobre suas obras, (concluídos ou em andamento). Sua poesia também tem sido discutida e estudada (em pequena escala) em instituições públicas de ensino, por iniciativa pessoal de alguns professores e alunos da Universidade Federal do Amapá (Unifap), no curso de Letras do Campus de Santana; em escolas de ensino médio, de Belém e Macapá.

Recentemente, seu trabalho foi incluído no Grupo de pesquisa Poesia Contemporânea de autoria feminina do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil, realizado pela Universidade de Rondônia (Unir). Ela também é membro fundadora do grupo Urucum, coletivo de artistas que já realizou várias intervenções urbanas.

Obras

Obras publicadas: fanzines (Poemas, que nada Vol. I e II; Nostalgia; Um quarto de poesia; Olhar 43; Noites sem fim; Sétima esquina; Estilhaços de agosto; Antes da primavera; Para além das flores; Onze poemas; O Próximo poema; Fragmentos, O amor anotado em bilhetes; Quando há poesia; Fantasias poéticas; Subverso; Uma noite me namora; Poesia de brincadeira; Poesia e só; Vidas baratas; Único – poemas escolhidos).

Também possui os seguintes e-books: Uma noite me namora; Em tempos de lonjura – ilustrado e editado pelo iniciante Artur Andrigues; e delírios & subterfúgios – o mais recente, diagramado pela própria Pat.

A poeta não para e já possui obras em fase de produção, são elas: Do Lado de Dentro (livro virtual) e Borboletas de Algodão (projeto classificado em 1° lugar – Categoria B, no Edital Circula Amapá/Secult-AP). Em outubro deste ano, está prevista sua participação em um simpósio de literatura, realizado pela Unir.

Confira alguns poemas de Pat Andrade:

MUITAS EM MIM

minha linha
do horizonte
me divide,
me recorta,
me retalha.
não em duas,
mas em várias…

além dela,
sou menina,
sou mulher;
sou Anna
Karenina,
sou a Virgem
de Nazaré.

Sou Matinta,
sou Iara;
sou floresta
e sou mata.

sou Maria Bonita
e Madre Teresa;
sou tempestade
e correnteza.

Pat Andrade

 


Troca Injusta

te dei as memórias do tempo;
te ofertei os segredos do mundo;
te fiz uns poemas de acaso;
te mostrei as verdades da vida;
te concedi as visões da morte…

em troca, me deste apenas
uma caligrafia ruim
na carta de despedida…

Pat Andrade

Fonte: Portal Égua, mano!

 

Poema de agora: Do pensar do gato – Fernando Canto

Foto: Fernando Canto

Do pensar do gato

Em cada marco um conceito de cicatriz
Nessas paragens onde apago
A vela das almas.

Acredita!
Nas segundas ou nas sextas
Tenho que despachar encruzilhadas
E me serpentear na brisa.

Teimo no onirismo da reconstrução

Ora, eu via dutos
Via láctea
Via cruzes
E avestruzes mastigando o caminho
Das estrelas

Quem era eu? O fardo dos guindastes?
Um porto que abriga as meretrizes?
Quem antes de mim
Jazia nas sepulturas das pontes
Nas partes açodais do fundo?
Eu era, sim, um ranço rebuscado de alfazema
E me volatizei com o vai-e-vem das docas

Fui.
passei pelos guindastes
freuds
E fálicos.

Lembro que afaguei sete cidades
com minhas mãos fustigadas pelo vento

Naqueles dias de então
Em Izapa, em Yucatán
Sobre símbolos piramidais do sol
Vi deuses-cavaleiros cortando pescoços
Era um mês triste, não sei se maio ou maia
Era um mês
E reluzia um ouro avermelhado

Por um triz, acredita,
Não mergulhei num ventre
me perguntando se eu era eu ou um ente
Que pelo mundo fechou as mãos de medo

Eu ferro via
Eu rodo via
Eu aero via
E via um mar
Na face esquerda dos passantes

Hoje, crê em mim,
Existe um sonho de Oz
Onde o espantalho se move
E um ser de lata toca flauta

Pois, nesta tinta virada em pensamento
E amargo em minha angústia
Ainda creio
Que o sonho do gato
É pegar o pássaro.

Fernando Canto

 

*Poema do livro “Um Pouco Além do Arquipélago, Onde Acho Que Deus Mora”.

Poema de agora: Transparente Ébano – Luiz Jorge Ferreira

Transparente Ébano

Exuberante o gato de Porcelana olha Ana esfregar-se exangue no Conto Esplêndido de Lulih Rojanski.
O gato que nos olha da estante ilumina a noite com seus dentes de Marfim.
The End, sente aqui…vamos cear, nesta noite de breu, estamos todos nus.
Nada nos tira daqui, nada nos leva para o passado, a não ser a saudade de Ontem pregado nestas fotografias três por quatro que fixei na parede do quarto, onde a memória balança suspensa na solitária teia de aranha.


Nada mais nos resta a não ser o olhar míope de mamãe diminuído atrás de grossas lentes de grau.
Para mim o Mercado de almas, vai abrir as seis horas da manhã.
Para os Escoteiros atravessando o rio agitado sobre a ponte, nunca abrirá.
Os dromedário continuarão a atravessar o deserto sem reclamar do calor.
Um gato lhes olha de cima da Esfinge e finge que o Sol é um floco de neve e se derrete na sua seca língua.


Algumas Poetas agora são Esfinges.
Acreditam na doçura do fel.
Em Manhattam as pulgas assustadas com o som apático do violino de Paganini, saem do Palco.
Em transe os outros Gatos, distantes do Close de Hittchoch, fogem para o Norte.
Uma moeda de cem réis.
Uma moeda de cem réis.
Gritam dos telhados.
Sob luas apagadas, devendo muitas contas de luz, para a Enel.

Luiz Jorge Ferreira


*Poema criado após ler e aplaudir, de pé, um belíssimo Conto de Lulih Rojanski. Osasco (SP) – 25.08.2020.