Poema de agora: MACAPÁ, MINHA CIDADE – Pat Andrade

Macapá – AP – Foto: Elton Tavares

MACAPÁ, MINHA CIDADE

Minha cidade comemora
mais um ano de existência.
Digo minha, porque dela
me apodero, todos os dias,
em dura jornada;
todas as noites,
em longas caminhadas.
Macapá me cobre
com seu céu inconstante,
me descobre em versos e rimas;
me abriga em seus bares,
em suas ruas, em seus becos,
em suas praças, em seu rio…
Macapá me expõe, me resgata,
me ampara, me liberta…
E aqui permaneço,
retribuindo com meu amor,
minha esperança
e minha alma de poeta.

Pat Andrade

Poema de agora: MEMÓRIAS DE UMA CAFTINA – Pat Andrade

MEMÓRIAS DE UMA CAFTINA

não há mais cortinas nas janelas
não há velas nos castiçais
não há mais mulheres desnudas
nem homens ébrios, há mais.

não há mais a gargalhada
nem os convites sutis
ninguém paga mais uma rodada
as noites não são mais febris

os desejos só ardem em mim
e ninguém me visita mais
apagou-se, enfim,
a suave luz do abajur lilás

Pat Andrade

Poema de agora: DELIRIUM – Pat Andrade

DELIRIUM

os vapores noturnos
turvam meu olho direito
e assim, meio cega,
percorro a trilha
da solidão desesperada
em ruas, becos, calçadas

tateio corpos abjetos
de putas tristes e encantadas
desvendo esquinas
vilas, pontes e quartos sem janelas
apalpo sonhos desfeitos
traduzo desejos de homens alados
bolino a intimidade da madrugada

no fim de tudo,
resta apenas uma página
repleta de sentimentos falsos

[abandonada numa cama vazia
e enluarada]

PAT ANDRADE

Poema de agora: ELO PERDIDO – Pat Andrade

ELO PERDIDO

passo ao largo dos eventos
as pessoas me evitam
os olhares se evadem
me desvio dos lugares

a vida me faz
reinventar o caminho
cada vez mais
me recuso ao carinho
saio sempre de fininho
e não volto atrás

abomino o óbvio
virei entrave,
me vejo estorvo
nesse elo perdido
pseudomundo
onde penso que vivo

PAT ANDRADE

Poema de agora: CALENDÁRIO ANTIGO – Pat Andrade

CALENDÁRIO ANTIGO

dos meus anos primeiros
carrego memórias sutis
beijos tímidos em janeiro
mãos dadas em abris

nas minhas melhores lembranças
sinto saudades juninas
costas queimadas em julhos
e depois agostos de alegrias

também tive desencantos
à beira do rio Tocantins
vi meu coração partido
amanheciam novembros gris

saudade maior dos dezembros
mas o que se foi, já esqueci
parei de tentar lembrar
para poder brincar de ser feliz

PAT ANDRADE

Poema de agora: SOBRE OS DIAS – Pat Andrade

SOBRE OS DIAS

há dias em que preciso traduzir-me
para mim mesma
mas não encontro
quem fale a minha língua

há dias em que o espelho não me vê
e não posso me olhar
de longe não me vejo
e de perto não me suporto

há dias em que o sol não me alcança
e não me aquece
e sou nublada e fria
como uma manhã de inverno

há dias em que me procuro em vão
devo estar perdida
em pensamentos náufragos
em ilhas de solidão

Pat Andrade

Poema de agora: A Rosa – Pat Andrade

A Rosa

às vezes mudo de cor;
posso ser vermelha
quando estou cheia de amor.

fico boba e toda prosa
quando estou apaixonada
aí, visto pétalas cor-de-rosa.

se o mundo amanhece mais belo,
abro-me bem devagar,
vestida de amarelo.

quando o mundo precisa de paz,
purifico-me e me visto de branco.
mas já não aguento mais!

quero ser rubra, quero ser negra,
quero vestir ouro, vestir prata,
quero ser azul, quero ser lilás.

porque quero todas as cores em mim,
hoje abro-me furta-cor,
pra ser a rosa mais linda do teu jardim.

Pat Andrade

Poema de agora: SOBRE SENTIMENTOS – Pat Andrade

SOBRE SENTIMENTOS

depois de esbarrar na estante da sala,
vejo caírem os sentimentos todos…
um a um, vão se espalhando pela casa.

os mais antigos se escondem muito bem.
mas, numa varredura mais ciosa,
acharemos raridades…

tem uns mesquinhos;
são insistentes e maldosos.
jogo fora sumariamente, assim que os agarro.
os de amor, procuro-os em vão;
há tempos me abandonaram.

os mais recentes são confusos;
fogem da caixinha e são muitos…
tantos, que às vezes posso vê-los
bem à vontade, pendurados no teto,
estirados na cama, ou sobre o sofá.

[considero-os inúteis e superficiais…]

guardo-os a sete chaves;
não os quero por aí,
iludindo mais ninguém…

PAT ANDRADE

Poema de agora: SALVE A POESIA – Pat Andrade

SALVE A POESIA

salve a poesia
em cada beco escuro
em cada ponte de periferia
em cada beira de estrada

salve a poesia
em cada noite de balada
em cada cama desarrumada
em cada mulher desvirginada

salve a poesia
em cada criança assassinada
em cada bala predestinada
em cada mãe desesperada

salve a poesia
porque não nos resta mais nada

Pat Andrade