Poema de agora: Convite – Luiz Jorge Ferreira

Hospede-se em mim
Venha uma tarde dessas, à toa
Traga um sorriso aberto na boca
e pronuncie palavras quaisquer

Decore um trecho de canções do Chico
Em que o amor não merece castigo, e se
Assente, onde achar que deve

Fique até que se despenque a tarde,
pode ficar muito mais depois desta tarde, que a gente junto imaginou.

Se você me perguntar…Me vou?
Eu lhe pedirei…Se fique.
Pois retornar é infinitamente mais
Difícil.

Luiz Jorge Ferreira

*Publicado no livro Signo do Sol – 2015.

Poema de agora: Khalor – Luiz Jorge Ferreira

Khalor

– Estamos sob um calor de derreter palito de picolé.
Olhei para o Curió vibrando as duas asas antogônicas ao raio de sol que se espreguiça deitado na gaiola, como se beija-flor fosse.


Que bom ! Respondi…adoro pisar nas poças d’água.
Chafurdando feito um cão sem dono…
Não amo noites sem lua,deserto sem areia, sereia sem cauda, e pólens sem abelhas.

Amo pisar nas poças d’água.
Chafurdar água para o Pólo Sul, e para o Pólo Norte, e tudo cair no Equador.
Sobre a rua Ernestino Borges…sobre a minha cadelinha Lilás.


Sobre meu Canário Belga.
Nos pés de minha tia Benedita, que agora debruçada sobre o Delta Larousse lê sobre rendados roseos de Macramê, e ungüentos especiais.
Ela imagina-se em paz, regando o deserto das palavras que espalhei sem magoas, com as lagrimas que plantei.
No alpendre o vaso de Dálias ama as poças d’água como eu as amei.

Queria descrever o barulho das minhas bolas de gude.
Atiradas a esmo para o Grêmio Estudantil…visando estourar as lâmpadas não Led …pescando o escuro da poça de luz…

Gosto de pisar nas poças d’água…
Pisar na sombra da lua…
Chapiscar os gatos da rua de água raz.
E os ratos cúmplices do silêncio cego das retinas das Araras empalhadas, e quase azuis.
Sonho os molhar de saliva, e sal de suor.

Gosto de falar em Libras …para que se comportem… as rasteiras gramas dos valados.
Para que entre si dancem as valsas triviais que o vento canta.
Para que não matem sede e desejos, com a água que evapora no asfalto antes da casa do Avulu.

As Bachianas eu recomponho os compassos, mergulhando meus pés um a um dentro da poça d’água que carrego n’alma…
Ela nem vaza, nem seca, nem dói.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora:Nuvens de asteroides – @ThiagoSoeiro

Nuvens de asteroides

já tem mais de um ano
desde a última vez
que te encontrei no poema
e não teve um dia
que não sentisse a sua falta
era como se todos os poemas
de amor não falassem de amor
sem você dentro deles.
ouvi dizer que você tinha partido
atravessado o céu rumo à Marte
estaria escondido em alguma estrela
e nenhum astronauta havia desconfiado
que seu coração universo
estaria morando na via láctea
fazendo chover saudade.

Thiago Soeiro

Poema de agora: CARROSSEL – Annie de Carvalho

CARROSSEL

Um carrossel
desbotou-se
(em preto e branco)
no pátio do parque
em meio a cidade
florescente.
(Gira ainda sua estrutura,
mas parece não
mover o tempo).
Carece de ciranda,
padece de silêncio.
Um dia brincou;
hoje é paisagem antiga.
Espólios de infâncias esquecidas.
Em meio aos circuitos
da moderna rotina
o carrossel move sua nostalgia.

Annie de Carvalho

Poema de agora: ME LEMBRA – CARLA NOBRE

ME LEMBRA

Me lembra de nunca mais
Ficar tanto tempo pousada
Tanto tempo sem beijo
Tanto off line nostálgico

Me lembra de achar graça
Me lembra de mim
Das minhas unhas fortes
Do meu pé triste e firme

Me lembra de quem
Eu sempre fui, mesmo na UTI
Me lembra de ter voltado da morte
De te ver no chuveiro

Me lembra esse teu cheiro
A minha perna branca no teu peito
Me lembra das loucuras doces
Que estalam nas bocas em noites de chuva

Me lembra de não morrer
Antes da hora certa
De não sobreviver acuada
Me lembra que eu sou poeta
Me lembra feliz de mim

Me lembra de querer amar
Ainda que o país esteja em dias de chumbo
Pneu furado, porta travada
Me lembra que tem conserto
E que não é direito
Morrer acuada antes da hora certa

CARLA NOBRE

Poema de agora: Verso e reverso – @alcinea

Verso e reverso

No verso e reverso da vida
às vezes sou verso,
às vezes o inverso do verso.

Às vezes sou verão;
outras, primavera.

Às vezes sou dia,
mas noite só se for estrelada.

Às vezes dou gargalhadas à toa.
Às vezes choro (baixinho)
e com as lágrimas lavo meus desencantos.
Depois
prego um sorriso no olhar
e saio plantando alegrias.

Canto a paz.
Não aprendi a ser pedra
também não me fiz vidraça.

E amo.
Amo muito.
Amo intensamente.
Amo tudo que merece ser amado
(às vezes também o que não merece).

E descubro
que no verso e reverso da vida
sou mais verso
que reverso.

(Alcinéa)

Poema de agora: Quase Diário – Luiz Jorge Ferreira

Quase Diário.

Éramos muito jovens para fazer sexo.
Então de mãos dadas, e Havaianas trocadas, fomos aprender Inglês.

Gastamos momentos de uma noite escura a ‘ ver a lua ‘ beber água do rio.

Voltamos para casa molhados de suor, chuva e saliva, como em um frevo.
Eu vim pulando sobre a perna direita, fazendo
‘piruetas’.
Ela veio cabisbaixa, pensando em usar Rímel e diminuir a silhueta.

Eu pensei em Fevereiro ir morar no Rio de Janeiro.
Ela queria ser aprovada na prova de Admissão para a Escola Normal de Macapá.

Depois ficamos grávidos.
Ela ganhou gêmeos.
Dois dias depois, eu ganhei um violão.
Obturei um dente que doeu.
Comecei a usar óculos, e pisar errado nos degraus corretos.

Um dia eu mudei, fui de Varig, achando perto o imaginário.
Completei dezenas de Aniversários.
As crianças já devem parecer com humanos.
Rasgados panos, e planos.
Surtei casando avexadamente.

Perdi seu retrato no Cinema.
Entre as coxas de Helena.
Que até o filme terminar, nunca mais largou de mim.

Hoje eu volto ávido.
Extremamente pálido.
Já avô.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: dENTRO DestA cIDADE – Fernando Canto

dENTRO DestA cIDADE

Por dentro da tempestade, por dentro da sombra viva, nasce uma fortaleza ferindo a pele da terra. Ali todo sangue escorre sob o artifício da história. Nenhuma alma se insurge à assassinada memória. Por dentro dessas procelas, por dentro da ventania as vozes são todas soltas, todas as dores frias.

Uma cidade sustenta a construção formidável sob o golpe do chicote ao curso do rio indomável. Uma cidade se lava do pó cravado no rosto sob relâmpagos loucos e um crepúsculo atônito. Uma cidade não dorme por conta de pesadelos que se apequenam nos olhos, que nas paredes se escondem.

Uma cidade se acorda junto com o sol queimante que nasce fervendo a água num horizonte de fogo. Por dentro desta cidade por dentro dos homens duros, cada cor marca um desejo, cada desejo é bruto.

Naquelas casas de taipa, por dentro dos quartos rotos, amores sugam centelhas, odores trafegam fluidos. Por dentro de tantos ventres há um aluguel inadimplente e uma usina de sangue com suas formas de gente.

A dor maior é a do encanto que dentro das almas tristes mundia todas as forças contra o poder da oração. Mas dentro das almas tristes um gesto de amor resiste pelo raio que clareia a vida em renovação. E uma cidade e seu povo, cansados do alumbramento, jogam seus braços n’água para buscar seu sustento.

Fernando Canto

Poema de agora: NATIVO (Luiz Jorge Ferreira)

Foto: Floriano Lima

 

NATIVO

Eu não quero ser Ianque em Miami Beach
Quero doar meu sangue para os Carapanãs, em Apurema.
Quero chamar Deus de Manitu…
E ser chamado de Tuchauã.
Quero voar com as asas brancas das Garças, rumo ao rumo que soprar os ventos.
Quero estar atento a luz…
E estar sedendo das águas dos Igarapés, que deixam profundas lembranças as terras das margens, por onde correm.
Quero estar Kaipora, Mapinguari, ou vagalume, expelindo um arco-íris submergido em trevas.

Sou Aurora e anoiteço.
Sou esperança e não creio.
Sou a Preguiça que amanhece cedo, e chega quando o sol se foi.
Estou de volta, no início.
E estou no início, quando finda.

Eu não quero o destino dos carapalidas, sugados pelos Carapanãs.
Quero ser o Pajé.
Quero ser a crista da onda, espumante e bela…
Não seu barulho assustador e voraz.
Quero ser o Plácido Igarapé, onde lavo a voz…
Onde afogo o Ontem, e ponho a nadar as lembranças…
As mesmas que ele escavou nas margens…
Exatamente, gêmeas, das que ele incrustou em mim.

Luiz Jorge Ferreira

* Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).
**Contribuição do amigo Fernando Canto.

Poema de agora: anjo mau (Pat Andrade)

anjo mau

não comia flores
mas exalava um perfume
estonteante

mal enxergava as cores
e reproduzia o vermelho
como ninguém

parecia feita de pétalas
de tão suave
que era sua pele

seus olhos pareciam
duas estrelas
e refletiam a lua

sua alma quando nua
era quase como
de uma criança…

mas irradiava veneno
derramava sangue
e cuspia vingança

Pat Andrade

Poema de agora: PÁSSAROS EM FUNDEADOURO – Marven Junius Franklin

PÁSSAROS EM FUNDEADOURO

Na meninice
Dr. Paulo
Seu Fredolino
e mestre Davino
brincavam de alvorecer
pelo quintal incomensurável
do hospital municipal
(caçavam raias-manteigas
& porfiavam [altivos]
para quem chegava primeiro
ao frondejante pé de mucajá).
Dr. Paulo morreu de câncer
Seu Fredolino faleceu de tuberculose
e mestre Davino [até hoje]
leva seu bumba-meu-boi
para pascer em minhas lembranças.
Ah, na meninice
eles eram mais felizes!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: CINEMASCOPE – Luiz Jorge Ferreira

CINEMASCOPE

Eu no Cine Macapá.
Sean Connery doutro lado da rua, apalpando as costas da lua.
Rin tin tin latindo para as pipas coloridas que riscam o céu blue de blues.
Tenho o bolso cheio de lágrimas grisalhas, e dúzia de balas de Menta.
Tenho no bolso da calça Lee, o ano de 1962… esticado desde lá até 2019.

E como as rosas de Isnard ficaram órfãs.
Eu desenho todos os desenhos que fiz no muro do IETA…no meu calcanhar.
E ando passos que tatuam a caminhada que faço…com ecos azedos do passado.


E onde está o 007…Onde estamos nos
As mãos ocupadas em desmanchar dos dedos, os nos, dados atoa, sobre a calçada…pintada de lilás.
Titânia e Oberon, luas de Urano, dependuradas na árvore, a terceira.

Aquela que as raízes como atrizes, por ouvirem tanto a voz de Marlene Dietrich, com seu sotaque alemão…dizem… Monsieur… Monsieur…jogue em nós…borra de café.

Detrás de nuvens de chuva, espiã o Sol.
Detrás dos meus óculos de grau.
Espio Deus.
Nenhum se vê perfeitamente.
Como doe um pouco o cariado dente.
Mastigo bala de Menta.
Foi um dia desesperançado de esperanças, aquele Domingo de Junho de 1962.

Eu no Cine Macapá.
Trato de copular com Brigitte Bardot.
Antes que a pipoca do saco de pipocas, acabe de acabar.

Luiz Jorge Ferreira