houve uma época da minha vida em que acendia cigarro brincava de ser maria fumaça queimava solidão que todos babacas que passavam por algum tipo de lugar meu deixavam. no meio da cortina branca perdi uma parte minha deixei mãe pai irmão e fui ser rebelde da minha causa ilusória
abria garrafa de cerveja com o dente disfarçava o gosto amargo com halls melancia só não sabia como disfarçar a partida de duas pessoas que naquela época me traduziam alegrias hoje apago bagana de cigarro com o pé
e faço meu fumo com fórmulas combinações e ervas de poesia bandeira meireles barros quintana beber prado guadalupe sant’anna nobre lucinda soeiro monteiro e me tranco no quarto até bater a rima.
No ringue, jazia; luva vazia de um tapa sem mão. Um soco no estômago levou-me ao chão e no primeiro round já sofri um nocaute. Peso pena, que pena! Não sou grande o bastante: nunca fui boa em lutas, competições e disputas. Entre meios e fins… Saudades wins.
Quando a tristeza anestesia a esperança De um amor que se findou, Este mesmo amor gera uma lembrança De um fio que sempre esteve por um fio… E enfim se cortou.
O fio, outrora de cobre Agora não cobre a costura do tear. Frágil, este mesmo fio se descobre E amortece, e tece O não se importar.
De tanta dor, o amor não se esquece, Mas cria espaço para a chaga fechar. E o fio, por um triz, Virou cicatriz Até a pele sarar.
Depois de anestesiado Pelo amor do passado Que ainda está vivo, Apenas um pouco sonolento… Em desmedido sofrimento, Termino de bordar o tecido:
Meus passos de novo… Não mais Cidade Velha. Não mais Bengui. Não mais Bar do Parque. Não mais Feira do Açaí. Mesmo assim, Do velho cartão postal, Belém acena e me sorri.
Existe um perigo eminentemente Entre nós dois Ligação fatal De batimentos cardíacos Veias arteriais E emoções banais O dia a dia aponta o caminho Quase certo É incerto o futuro E saber disso é a única certeza Há horas em que o acreditar no amor É a nossa salvação.
Deus acabou de criar-me, e cuspiu. Eu saí manco, correndo, tropeçando, desdentado, anão. Por sorte duas mulheres nuas. Jogando pedras na lua. Deitaram-me entre elas, e eu mamei. Elas cataram meus piolhos, teceram fios com os meus pelos. E com os meus olhos fizeram dois Candeeiros. Que acenderam entre o Sul e o Sol.
Primeira Manhã.
Minha irmã catava manhãs frias. Colhia sobras de outros dias. E mastigava avelãs. Fazia um barulho azedo. Preparava-se para menstruar, quando morreu.
Primeira Tarde.
Primeiro passaram os cavalos. Magros, cheios de carrapatos. As patas sujas de quilômetros. Os dentes sujos da fome. Os dorsos manchados de chicotes. Vinham do Norte como eu.
Primeira Noite.
Bêbado de orgasmo/ tatuado de abraços/ Mudo de palavras/Cego de ver/ Quis dormir.
As duas mulheres faziam chá. Cobri-me com as minhas mãos, agora já tatuadas. Apaguei um pirilampo azul. Olhei para o horizonte desenhado a mão. Havia um torto Equador. Era minha irmã… …..que paria de cócoras para o Oeste, uma noite escura cheia de latidos de cão, gemidos, e demorados uis. Fingi que dormia, e morri.
Epílogo.
Nunca mais acordei. Quando Deus me procurou. Eu me escondi dentro de mim. E nunca mais me achei.
Luiz Jorge Ferreira
*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames). ** Do Avesso do Espantalho, Editora Scortecci – 2010 – São Paulo.
Criticam a rima pobre De quem combina amor com dor. “É inconcebível que em uma língua tão nobre, Limite-se tal riqueza com aquilo que se vai por”! Eleva-se o verbo com o substantivo; Aceita-se também adjetivo, Mas considera-se crime o binömio amor/dor. Mal sabem que esta é a única consequência deste sentimento: Um recheio de lamento Que, por fim, Transforma-se em mais um poema ruim, Acinzentando todas as cores. Onde amores… Há dores.
eu VENHO CINTILANTE e áspero calor eqüINO sobre o mundo ARAUTO que sou de um novo tempo desde a hora em que as ONDAS do Amazonas rebentaram o alúvio das encostas na primeira MANHÃ
eu VENHO CAVALGANTE no cerrado e nos estirões inebriado com o bramIDO das cachoeiras e com o ronco dos MACAréus CavALGO sim em banzeiros caudatários de uma pororoca enorme – estro sem fim – sacralizando vôos vindOUROs além desta procela que se instaura incompreensível no meu tempo
passará A VEZ do ÁZIMO pão posto bruto que agora é tempo de pousio da espera da nova fertilização da terra quando deveremos ARAR novas angústias e colher o juSTO fruto e descascá-lo e cortá-lo à lâMINA afiada na curva dos varadOUROs
(Canto, Fernando. EquinoCIO, Textuário do Meio do Mundo. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA. 2004.)
No instante supremo, no minuto único, desses que só no momento de existir, atingem o presente, digo que estou pronto: Aliás , espero assim desde o início, sem ao menos saber o que é o início!
Espero, disso eu tenho certeza! Eu até nasci esperando, em uma sucessão terrível de auroras.
Faz muito estou pronto: para deixar livre a prostituta cheia de complexos, desnecessários e impróprios, mas que machucam, -e isso me faz melhor!
Estou pronto a vomitar a verdade, mesmo que para salvar ladrões, viciados, necessitados, vendidos mas todos vivos -e com muita honra!
A salvar os loucos, os gênios de grandeza, os dos hospícios. Estou pronto!
Diga a todos estou aqui, irmãos! Quantos outros não teremos, bêbedos, lúcidos. Nossos irmãos sim, e não reparas isso?
Tu louco eu também, nós devemos socorrer mesmo os que não existem e os que ainda vão nascer. Ajudar a todos voando como poeira cósmica,
sem normas a formar uma grande roda, e ver, no meio dela dançar, na agonia da morte, a convenção.
Nem sempre gosto de poemas curtos porque na maioria são frases de efeito fragmentadas. O poema longo envolve alma e substância, ousadia e reflexão, tensão e premeditação que o curto reduz na sua forma volátil, fugaz.
O poema longo ou mostra a competência do poeta ou diz logo o que não precisava ser escrito. Nem lido. (F.C.)
Não vejo poesia em pequenos poemas que são às vezes panfletários e ideológicos, aqueles que tentam nos convencer que são textos filosóficos rebuscados e que na realidade são palavras coladas dirigidas à autoajuda e sofismas que conduzem ao erro.
Não gosto da literatura engajada nem da poesia amarrada. Podem me contestar, mas haicais e sonetos não trazem a liberdade da escrita nem a humanidade da poesia e de seu lirismo, que fazem dela uma arte para poucos.
Pra caber tudo que eu quero lhe dizer talvez fosse preciso um LP: lado A e lado B.
Cada faixa, um apelo pra reaver o teu apego e ouvir até arranhar enquanto se faz a faxina ou no juke box de um bar; um disco de platina… O Faustão iria entregar. Talvez nem isso fosse o bastante: amor não se limita a uma estante, nem se eu gravasse um The Best Of…
Haveria você em cada estrofe, totalizando mais de mil… Não serviria nem um daqueles CDs Perfil: o que sinto não se resume a nenhum vinil.
O homem às vezes se desbota, tantas são as chuvas e nevoeiros que lhes batem e lhes estremecem o corpo no cotidiano, mas ao poeta cabe o encantamento das cores e dos sons que virão depois disso, quando ele se propõe a atravessar o tempo e romper estilisticamente épocas. Este é um caso particular de um bardo errante que encontra seu locus na fronteira, no extremo norte do Brasil, que como Orfeu vive preferencialmente na floresta, feito um cantor amante da natureza, da luz solar, dos retiros sombreados e das clareiras dos bosques, ensinando a seus discípulos o canto e a música plangente de sua lira.
Agora, porém, a lira é um clarinete, um sax, um piano, um trompete, uma bateria com seus tambores, pratos e baquetas escovadas, um baixo acústico, uma guitarra suave: um blues que improvisa um desenho melódico, sincopado de palavras nostálgicas para uma região da Amazônia pouco conhecida, a não ser como referência de um antigo ponto limítrofe do país. Neste instante a poesia abre mão de palavras-notas desnecessárias e toca a sinfonia in blues regida pelo poeta Marven, que a executa em três tempos: receio e solidão, encanto e sucessão dos dias, e enleios e lirismo. E é aqui, após solidões e lutas, que ele estarta a melancolia musical de uma Amazônia desconhecida, e até inédita, graças às peculiaridades geográficas e a diversidade humana e cultural daquela área transfronteiriça. E, nestes tempos cruéis, de tantas destruições, o poeta, como o dissemos acima, atravessa um tipo de romantismo esquecido para viver um outro mais contemporâneo, nascido da plasticidade do silêncio, da morna-ternura que faz o seu eu-lírico se revelar como o harmonizador de um caos inexistente, creio que pelas expressões subjetivas, metáforas e descobertas íntimas com o local e o seu tempo lento, onde o poeta instiga e espera um despertar decisivo dos seus habitantes.
O poeta veste suas roupas de nevoeiros e catraias para se mover entre as margens do rio Oiapoque, que um dia quase foi uma província imperial nos meados do século XIX, a de Oyapokia. Ele vai e volta cantando a lira antiga para dulcinéias & quixotes & deuses gregos ressuscitados, em recorrências que brilham mirificamente como os girassóis de Van Gogh, ou se transformam em um groove jazzístico, necessário para a execução da música que compôs.
Para um poeta que se autodenomina de tantos epítetos, como um “Dissipador de maus-olhados e decifrador de rios aperiódicos”, na verdade ele traz o pleno encantamento ao entrar nessa aventura-catraia e ser hoje água, rio e poesia na própria vida, como já afirmou em um texto deste livro. Diria que por isso, Marven Junius é um prestidigitateur que usa a sua manigância gramatical com misteriosas manobras poéticas para dotar a arte de escrever de maior elegância e beleza.
Ao tentar interpretar cada poema deste autor – pois a literatura necessita de interpretação, no dizer de Wolfgang Iser – diria ainda que o escritor, o poeta é um ser multifacetado e carregado de nuanças personalísticas e tensões, que quando se aparta do seu cotidiano persiste o esquadrinhamento de outras (i)realidades. Ele tem a capacidade de se libertar da própria personalidade para aparentar outra que lhe permita produzir o texto, a partir do ato de “fingir”.
Marven Junius Franklin chega a dar uma dimensão antropológica à sua literatura, não somente porque a ficção e o imaginário são frutos da experiência, mas porque o significado social da obra aqui epigrafada envolve o contato e o preparo popular, além da emoção de quem a arranca da vida pela observação e pelos sentidos. Daí, também porque este autor, como um etnógrafo do cotidiano de um local em urbanização e tão rico de linguagens e cores, expressar que ele é o seu Oiapoque, o seu lugar, banhado por água, silêncio, nevoeiro, luzes e um por manto musical de versos poéticos e doce melodia tocada in blues.