RECEITA DO PRATO “FILHOTE AO MOLHO DE AMOR (Fernando Canto)

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Por Fernando Canto

INGREDIENTES: filé de filhote, limão, alfavaca, chicória, páprica picante, alho, cheiro-verde, manjericão, pimenta-do-reino, agrião, cebola, batata, tomate, sal, óleo de castanha-do-pará, banana nanica, amor, carinho e pelo pubiano.gq-higiene

MODO DE PREPARO: Lave o filé de filhote com limão, corte-o em pedaços iguais e depois os despeje em uma panela de ferro aquecida e untada com óleo de castanha-do-pará. Acrescente folhas de manjericão, chicória, agrião, alfavaca. Ponha alho, cheiro-verde, tomate e páprica picante, cebolas e batatas picadas, sal a gosto e 500ml de água.

Deixe cozinhar por 30 minutos com a panela bem tampada, depois coloque 1(um), apenas 1(um) pelo pubiano (tem que ser seu) dentro dela, deixe a tampa semi-aberta e saia correndo da cozinha em direção à porta da rua sem olhar para trás e pronuncie a seguinte oração: “Ó Mãe do Rio, Mãe dos Caruanas, meus irmãozinhos do fundo. Ó deusa do Amor, faz com que este peixe que veio do teu mundo d’água seja tão delicioso ao paladar de meu (minha) amado(a) para que ele(ela) sinta como é grande o meu desejo de ter o seu amor para sempre. Que este manjar feito com carinho, paixão e uma pequena dose de sacanagem seja ingerido sem que ele(ela) perceba o meu intento. E que meu pelo se perca entre as ervas e a carne deste meu irmão peixe, sacrificado em teu nome para que vença o amor. Para sempre.” cabelo na sopa

Sirva com pirão e banana nanica frita (ela serve para equilibrar a força da mandinga) de preferência em uma tarde de domingo, assim em setembro, quando o equinócio energiza a fé no amor.

ADVERTÊNCIA: não deixe seu (sua) amado (a) notar o belo exemplar do pelo pubiano no prato ou na panela. Caso ele (ela) perceba, o efeito da receita será contrário ao desejo.

* Publicado no livro EquinoCIO, de 2004.

Coisa de Deus ou do Diabo (só para otários) – Contículo do Fernando Bedran

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“Liguei a TV (crégua rsrs ) , ao fugir da golobo, encontro o “Pastor semi júnior gugu entrevistando a bonequinha Von ristofem também pastora exemplo de Edir mais cedo, assassina condenada da morte dos pais, eita que coisa hem gugu dada dada gugu, passou a ser até repórter policial a serviço do …
Nojo de fellas, põe asinhas nela e transforma ela em uma paquita da nova pastora xuxa…ahahahah ahahahahahhahahahahahaha vai cravar ops sem cravinho os ota. ..”

Fernando Bedran

O SALTO DO JAGUAR (Conto de Fernando Canto)

Conto de Fernando Canto para Cristóvão Lins

A montanha parece c2363392e-51ad-3d98-aa65-7cfb26a36873ortada ao meio pela densa cerração. Nuvens brancas sobem pelas folhas das árvores devagar, negando a estação, esfregando as copas delgadas de um verde diáfano que mudam de nuance conforme a terra gira e o sol aparece.

O homem foge, subindo cada vez mais a montanha, que para ele significa o topo do mundo, tanta é a sofreguidão impingida pela vontade de fugir, pois tem que valorizar sua vida e não importa o prejuízo inevitável de meses de trabalho. Importa, sim, atravessar a serra e encwusongtigerontrar alguém que não fale apenas as onomatopeias da floresta. Naquele momento ele compreende o menor dos motivos para ir embora e abandonar aquela vida de predador profissional. O motivo não foi a perda da arma de fogo nem a luta que teve com um grande felino ou o golpe que lhe dilacerou o peito, afinal venceu. Era por isso mesmo um caçador, um homem destemido e vaidoso dos seus atos.download

Andar montanha acima e fugir ao menor fragor dos elementos selvagens é a meta, mas o espanto permanece e conta e fica à vista no brilho e na cor do suor que o corpo solta. A mata não perdoa e lanha os membros e o rosto, mesmo que ele rasgue a trilha a fio de facão. Ele anda sem parar. Está exausto. Mas a hora é premente e é necessário o passo rápido das botas sobre a organicidade das folhas podres no solo da enorme campânula de árvores que é a montanha. Ela só falta soar para lhe dizer o tempo que resta para chegar a uma cidade, vila, povoação ou qualquer acampamento de garimpeiro. Trocaria tudo por um bom guisado de galinha com arroz, um cheiroso café e uma rede armada na varanda da casa que porventura lhe abrigasse.Kraven2sits

O caçador não pode esmorecer nem ter medo dos elementos da mata. Sabe que essas coisas existem e que pode ser uma vítima em potencial delas porque é um caçador, um predador, e que só agora se dá conta de tamanha maldade para com os animais. Foge, mas não se sente um covarde. Está ali por conta e risco da profissão, pelo dinheiro que pode ganhar com o couro dos felinos. Nesse ofício aprendeu que a violência do homem é semelhante a dos animais: todos caçam para sobreviver. A lógica simplória justifica os meios para matar. Tem a perfeita consciência que é um invasor e que pode até mesmo estar sendo caçado por índios.showest-thunder1 E se eles o pegarem não vão perdoar. Já ouvira falar da violência do seu caráter e das lendárias torturas que cometem contra caçadores. Mas já vira, também, filmes de guerra em que soldados da América praticavam carnificinas contra índios daquele país. A lembrança dos filmes lhe agrada. Ela surge em sua mente como uma espécie de vingança por antecipação.

O homem fugindo é como o vento. Talvez assim como o pensamento. Vai se perdendo pelas forquilhas das árvores, penetrando pelas folhas, ganhando as altas frondes e se misturando na cerração. O som de cada passo em fuga traz uma lembrança.images

A lembrança lhe faz cerrar os olhos por três vezes. Não pode se livrar do antigo tique nervoso. E projeta o pensamento para os dias que passa na mata, na sua voluntária solidão de caçador por necessidade de sobreviver. A imagem da mulher amada tomando banho com ele no rio do seu lugar percorre como um raio em sua cabeça, em sua solidão. Ela surge quase todas as noites nas labaredas da fogueira. Ah, essas imagens… Concebem uma figura humana brotada do húmus da terra, de um solo mágico que faria tudo nascer. E sonha com ela como um dia sonhou com a companheira o homem ancestral. Mas nem barro tem nestes rios encachoeirados. Não esculpiria nas pedras que se abrem no caminho das corredeiras. Deixaria quedownload (1) a própria natureza se encarregasse de fazer figuras que lembrassem formas femininas, pois que ele é apenas um homem comum e não um deus ou ente da floresta. Sua arte está apenas matar felinos. Por isso agora foge, recolhido numa concha de lembranças. Torna-se quase um ser invertebrado em sua fuga. Vai vivendo nos passos que dá e nas lembranças que o atormentam. Um inseto em mimetismo, a engolir impulsos de palavras não articuladas.

De súbito, as presas do jaguar crescem em seus olhos. A surpresa e o impacto. A consciência esvai-se. O não essencial para a fera agora é parte da montanha.

Nestor Cerveró é preso ao ser descoberto como Sloth e associação com Roberval, o ladrão de chocolate

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A operação amêndoa fermentada e torrada da PF (Agência do Papo Furado) prendeu hoje (14), no Aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró. A nota da PF diz: “há indícios de que o ex-diretor continua a praticar crimes e se ocultará da Justiça”.

Conforme a operação, foram cumpridos mandados de busca e apreensão na casa de Cerveró e de, pasmem, Roberval, o ladrão de chocolate. Mas, nesse caso, não se trata de ilícitos relacionados aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro que foram denunciados recentemente na Petrobras, e sim o desvio de (pasmem de novo) ovos Kinder.

Conforme apuramos, as ações da Petrobras baixaram tanto que a marca de chocolates Kinder Ovo, famoso por suas surpresas vagabundas, continha ações da empresa como brinde aos que adquiririam o produto.

Na investigação de tantas outras ações de origem ilícita em função de negócios de Nestor à frente da diretoria da Petrobras foi descoberta a identidade de Cerveró. Ele é, na verdade, Sloth, monstrengo do filme oitentista “Os Goonies’.

Chocólatra assumido, Sloth disfarçado de Cerveró teria desviado milhões de ovos Kinder que seriam vendidos com ações da Petrobras. E se associou a um perito no assunto: Roberval, o ladrão de chocolate (meliante especialista em afanar amêndoa fermentada e torrada do cacau).

Todos foram encaminhados à central da PF. Em sua defesa, Cerveró afirmou que tudo é mentira e que provará sua inocência. Já Roberval declarou que isso é mais uma invenção do desafeto Jaca Paládio e algo semelhante aconteceu, mas na Nova Zelândia!

Elton Tavares
*Isso é um conto, uma invenção. Resolvi satirizar essa merda toda, pois um cara que é “suspeito” de receber R$ 40 milhões de propina, só de um contrato, é mesmo um grande filho da puta! Não precisam questionar, basta rir…

A cantora e o violonista (conto de Elton Tavares)

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Ele tocava. Ele era bom com seu violão, dedicado e tals, mas ela… Ela era fantástica! A moça cantava as músicas que escrevia e ainda revisava as composições dele. E sempre as melhorava. A cantora e o violonista faziam uma ótima dupla. Até saíram em turnê. Fizeram a alegria de quem os assistia e acompanhava. E foram eternos enquanto durou aquela parceria.

Tantas canções, tanta prosa e poesia! Muita música e muito amor. Aí, um dia, começaram a brigar por tudo. Cancelaram shows, tentaram carreiras, fracassaram. Depois voltaram a se apresentar juntos e se separaram novamente.

Apesar de bons espíritos e grandes corações, eles eram incoerentes, estúpidos, insensatos, orgulhosos e morais (demais). Um pouco cômico, um tantinho comovente e muito irritante!

Ele com sua personalidade marginal, história tumultuada e talento pra arrumar confusão. Ela um furacão formado de talento, inteligência, ironia, amor e teimosia. Uma fórmula perfeita de destruição.

Ah, mas como foram impecáveis! Eles escreviam fragmentos de tudo, juntavam, gravavam e, voilà, mais um sucesso! É, era assim. Inegável.conto2

O casal era uma mistura de MPB e Rock and Roll, com muita influência literária. Aqueles doidos criaram seu próprio estilo musical. Entre tantos casamentos, namoros e rolos entre músicos, deles é que sempre lembro. Mesmo quando deveria ter esquecido, de tão improvável.

Alguns até pensaram que se tratava de ais de um dos zilhões de casais apaixonados pelo mundo afora. A maioria deles fabricados, contudo, sem a mesma inspiração e piração da linda cantora e do músico doidão.conto4

Acredito que nem tocam mais tão bem. Muito menos aquela velha canção dos doidos. E como cantou um poeta: eles partiram por outros assuntos, mas no meu canto estarão sempre juntos.

Hoje em dia cada um vive com relativo sucesso. Enfim, as carreiras solo “deram certo”. E, de longe, eles se observam. E, às vezes, até sentem saudades dos tempos que misturavam blues e jazz. Agora ela enlouquece calmamente e ele pira sedado.

Elton Tavares

O primeiro atentado (Conto de Rob Gordon)

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— Senhor?

— Pois não?

— Adão está retornando Sua ligação. Ele está na linha sete.

— Pode passar.

— Sim, Senhor. Só um minuto.

— Alô?

— Oi, Adão, tudo bem?

— Tudo e o Senhor?

— Adão, que história é essa de que você atacou as girafas?images (4)

— Ah, o Senhor ficou sabendo?

— É evidente que Eu fiquei sabendo. O que aconteceu?

— Bem, na verdade, foram elas que começaram. Faz tempo que elas estão espalhando por aí que o Senhor não existe. Que o Senhor é uma invenção minha, e que os outros animais não deveriam mais acreditar no Senhor. Aí começaram a espalhar umas folhas de bananeira com piadas sobre isso.

— Piada?

— Isso. Eram desenhos insinuando que eu era o dono do Paraíso e havia inventado Sua existência. Outros mostravam o Senhor com chicotes e porretes, obrigando os animais a acreditarem na Sua palavra. Aí eu fui ali até onde as girafas ficam… Perto do lago, sabe?

— Sei.images (6)

— Fui até lá e arranquei todas as folhas das bananeiras que tem ali perto. Assim elas não fariam mais desenho nenhum. E expliquei que se elas continuassem com isso, eu iria voltar ali e faria muito mais que apenas arrancar as folhas das bananeiras.

— Sei.

— Mas no dia seguinte elas espalharam outros desenhos em folhas de bananeira. Não sei onde arrumaram as folhas.

— E o que tinha nos novos desenhos?

— Eu. Eu socando os outros animais e embaixo disso, a frase “Espalhando a palavra do Senhor”.

— Certo. E depois disso?images (5)

— Mandei pararem com isso. Acredita que no mesmo dia começaram a espalhar novos desenhos? Mostravam uma girafa amordaçada e a frase “não conseguimos dizem amém para certas coisas”. Aí eu voltei até o lago.

— O que você falou?

— Não falei nada. Assim que encontrei uma delas, voei direto no pescoço. Quando eu a derrubei, as outras apareceram e eu dei socos e pontapés em todas elas. Acho que aprenderam a lição.

— Adão… Posso fazer uma pergunta?

— Claro.

— Você é idiota?hm

— Oi?

— É uma pergunta simples. Você é idiota?

— Bem…

— Se você é incapaz de responder se é idiota ou não, é porque a pergunta já foi respondida. Vou tentar uma última vez. Você é idiota?

— Não. Não sou.

— Então por que você está agindo como se fosse?

— Como assim?

— Quem lhe deu o direito de agredir as girafas?

— Bem, elas estavam falando mal do Senhor. Falando que o Senhor não existe.

— E daí?cartum1

— E daí que é errado.

— Ah, é? Por quê?

— Bem… Porque o Senhor existe. Tanto que está aqui falando comigo.

— Sei. E você acha que isso lhe dá o direito de agredir um animal que não acredita em Mim?

— Bem…

— Você já parou para pensar que qualquer animal do Paraíso tem o direito de não acreditar em Mim?

— Mas foi o Senhor quem criou o Paraíso. E se foi o Senhor quem criou o Paraíso, foi o Senhor quem criou os animais. Então eles são obrigados a acreditar no Senhor.

— Obrigados?

— Isso.amordedeus

— Adão, você acha que Eu criei o Paraíso porque você acredita em Mim. Se outro animal não acredita em Mim, é lógico que ele vai acreditar que o Paraíso foi criado de outra forma. Ele tem esse direito. Ele pode acreditar no que quiser. Aliás, ele pode até acreditar em nada, se preferir.

— Como assim, acreditar em nada?

— Ele pode acreditar que não foi criado por ninguém e que apenas apareceu aqui. E que o Paraíso sempre existiu, e que Eu não tenho nada a ver com isso, porque Eu não existo. É um direito dele.

— Mas é errado. O Senhor existe. As girafas…

— Você já parou para pensar que Eu posso existir para você ao mesmo tempo em que posso não existir para as girafas? O direito que elas têm de acreditar no que quiserem é exatamente igual ao seu de acreditar em Mim. E sabe o que você e as girafas devem fazer a respeito disso?

— O quê?10928006_767910319960197_1209345733_n

— Nada. Absolutamente nada. Vocês devem apenas continuar convivendo, cada um acreditando no que quiser, mas sem interferir com a crença do outro.

— Eu não posso conviver com um animal que não acredita no Senhor. Isso é errado.

— Adão, se você simplesmente se recusa a conviver com um animal que não tem fé em mim, Eu prefiro acreditar de uma vez por todas que as girafas tem razão. Talvez seja mais fácil Eu acreditar que não existo e que nós nunca nem conversamos, ao invés de aceitar que você é radical a este ponto. Prefiro acreditar que você é esquizofrênico e está sentado na sua caverna falando sozinho no escuro feito um louco, e pensando em maneiras de atacar as girafas.

— Mas as girafas também não deviam fazer aqueles desenhos.133012528202

— Adão… Há quanto tempo você Me conhece?

— Bastante.

— Você realmente acha que Eu me importo com isso?

— Bem, é porque os desenhos…

— Adão, Eu fiz uma pergunta. Você acha que Eu me importo com um desenho?

— Não. Acho que não.

— Certo. Sabe por quê? Porque Eu estou ocupado demais me importando com as escolhas que vocês fazem todos os dias. Quero ver vocês felizes com vocês mesmos, com suas vidas, com seus valores. Quero ver vocês aprendendo e crescendo. Isso é importante para mim. Não um desenho feito numa folha de bananeira.

— Entendi.10933232_767909859960243_1853136289_n

— Adão, você acredita em Mim? Acredita que Eu existo?

— Lógico.

— Por acaso os desenhos das girafas fazem com que você acredite menos em Mim?

— Não.

— Então, pronto. Além disso, socar as girafas não vai mudar a forma que elas pensam. Vai apenas fazer com que elas sintam raiva de você. E, como resposta, você vai sentir raiva delas. E este ódio vai apenas aumentar.

— Entendi.

— E vai chegar um momento que vocês vão se odiar sem ao menos lembrar o motivo, porque logo essa raiva se tornará maior do que qualquer crença que vocês tiveram um dia. E aí finalmente você e as girafas vão passar a acreditar na mesma coisa: que o ódio é a resposta.10917496_767910079960221_1836346678_n

— Bom, desculpe. Mas eu fiz isso em Seu nome, porque pensei que…

— Meu nome?

— Sim.

— Em Meu nome? Eu pedi para você ir lá e socar as girafas? Eu pedi para você arrancar as folhas de bananeiras, ou para que você deixasse as girafas aterrorizadas?

— Não.

— Então, não diga que foi no Meu nome. Se você quiser ir lá e socar as girafas, faça isso porque você quis. Mas faça isso por você. Nunca mais diga que fez algo assim em Meu nome.0096-esbocais-sobe-ou-desce

— Mas é porque as girafas…

— Adão, você lembra o que Eu disse a você sobre os animais do Paraíso, numa das primeiras vezes que conversamos?

— Que eu devia amar todos os animais.

— Todos os animais ou todos os animais que acreditam em Mim?

— Todos os animais.jesuslegal

— Exato. A palavra chave é amor, Adão. O amor precisa ser maior que tudo. Maior que você, que as girafas, até mesmo maior que Eu. O amor precisa ser maior que qualquer crença ou forma de pensamento. Além disso, o amor tem uma coisa que as crenças não têm.

— Qual?download

— Você pode não conseguir provar sua crença, mas consegue provar que o amor existe. Não em um momento ou outro, mas em todos os dias, com respeito, tolerância e compaixão. Independente de qual seja a sua fé. Porque todas as crenças são apenas expressões diferentes do mesmo amor. São caminhos diferentes que levam ao mesmo amor. Por isso não importa o nome da fé, e sim o amor que ela ensina.

— E aqueles que não acreditam em nada?

— Eles não precisam acreditar nesta ou naquela fé para acreditarem no amor, e saberem que ele é necessário.

— Não sei se entendi.images

— Você ainda vai entender. Todos vocês. Vai demorar, mas vocês ainda vão entender.

— Sim, Senhor.

— Amanhã você vai pedir desculpas para as girafas.

— Certo. E vou falar que o Senhor perdoou o fato de que elas…

— Não, Adão. Você vai apenas pedir desculpas. E não vai falar uma palavra sobre Mim. Eu não perdoei as girafas porque elas não erraram Comigo. Quem errou foi você. Você errou com elas e errou Comigo. E você vai remediar isso.

— Certo.

— Não faça mais issGuia_das_religi_es (1)o. Por favor.

— Sim.

— Até logo.

Naquela noite, Deus desceu até o Paraíso e caminhou pelos gramados. Adão e os outros animais estavam dormindo e não perceberam sua presença — caso estivessem acordados, não teriam reparado que cada animal enxergava Deus de uma forma diferente. Ele era o Deus de Adão quando passou perto da caverna de Adão, era o Deus dos macacos quando passou perto da floresta, era o Deus dos leões quando passou pelas savanas. E era o Deus das girafas quando se aproximou dos lagos, ajoelhou-se ao lado delas e curou seus ferimentos.

Mas nem todos os animais estavam dormindo. Logo, a serpente estava ao Seu lado. Esperou Deus terminar de cuidar dos ferimentos das girafas antes de falar.

— Você sabe que eu não tenho nada a ver com isso, certo?

— Eu sei.

— E você sabe que isso ainda vai dar muito problema? Por séculos e mais séculos.

Deus respirou fundo.

— Eu sei.

— Escute, quer beber alguma coisa e conversar? Eu tenho uma garrafa de…

— Não. Ainda preciso recolocar as folhas das bananeiras. Mas acho que depois quero ficar um pouco sozinho.

Deus disse isso recolocando as primeiras folhas nas bananeiras. Em todas elas, escrevia a frase “Eu Sou Charlie”. A serpente observou por alguns instantes antes de falar novamente.

— Olhe, pode subir. Vai descansar. Eu arrumo as árvores.

— Mesmo?

— Sim, fique tranquilo, eu resolvo isso. Pode subir.

— Certo. Obrigado.

Assim que Deus desapareceu, a serpente começou a recolocar as folhas. Estava na terceira folha quando sentiu o vento. E, antes da quinta folha, uma enorme tempestade começou a desabar sobre o Paraíso, fazendo todos os animais se aconchegarem em suas tocas, menos a serpente, que olhou para o céu, assustada.

Nunca havia visto Deus chorar tanto.

E, em silêncio, continuou colocando as folhas nas bananeiras, copiando a inscrição de Deus. E tomando cuidado para não acordar os animais.

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia.

*Contribuição do amigo Lênio Mont’Alverne

A noite dos peixes

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Conto de Ronaldo Rodrigues

A Assembleia Extraordinária convocada pela Grande Ordem dos Peixes não foi atravancada por discursos prolixos ou questões de ordem burocrática. Terminou em poucos minutos, com os Peixes optando por uma firme tomada de decisão frente aos atos praticados pelos Pescadores.

Foi elaborado um manifesto em que os Peixes reclamavam da violação de um antigo pacto firmado pelos ancestrais de Peixes e Pescadores. O pacto celebrava a harmonia entre ambos os lados e determinava a proibição da pesca de filhotes pequenos e de fêmeas grávidas.

Em seu manifesto, os Peixes sugeriam vários caminhos para a conciliação, mas deixavam clara a intenção de invadir a aldeia, caso os Pescadores não fizessem valer os itens do pacto.

Na tarde daquele mesmo dia, o mar levou até a praia o envelope timbrado da Grande Ordem dos Peixes. O Chefe dos Pescadores, obrigado a interromper a sesta para ler o manifesto, ficou com o humor ainda mais azedo.peixes2

O manifesto foi lido entre um bocejo e outro e logo o Chefe dos Pescadores desatou a rir estrepitosamente. As gargalhadas se multiplicavam à medida que os outros Pescadores tomavam conhecimento do teor do manifesto.

Em meio à onda de zombaria, sem conter as gargalhadas, o Chefe dos Pescadores enfiou o manifesto no envelope, escreveu displicentemente que Peixes não escrevem manifestos, e o devolveu ao mar.

**** **** *****

No dia seguinte, os Pescadores voltaram a violar o pacto. Ao retornarem da pescaria, trouxeram em suas redes
, entre os Peixes adultos, que era lícito pescar, uma grande quantidade de filhotes pequenos e fêmeas grávidas.

Os Peixes ficaram convencidos de que não adiantaria qualquer esforço para evitar o confronto. Reuniram-se rapidamente, formando um numeroso exército, e conceberam um plchuva-de-peixeano de ataque para aquela noite.

**** **** *****

Na aldeia, os Pescadores faziam uma grande festa, comemorando o sucesso da pescaria, e não perceberam um estranho rumor se elevando pouco a pouco. Os Pescadores só puderam ouvir quando o rumor se transformou num barulho ensurdecedor, que ultrapassou as ondas sonoras lançadas pelos alto-falantes que animavam a festa.

Os Peixes vieram navegando pelos ares e o atrito de seus corpos com o vento era o que produzia aquele barulho, anunciando um trágico desfecho.

Os Peixes continuaram sua marcha, investindo contra tudo e todos, derrubando portas, destroçando paredes, derrubando casas.

Enredados pela violenta tempestade de Peixes, os Pescadores corriam de um lado a outro da aldeia, na vã tentativa de defender suas famílias e propriedades.

Após alguns minutos de ataque, que aos Pescadores pareceram horas, os Peixes voltaram ao mar, deixando na aldeia uma trilha de sangue e destruição, onde se retorciam corpos agonizantes.

**** **** *****

Ainda hoje, decorridos muitos anos, se escuta na aldeia-fantasma o lamento de dor que os Pescadores deixavam escapar, tentando salvar seus filhos pequenos e suas fêmeas grávidas.

AS MULHERES-PEIXE (Conto de Fernando Canto)

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Conto de Fernando Canto

Os cachaceiros do bar da Loura Rainha podiam apostar com certeza que era mais uma mentira do Edmer. Falou pra quem estava ali que tinha comido uma mulher-peixe, só pra se gabar e se aproveitar de uma história que corria na área e era a razão do medo dos nossos novos vizinhos, que eram feios pra caralho e tinham chegado há pouco tempo sabe lá de onde. – Porra, falei. Eu também namorei, quer dizer, cheguei a morar com uma delas lá nas brenhas do Igarapé do Salamagonha, no tempo que ainda tinha ouro aqui no garimpo do Lourenço. Pra quê… O Edmer, que era um tremendo filho de uma puta avançou em cima de mim com uma faca de sapateiro, mas ele estava porre e não me furou porque pulei de lado e lhe acertei uma garrafada no meio da testa. O homem caiu no assoalho com a garapa descendo por todo o corpo. Foi pá, merda. O Edmer era uma bosta e morreu porque achava que eu tinha comido a mulher-peixe dele.

-Flamenguista safado, eu dizia muito puto sobre o gordão assassinado. Ainda bem que as testemunhas foram na delegacia e confirmaram ao policial de plantão que meu reflexo salvou minha vida e que agi em legítima defesa. Passei a noite inteira esperando o bacharel.

Quando o delegado chegou pra pegar o meu depoimento foi logo perguntando quem eram essas mulheres-peixe que tanto davam medo nos novos moradores do assentamento, uns colonos feios pra caralho, e sobre a causa da briga com o gordo Edmer. Disse o que se passou no bar e que eu não sabia nada das mulheres, que apenas tinha mentido pra acabar com a gabolice do cara. Fui solto, mas ele pediu que eu não saísse da área porque o caso era da Polícia Federal, já que o merda do Edmer era funcionário do Incra. Ele não se conformou e me seguiu até o meu sítio. Depois eu soube que ele acampou por lá por perto com uns tiras atrás de ouro. A verdade é que eu tinha achado um veio numa gruta e havia escondido de todo mundo que ainda tinha ouro por lá. Na gruta havia um lago de água verde, verde, verdinha. Não fazia muito tempo que eu tinha descoberto essa gruta e o lago e visto as mulheres-peixe se banhando. Tinham a cor dourada e eram largas. Suas barbatanas eram vermelhas, umas gracinhas. Nem de longe pareciam com as sereias que eu já tinha visto em revistas. Brincavam com as águas e sorriram quando me viram. Me chamaram pra bem perto delas e aí eu pude conhecer o verdadeiro valor do prazer sexual com aquelas mulheres, ainda que não fossem humanas. Eu me acostumei com elas e elas comigo.

O Edmer estava fiscalizando o assentamento dos colonos. Ele também descobriu a gruta depois que a caminhonete dele pregou perto do torrão do Tracajatuba, na estrada que levava ao meu terreno. E parece que ele chegou a dar umazinha por lá porque elas me sereia3falaram por alto dele. E foi justamente no bar da Loura Rainha, onde eu tinha chegado pra tomar uma caninha que ele achou de contar vantagem. Eu confesso que não queria que ninguém soubesse ainda mais depois que elas me indicaram onde estava o ouro.

O delegado me flagrou com as mulheres-peixe quando a gente estava bacana, tomando um Campari no meio do lago. Ele já sabia do ouro e me deu voz de prisão. Ao verem os tiras as mulheres douradas foram tomadas de um pavor que eu jamais vira. Pareciam loucas, cantando e dançando e mergulhando. Assoviavam uma melodia tão forte que se eu não tivesse corrido pra fora da gruta meus tímpanos estourariam, assim como aconteceu com os policiais, que desmaiaram e morreram afogados. Elas salvaram minha vida, pois a ambição do delegado e seus subordinados não tinha limite. Onde havia ouro eles iam lá confiscar.

Não sei como alguns agricultores ouviram os gritos de tão longe. Chegaram ao local armados de facões, mas se tremiam de medo. Certamente viram os vultos das mulheres-peixe no fundo da gruta. O boato das suas existências já rolava pela vila do Lourenço, imagina agora com a morte dos tiras e o testemunho dos colonos feios.

Quando os policiais federais chegaram pra me prender eu já estava muito longe com o meu ouro. Larguei tudo: o sítio, os animais, os empregados, a mulher e os filhos. Comprei um carro usado e sumi no trecho pra capital. Agora que acabou a porra do ouro e do dinheiro bate uma saudade daquelas mulheres lindas que nunca mais vou voltar a ver. Elas devem ter morrido com a presença de tanto garimpeiro feio no lugar que com certeza poluíram a gruta e seu lago verdinho.

O Velho das Latas

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Por Fernando Canto

Aquelas barbas espessas no rosto do homem, brancas, brancas, se esvoaçavam com o vento da Beira-rio. Eram barbas longas que chamavam a atenção de qualquer um, mas que logo, logo, provocavam uma sensação de desprezo pela figura. As pessoas nas mesas ao meu redor comentavam sobre ela e após constatarem que era um mendigo se desinteressavam.

Que era um velho o dono das barbas parecia óbvio. Jamais vira aquela pessoa na praça e creio que ninguém a conhecia também. Era um ser estranho. Não fossem as barbas longas diria que era um ancião indígena há muito tempo expulso da vida selvagem e degradado na cidade. Talvez tivesse vindo lá do sul do Pará ou do Maranhão, onde se vê tanto índio mendigando, bêbados, pelas rodoviárias

Acompanhei seus gestos. De vez em quando ele apanhava uma lata de alumínio do chão, ajeitava-a e pisava nela com força, até achatá-la. Depois a punha num saco que carregava às costas e ia e vinha embalando seu cansaço. Calculei que ele se aproximara dos quiosques no finzinho da tarde quando os frequentadores dos bares surgiam para suas confabulações habituais. Certa hora ele se aproximou de uma mesa onde estava um casal bebendo cervejas em lata. Muitas delas já haviam sido consumidas e, amontoadas, tomavam a forma de pirâmide. Ele chegou devagar e pediu as latas vazias com os olhos. O rapaz o encarou e jogou uma lata no chão. O velho abaixou-se para pegá-la, mas o rapaz o empurrou sobre umas cadeiras de plástico, rindo de um jeito antipático e covarde. A moça que acompanhava o valentão repreendeu-lhe nervosamente, pagou a conta e foi embora na frente. Tentei ajudar o velho a se levantar, mas ele se desvencilhou de mim, atravessou a pista e sumiu.

A lua minguante surgiu como um imenso olho de cachorro dentro de uma nuvem negra e a maré subia, subia, arrebentando o muro de arrimo, o último anteparo de uma enchente ameaçadora. O vento intenso parecia orquestrar o bailado das águas, vigoroso e circular, provocando frio. Eu não duvidei que naquele momento e naquele pedacinho da cidade a natureza estava conspirando contra mim. Havia muitas luzes em toda parte, e eu estava ali ensimesmado, viajando em desilusões e lembranças amargas, esperando um tempo novo para mim. Sentia-me como uma roupa lavada e posta para secar no varal em dias de inesperados chuviscos.

De repente tomei um susto ao erguer os olhos. O velho surgiu na minha frente me encarando como se eu lhe devesse alguma coisa. Tinha o olhar severo e desafiador. Intrigado, pedi que sentasse e resolvi lhe encarar do mesmo jeito. Seu semblante foi mudando devagar até que sorriu. Então pude ver que seus dentes eram de uma brancura inquietante, mas ele tentava mesmo era falar com os olhos, numa comunicação inusitada que surpreendentemente eu compreendia. E foi “falando, falando em silêncio”. Pelos seus olhos dizia dos fenômenos das marés e dos ventos como um mestre em Geografia; falou do céu e das constelações como um velho astrônomo egípcio; dos homens como um santo e do coração como um deus que abre todas as portas para o amor. Enquanto “falava”, percebi que manuseava uma lata de alumínio com movimentos suaves, assim como quem modela uma peça de argila. E após tantas viagens imaginadas, que quase fizeram esquecer minha tristeza, o estranho homem se despediu e foi caminhando com sua sabedoria em direção à fortaleza de Macapá.

Ficou em mim uma momentânea sensação de felicidade e a boca seca de vento e vinho. Mas logo voltaria aquele estado de amargura, de ter o coração fechado e um gosto de desamor e de abandono. Meus olhos apenas contemplavam o infinito. Foi então que ouvi o espocar de fogos de artifício e caí na realidade. Sobre a mesa estava uma chave retorcida feita de lata. Olhei ao redor, as mesas vazias. Um casal de garçons me acenava sorridente. Pensei no velho das latas, apertei a chave com força e uma sensação de paz abriu em meu coração para nunca mais se fechar para o amor. Olhei novamente em volta. O relógio do trapiche marcava meia-noite. Era natal e as luzes piscavam como meus olhos cheios de marés lançantes.

‘Boa sorte, sr. Gorsky’: a frase do século!

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No dia 20 de julho de 1969, Neil Armstrong, comandante do módulo Lunar Apolo 11, se converteu no primeiro ser humano que pisou na lua.

Suas primeiras palavras ao pisar no nosso satélite foram: “Este é um pequeno passo para o ser humano, mas um salto gigantesco para a humanidade”.Neil caminhando na Lua

Depois disso, Neil deu uma volta pelo local e antes de voltar à nave, mas quando estava quase chegando ele falou algo que deixou muitas pessoas no mundo inteiro intrigadas: “Boa sorte, Sr. Gorsky”.

Muita gente na NASA pensou que o enigmático comentário sobre algum astronauta soviético. No entanto, depois de checado, verificaram que não havia nenhum Gorsky no programa espacial russo ou americano. Através dos anos, muita gente perguntou-lhe sobre o significado daquela frase sobre Gorsky, e ele sempre respondia com um sorriso.

Em 5 de julho de 1995, Armstrong se encontrava na Baia de Tampa, respondendo perguntas depois de uma conferência, quando um repórter lembrou-lhe sobre a frase que ele havia pronunciado 26 anos atrás.

Desta vez, finalmente Armstrong aceitou responder. O sr. Gorsky havia morrido e agora Armstrong sentia que podia esclarecer a dúvida.

É o seguinte:10614026_782130101839040_1458906965_n

Em 1938, quando ainda era criança em uma pequena cidade do meio oeste americano, Neil estava jogando baseball com um amigo no pátio da sua casa. A bola voou longe e foi parar no jardim ao lado, perto de uma janela da casa vizinha. Seus vizinhos eram a senhora e o senhor Gorsky. Quando Neil agachou-se para pegar a bola, escutou que a senhora Gorsky gritava para o senhor Gorsky:

“O quê? Sexo anal? Você quer sexo anal? Sabe quando você vai comer a minha bunda? Só no dia que o homem caminhar na lua!”.

Por isto, o astronauta Armstrong mandou o recado direto da lua: “Boa sorte, sr. Gorsky !”

Fonte: Meu amigo Farofa

U CONTADÔ DI ISTÓRIAS (conto de Ricardo Pereira)

Derna u tempu d’eu moçu, ou mió, derna u tempu d’eu mininu, quanu cambava vorteandu pulas picada alêa, inhambadu a percurá bubuia di cacimba pra matá a sêdi di meus irirmão menó, já discunfiava di minha sina.
 
Sabia lá si era dom ou castigu – sei lá. Só sabia qui sabia cumu ninguém contá das disventura, das aligria, das dô i das isperança di meu pôvu.
 
Não, nunca tive istudu di dotô. U pocu qui sei tragu da lida, di minhas andança pulu mundu afora i dus exempru di meu pai, qui nossu Sinhô, dus altu di sua sabiduria, carregô cunsigu pra passiá nas bramura du céu. Pur issu, peçu pru sinhô qui num si avexi si pur acausu minha inguinorança atrapaiá us intendimentu du meu dizê. Si u Justu ansim mi primiti, dô tentu im meu ofíçu i contu du sacrifíçu i das pinura qui muitu cristão carrega inté vortá pru pó.
 
Inquantu falava i u sinhô mi oiava butanu butuca ni mim, fui mi alembranu dum cabra: Terençu da Viola.
 
Cidadão trabaiadô, prestimosu, meia-légua di hômi, forti cumu us marruá qui nós aperségui pulus campu nas lida du dia. Mas ninguém dizia… Cu’a fala mansa, us óio gatiádu, inspirava cunfiança i bem-querênça im todu mundu. Pur uns tempu cambô nestas banda, ali prus ladu du Buqueirão, ancima das Ribeira, u sinhô conhéci? Pois intão, cum tantus pridicádu assucedia qui a muierada si alvuroçava toda só pur ovi falá nu nômi du cabra.
 
Quanu Terençu, adispôs dus seus quifazê, é claru, puxava da viola pra mó di tirá umas nota … Vixi! Aí tudu disandava di veiz. Era um disassussegu só. Dava inté gostu di si vê. Qué dizê, in nós, qui num era donu di muierada nin’uma. Pru quê quem era, seu moçu, num achava graça, não!
 
É certu, intão, qui a piãozada num via cum bons óio essi regalu du violeru i das assanhada, mais ninguém si mitia a besta cum êli, não. Cumu já dissi, u hômi era duma fortura qui só vendu. Ninguém si alterava. Mermu Totonhu, u brigão da vila, qui si dizia imbeiçadu pur Nézinha. Quanu sôbi qui a morena tava inrabichada pelu violeru, fez cara di “nem ti ligu” e largô di mão u amô qui sintia pur ela i agora anda atráis di otra frô. 
 
U pobrema du tocadô foi tê arreparadu im quem num divia: Das Dô. Ah, sim, é verdadi qui nunca tentô nada, mas ficava aguniadu quanu ela tava pur pertu. Uma veiz segredô issu prum parceiru di prosa na Botica di seu Zé.
 
Im vistido di xita, ninguém ficava mais graciosa qui Das Dô. Eta muié linda: cabelu nas cintura, pretu, cubrinu um pescoçu branquinhu, cherosu… Issu sem falá nus óio. Ah, us óio di Das Dô, perdição – um jeitu di oiá sem oiá, di querê sem querê… Uma veiz, seu Zé, aqueli um da Botica, hômi lidu, informadu, disse qui paricia tão bunitu quantu us óio di uma tar di Capitu qui eli viu nus livru i qui seu maridu, um tar di Bentinho, chamava di dissimulada. Num sei quem é essa Capitu, nem essi Bentinhu, muitu menu u qui qué dizê a palavra ‘dissimulada’, mais si us óio dela forem tar i quar us di Das Dô, humm, devi di sê linda a danada!
 
Assucedi, seu manu, qui Das Dô tinha um donu. Pulo menu era ansim qui Zé-das-Venta pensava. I di tantu si achá donu, arreparava nim tudu dela. Vigiava tudu: seu andá, seu visti, seu falá i seu oiá… Aí danou-si. Si a fogaciosa num dava pista di ôtru jeitu, seus óio contava tudu. Apesá da disfarçatez, era só arrepará: tava cum oiá di muié apaixonada, aqueli mermu oiá qui êli pudia jurá, qui ela um dia lançô pra êli.
 
Zé-das-Venta, u tar qui si achava dônu da ditosa, pur tê si casadu cum ela, era cabra danadu di sigurá; quem relava nessi tinhosu curria mais riliadu qui gabiru-du-banhadu quanu grela us óio im onça-marruá. Arri, qui u bichu era brabu: num tinha seguna veiz quem cum êli purfiava nessas incruziada cerrada dessi mundo di meu Deus, nossu Sinhô!
 
I quanu u distemperadu discunfiô qui tinha arguma coisa errada, cumeçô a cunzinhá um prano pra mó di pegá us dois. Ela, sua branquinha, i u cabra, qui êli num sabia quem era, mas discunfiava… Certa veiz, êli si alembrava bem, oviu um pau-d’água falandu qui u tocadô si aguniava todu quanu ficava pertu di uma muié casada da vila… É claru, só pudia tá falandu di Das Dô o miserento…
 
Si eu lhi dissé, esse um, qui Zé-das-Venta num tinha medu da reação di Terençu, taria lhi mintindu, e issu é coisa qui num façu – quanu a ‘Da Cara Feia’ vié mi buscá, taí um pecado qui num mi leva prus discampadu du Demu… Pois bem, intonces u inciumadu tinha cagáçu sim, sinhô. Mas seu orgulhu i ódiu era inté maió qui eli mermu.
 
Divia di sê um sárbadu, seu mininu, umas oitu da noiti. A alumiadora já cumpria sua função lá nu céu, aclarianu tudus us caminhu, picadas i trechus aleius. Era di si gostá di si sinti u chêru frescôsu dus eucaliptu qui a brisa trazia di lá das várzi du Buqueirão. Ainda mais qui u chêru si ajuntava cum u prefume das frô dus piquiazêru qui si ábri nessa épuca du anu. Essas árvori inda sirvia di abrigu pruns tantu casal di namuradu qui pra lá ia apruveitá u iscurinhu pra mó di namorá.
 
Distoava dessi clima di harmunia, a disarmunia du coração di Zé-das-Venta, qui atucaiadu isperava u disinrolá dus acuntecimentu. Uma lambedeira na cintura, uma faísca nus óio i iscuridão na alma. Us pensamentu passandu alopradu na cabeça impampada di suó, i uma voz zumbindu nus ovidu: mata êlis, us dois!
 
Pra u sinhô num si perdê nu qui digu, eu contu u qui levô Zé-das-Venta a issu.
 
Pur vorta das uma da tardi, dessi mermu dia, deu di aparecê arrudianu u sítiu di Zé um mulequi, querenu falá cum Das Dô. Quanu essa uma viu u mulequi, disimbestô pulus caminhu i parô êli na portêra. Cunversaru um pocu. Zé-das-Venta mirava di longi, mais u suficienti pra apercebê u bilheti qui u porqueira du catarrentu intregava pra sua muié.
 
Quanu ela vortô, contô priucupada qui cumadri Zefa quiria falá mais ela um particulá, só qui num pudia dexá u velhu Bastião suzinhu, pur issu preguntava si Das Dô num pudia dá um pulu lá à noitinha. Das Dô dizia issu si inroscandu nu maridu, sabedora qui era qui pôcus hômi arresésti um pididu chorosu de muié – principarmenti quanu acumpanhadu du carinhu certu…. U sinhô mi intendi, né? Ela sabia qui Zé chiava mais sempri concordava cum ela, fazendu suas vontadi. Dessa veiz eli concordô mais num foi cunvencidu. Disfarçanu qui pricisava acunferi u restu das boiada, pois u patrão tinha pididu, saiu à cata du garotu.
 
Umas alevantada i uns cascudo fizéru u mulequi abri u bicu: Das Dô havéra di si incontrá cum arguém lá pertu da várzi du Buqueirão, imbáxu du piquiazêru mais maió du lugá. Zé-das-Venta só num sôbi cum quem pruquê u mazelentu du garotu jurô di pé juntu qui tinha arrecebidu u papé iscrivinhádu das mão da filha mais moça di dona Zefa, a Jacira, sem qui essa uma disséssi di quem era u bilheti. Num pricisô nem di a alcuvitêra tê faladu, êli sabia: só pudia sê du fio-duma-égua du violêru du Demu.
 
Pois intão, pur essi mutivu é qui Zé-das-Venta tava lá di butuca, prontu pru bóti. Mais mermu cum u clarão da lua u inciumadu tinha difircudadi di inxergá, já qui todu u ódio du mundu morava nu seus óio i nu seu coração.
 
Foi quanu, seu mininu, Zé viu sua muié nu caminhu cumu qui percurandu arguém. Sua frô, sua perdição. Cumu pôdi fazê issu cum eli, qui só lhi deu amô i fazia tudas suas vontadi? Já ia saí correnu pra pegá a disnaturada, quanu trupicô nu seu ódio i si estabacô nu chão. Nu qui alevantou as vista, adespois di si alimpá, já num viu mais Das Dô. Cadê u diabu da inganadora? Adondi si meteu? Uns quinze minuto adespois é qui cunseguiu avistá entre uns casal qui lá tava namorandu, pertu du piquiazêru mais maió, o disavergonhadu du violeru dus infernu, agarradu num vurtu di muié: a sua! Só pudia sê ela, seu amô, sua frô, sua perdição!
 
Sem contá cunversa pulô qui nem curiscu pra riba di Terenço, qui num tevi tempu di si desviar da pexeira. Mermu feridu, u violeru – cumu eu tinha dito – era cabra forti i mermu sem intendê direitu u qui acontecia, sacô mais qui dipressa di sua lambedeira i partiu pra riba di Zé-das-Venta. Nessas artura, tudu mundu correu pra vê o qui tava assucedendu i viram quanu us dois marruá caíru nu chão, rolandu ribanceira abaixo. Uma gritaria dus diabo sirvia di música pra peleja dus dois. Num demorô muito dois gritu medonhu suaram mais artu qui todus us otru gritu. Era dus dois. Tendu a alumiadora e us casal pur testemunha, us dois briguentu caíru, um pra cada ladu. Impampadus di suó i sangui. Ninguém si atrevia a chegá pertu delis. Só uma muié, a qui tava agarrada cum u violêru, gritandu cumu uma sireni, correu até lá. 
 
Quanu apercebeu qui us dois tava sem vida, si agarrô disisperada nu corpu marrudo di Terençu, chorandu cum toda força di seu peitu di menina moça: era Jacira, filha mais moça di cumadri Zefa, qui gritandu pra lua perguntava pru mó di quê aquilo havéra di tê acunticidu. Jacira, chorandu muitu, dizia qui tava di namoricu cum u tocadô fazia nem trêis dia i aproveitandu qui sua amiga Das Dô tinha marcado di si incontrá cum seu amanti secretu ali, marcô também cum u violeru, seu premeru i únicu amô.
 
Nessa merma hora, já distanti muitas léguas dali, Das Dô si acunchegava nus braçu di seu Zé, aqueli um da botica, qui tinha lhi prumetidu qui na premera oportunidadi largava tudo qui tinha e carregava cum ela da vila pra morá mais eli na cidade grandi, pois uma muié cumu ela, cum aquelis óio di Capitu, miricia um futuru mais mió.
 
Ricardo Pereira – Músico, professor e cronista. 

A noite promete

Conto de Ronaldo Rodrigues

Acordo com a maçaneta da minha porta sendo forçada. Alguém tentando entrar no meu apartamento. Meio tonto, me dirijo à porta e pergunto quem está tentando entrar. Ouço voz feminina:

– Ah! Desculpe! Me enganei de apartamento…

Logo me passa pela cabeça: se uma mulher errou de porta, de apartamento, deve estar muito louca de birita ou outra droga.

Abro a porta na esperança de que haja uma mulher muito bela e muito louca de birita ou outra droga querendo invadir meu apartamento e realizar fantasias e fetiches indizíveis com a minha pessoa.

Abro a porta e realmente há uma mulher muito bela e muito louca de birita ou outra droga se afastando pelo corredor, cambaleando, à procura de seu apartamento. Chamo a mulher:

– Você está bem? Posso ajudar?

A mulher volta seu rosto e eu constato sinais evidentes de embriaguez. Me aproximo e sinto cheiro de álcool e cigarro. A convido a entrar no meu apartamento, ofereço café forte, sem açúcar. Dizem que isso corta um pouco o efeito do álcool. Mas ela prefere vodca. Penso: “Opa! Essa é das boas!”.

Entramos em meu apartamento e ela vai logo se deitando no sofá da sala. Digo sala para dar um ar de grandeza ao meu apê, mas a sala é também o quarto e a cozinha. Sinto que ela está dormindo e tiro seus sapatos de salto alto. Ouço baterem na porta e vou ver quem é. É o marido, ou coisa parecida, da mulher. Vou logo explicando o que aconteceu e a mulher acorda gritando:

– Eu não tenho culpa de nada! Foi ele que me arrastou pra cá! Se aproveitou da minha embriaguez!

O marido, ou coisa parecida, me olha enfurecido. Tento explicar de novo, mas ele me interrompe:

– Eu não estou aborrecido com você, mas com ela! É sempre assim! Ela se engana de apartamento toda vez que enche a cara! Acho que, inconscientemente, ela não quer voltar pra casa. Não quer voltar pra mim!

E começa a chorar. Fico meio atarantado no meio daquela cena. Ele chorando cada vez mais escandalosamente. Ela debochando de tudo. De repente, ele respira fundo, para de chorar, limpa o rosto e fala muito decididamente:

– Eu não vou ficar aqui chorando! Vou sair! Ela que fique aí curando a ressaca!

Se dirigindo a mim, agora ele grita:

– Onde estão os sapatos que você tirou dela? Diga!

Digo onde deixei os sapatos, ele os pega, os calça e sai pela porta do meu apartamento, falando para a mulher:

– Agora você vai ver o que é vingança!

Fico sem ter o que pensar, o que dizer. A mulher, já totalmente refeita, pega dois copos, enche de vodca e começamos a beber. A noite promete.

O pouso do anjo viajante (por Fernando Canto)

Conto de Fernando Canto

Anjo migrador anda silencioso pelo trapiche que ora aporta – barco de sonhos, nave de asas longas. O anjo tem a pele avermelhada como a de um de buriti flutuante ao sabor da maré, e ronda misterioso pela frente da cidade onde pousa. Parece ter medo ou desconfia que ela não o receba. Ele olha, então, o rio, uma grande dádiva de Deus, e sente o vento lhe arrepiar o corpo como um hálito frio da madrugada, uma brisa que levanta seus cabelos aureolados pela luz contraposta da lua minguante, nesta noite onde a viagem parece terminar.

Depois que o dia acende sua fogueira e o rio se prende num alguidar é que se vê o anjo em sua humildade: é velho e está nu. De suas minúsculas asas se soltam antigas penas que pegam penura e depois descem mansamente nas águas. Ele caminha pela ribanceira para se hospedar na primeira casa que encontrar.

– Bom dia, diz ao homem da primeira casa. – Tenho fome, me arranje o que comer.

– Bom dia nada, seu velho tarado. Vá tratar de se vestir que já-já minha família se acorda e eu não quero que ninguém lhe veja assim.

O anjo se magoa. Ah, nada como um anjo magoado pela malícia e a incompreensão dos homens comuns. Ele chora, abana as asas e voa, para o espanto do homem da primeira casa.

Ele desce. Limpa as lágrimas. Assua o nariz com as mãos. Não desiste. Bate na segunda casa. Pergunta à dona dela: – A senhora poderia me dar água?

A mulher, ainda sonolenta, despeja-lhe um balde d’água e lhe diz: – Vá tomar banho, miserável. Isso são horas de me acordar?

Ah, ele sofre de novo. E chora e sobe e rola nas nuvens cirros, lamentando a incompreensão dos seres humanos, para o espanto e a confusão que fez nascer na cabeça da mulher da segunda casa.

Mas ele pára e releva tudo. “São apenas seres humanos”, pensa. Vai à terceira casa e uma criança lhe diz: – Entre vovô, deite na rede do papai que eu vou servir um café quentinho pra você.

A criança conversa como um adulto. Liga a TV, mas não pára de tagarelar. O anjo viajante fica abismado com a precocidade daquela criatura e se envolve em um diálogo onde não cabem tantas palavras e onde os gestos se rompem entre lágrimas retidas e rios de alegrias.

Perto do almoço o anjo sente o odor do peixe em cozimento. Gostosos cheiros de ervas desconhecidas para ele dançam no ar do ambiente. A criança lhe explica tudo, fala os nomes das coisas. Repete a toda hora: – Papai tá pra chegar, fique pro almoço. Ele saiu cedo pra pescar, mas já tá vindo.

Admirado, o anjo decide ir embora antes que o pai da criança chegue, pois não queria ser novamente ser incompreendido pelos adultos. Come a caldeirada de filhote, um manjar inusitado em sua desmemoriada vida eterna. Sai pé-ante-pé, saciado e contente, com as asas revigoradas empurradas pelo vento forte da maré.

Ao chegar lá em cima, começa a crescer tão desmedidamente que chega cobrir o sol. Olha para baixo: uma multidão de curiosos fere as retinas sob o sol. Todos querem ver esse prodígio.

O homem da primeira casa, que lhe negara comida e o escorraçara, a tudo assiste e lhe acena. A mulher que lhe negara água diz a todos os vizinhos que o saciara, mas que era um anjo ingrato. A criança da terceira casa – que lhe dera abrigo, água e comida – solta seus cabelos amarelos ao vento e ele então pára no ar, volta ao tamanho inicial e sorri. Faz um sobrevôo e de rasante rapta a criança e a coloca em cima das águas do rio. Ela anda sem medo e chama as pessoas para que a acompanhem. Todos vão a ela, exceto o pai, aflito, que acabara de chegar para o almoço.

O sorriso do anjo é forçado agora. Há de se notar que ele fora arrogante e não queria fazer o que fez. Mas está feito. As águas do rio se revoltam e todos nelas se afundam. Todavia o sol a pino se abre e raios brilhosos conduzem a criança a terra para os braços do seu pai.

Aí o anjo entra em seu barco alado, que agora parece uma bola de fogo, e parte levando em suas asas todos os cheiros, todos os gostos e todas as palavras ditas pela criança. Ouve-se um trovão e uma chuva amazônica desaba sobre a cidade.