CONVERSA FORA – Miniconto de Fernando Canto

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Miniconto de Fernando Canto

Todos os dias, no final da tarde, quando sentavam em frente às suas casas, os vizinhos daquele bairro jogavam conversa fora. E tanto falavam, falavam, que as palavras foram tomando conta das ruas e avolumando em monturos de lixo viciados, pois eram palavras feias, chulas, fesceninas, pornofônicas e grossas como os moradores. Ninguém ali tinha uma palavra amorosa, uma frase doce ou um sussurro carinhoso. Eram palavras de ódio que a pobreza e a riqueza dos homens e mulheres de todas as idades usavam contra si e contra tudo. E tanto foram as conversas despejadas pelas bocas sujas das pessoas que elas também foram se afundando num lodaçal indefinível que a enxurrada de escombros palavrais trouxe, sem que elas percebessem. As palavras precisavam ser lavadas, mas ninguém sabia o que era isso e então todos pereceram no esgoto medonho, onde mora a monstruosa língua viva que se alimenta da comunicação entre os seres humanos.

A MENINA QUE VOMITAVA PEIXES (Conto de Fernando Canto)

Foto: André Lessa/AE

Por Fernando Canto

A menina lavava a louça no jirau estendido para o fundo da casa de madeira. No quintal havia um lago de águas represadas que no tempo invernoso transbordava, formando um córrego que por sua vez desaguava no rio.

Barrigudinha, como quase todas as crianças ribeirinhas amazônicas, ela ajudava a mãe depois do almoço e guardava no armário de madeira branca os parcos talheres e vasilhas usados nas refeições familiares.Navio1max

Quando seus parentes dormiam à tarde, Kelly do Socorro – esse era o nome dela – se dirigia ao pequeno porto da frente da casa para olhar os navios transportadores de minérios parados ao longo do rio, à espera de carregamento. Ali ela se imaginava viajando num daqueles monstros de ferros que povoavam a paisagem e alimentavam seus sonhos. Acenava, também, para os pescadores passantes em seus barquinhos motorizados movidos à gasolina, pois as velhas montarias a remo agora davam lugar às rabetas. Mas até o barulho delas lhe encantava.

A mãedownload quebrava o encanto, chamando-a. Era hora de preparar o jantar, antes que os carapanãs que costumavam aparecer subitamente em nuvens ao anoitecer enchessem a casa. O pai chegaria logo com cachos de açaí para serem debulhados e preparados no acompanhamento da refeição do dia seguinte.

Kelly chorava. – Dói muito minha barriga, mãe. Não aguento mais isso todo dia.

A mãe retrucava. – Tu tens que fazer isso, criatura. É da tua natureza. E fazia massagem na barriga, no peito e na boca da menina com azeite de copaíba.download

Talvez por causa do amargor desse óleo vegetal ela não resistia e expelia pela boca dezenas de peixes sobre o jirau. A mãe escolhia os maiores, descamava-os com rapidez e os fritava para o jantar. Os restantes eram jogados ainda vivos no pequeno igarapé atrás da casa. Eram de várias espécies e se reproduziam e cresciam rapidamente, formando enormes cardumes, para a satisfação dos pescadores da área.

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Numa deRabeta navega por entre manguezal na ilha de Maiandeua (Algodoal), no Pará - Por Tito Garcezssas tardes de sonhos acariciados no olhar para o horizonte, a infeliz Kelly do Socorro, já mocinha e mais sonhadora ainda, estava sentada na ponta do trapiche quando ouviu o som de uma rabeta se aproximando. Levantou-se e viu um rapaz lhe acenando com um chapéu, convidando-a para uma volta nas águas antes que a tarde caísse. Era verão e certamente o espetáculo do crepúsculo lhe traria mais ardor e emoção. Pulou com destreza para dentro da embarcação e saiu com o desconhecido sob a explosão de um velho sol que se despedaçava em raios coloridos.spc

Desde esse dia ela não mais praticou o que a sua mãe lhe ordenava, exceto quando deu à luz, pela boca, a um menino de pele prateada e muito brilhosa, fato que levou a parteira do lugar a deixar a profissão e a vagar com os olhos fixos ao longo da ribanceira todos os dias, até desaparecer, dizem, comida por jacaré.

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Desse temdownload (2)po em diante os intervalos das marés na foz daquele rio são mais prolongados e não há mais abundância de peixes como outrora. Os pescadores se tornaram homens desesperançados, e a maioria vendeu suas terras e migrou para a cidade.

Kelly do Socorro agora amamenta o estranho filho na ponta do tr11ago2013---mulheres-conversam-em-trapiches-de-madeira-em-comunidade-ribeirinha-sob-pouca-ou-quase-nenhuma-iluminacao-1376087854937_956x500apiche de sua casa. Está sempre triste e cantarolando músicas que ouve no velho rádio de pilha do pai. Vez por outra, de forma escondida, quando o vento sopra forte e borbulhas emergem do rio, ela olha para os lados e, segura que não vem ninguém, abre a boca e joga n’água alguns peixinhos, que fazem a alegria e a algazarra dos bichos do fundo. O menino também solta aquele riso incontrolável de criança tenra.fabio-2

Ao pôr-do-sol ela se levanta com o filho e, como se esperasse alguém, olha por um bom tempo os navios cargueiros que começam a acender suas luzes lá longe. Então ela caminha em direção a casa pela estiva de madeira velha do pequeno porto, quando subitamente uma nuvem de carapanãs a arrebata acima das copas dos açaizeiros, e ela vê – imersa na felicidade – enfim, o moço sorridente que lhe acena com o chapéu, deslizando sobre as águas em sua veloz e barulhenta rabeta.

Muro branco – Conto de Ronaldo Rodrigues

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Conto de Ronaldo Rodrigues

“Ninguém vai me proibir de escrever uma mensagem neste muro”. Foi o que pensou, vendo aquele muro de brancura imaculada. O muro chamava mais atenção porque era uma ilha em meio a um oceano de muros pichados, desenhados, pintados, enlameados, carcomidos, vandalizados.

Ele nunca havia escrito ou desenhado nada em muro algum da cidade. Nunca tinha passado isso pela sua cabeça. Nem pensava em encontrar um muro como aquele, virgem de qualquer intervenção.

Ele sempre tivera um olhar de repulsa para a maioria dos muros pintados. Via aquelas figuras e letras apenas como simples vandalismo, como a maioria das pessoas via. Mas ficava maravilhado quando, raramente, se deparava com uma manifestação genuína de arte.

Tudo isso, passando vertiginosamente pela sua cabeça, o instigou a deixar sua impressão, sua expressão, sua marca naquele muro. Claro que, devido ao seu pouco conhecimento do universo dos grafiteiros, não trazia nenhum equipamento apropriado. Ele só intuía que precisava ser rápido, pois ouvia falar de alguns casos de perseguição policial e mesmo os grafiteiros não deixariam aquele muro ficar incólume por muito tempo.

Procurou na sua bolsa algo com o que escrever, mas nada do que encontrou, lápis e canetas, iria se destacar naquela superfície. Precisava de algo bem maior e encontrou o ideal para aquela missão: uma lata de spray jogada no chão, que ele não tinha notado até o momento em que começou a bater aquela inusitada vontade de grafitar.

Achou meio estranho aquela lata aparecer ali, mas não ligou para o fato. Pegou a lata e partiu para o muro branco, certo de que aconteceriam duas coisas inéditas: ele faria a sua primeira grafitagem e aquele muro receberia a primeira carga de spray de sua existência.

Quando ele apertou o pino que disparava a tinta, aconteceu o inverso do que esperava. A tinta que saía do spray, que também era branca, não atingia o muro e, sim, o nosso grafiteiro de primeira viagem. No momento seguinte, o muro passou a se movimentar em torno do grafiteiro, envolvendo-o numa dança louca, deixando-o entre maravilhado e aterrorizado, com seu corpo se misturando ao cimento e aos tijolos do muro e se diluindo em meio àquela brancura.

Em pouco tempo, depois que o grafiteiro despareceu, o muro assumiu sua posição inicial e continuou ali, esperando mais alguém disposto a devassar sua impenetrável brancura.

RECORTES (Conto de Fernando Canto)

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Conto de Fernando Canto

O trabalho do velho Rine era recortar jornais na Assessoria de Comunicação de uma repartição pública. Toda manhã o chefe lhe pedia que selecionasse notícias referentes a sua área de atuação para a produção de um clipping.

Um dia ele chegou mais tarde com os olhos vermelhos com ressaca de Gin. Tremia como um doente do mal de Parkinson. Seus colegas ficaram pasmos quando ele apanhou uma tesoura e começou a recortar todas as folhas dos jornais aleatoriamente. Depois cortou o bigode e os cabelos mal pintados de preto, e com alguma dificuldade, as calças e as cuecas. Decepou de uma só tesourada o inútil sexo para jogá-lo sobre a mesa do chefe. O sangue esguichava como um chafariz de anjos postos junto à mesa do computador. Ninguém teve coragem de ajudá-lo. Ao contrário, todos fugiram aterrorizados até alguém se lembrar de chamar a ambulância e os paramédicos do corpo de bombeiro.

Os gestos seguintes só foram vistos pelo chefe que ficara encurralado atrás da máquina copiadora. Rine cortou a língua e furou os olhos. Em seguida deu ma gargalhada gutural e “falou” coisas incompreensíveis.

Quando os bombeiros chegaram, ele havia acabado de cortar a jugular e seu corpo estrebuchava sobre as notícias espalhadas pelo chão. No ar pairava um cheiro de gin e o chefe saía do seu esconderijo arrumando a gaveta, preocupado com o clipping que teria de entregar ao seu superior.

* Publicado no livro EquinoCIO, de 2004.

Uma história para Finéias Nelluty – A Fronteira da Travessia

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A Fronteira da Travessia

Depois do mar do Oiapoque avista-se o do Caribe…

– Pra onde pensa que vai?

– Caiena!

– Qual tua idade?

– Dezessete.

– Não, não. Pode chispar daí se não tiver o dinheiro da passagem.

– O Claude Buchert está me esperando. Vai acertar tudo quando aportarmos.

– Descreio. Não conheço nenhum Claude. Mais: os franceses estão restringindo a entrada de estrangeiros pelo Atlântico; ainda: você é de menor!

O diálogo entre Corumbá e o menino aconteceu em 1987, no porto do Oiapoque, onde começa o Brasil. O pequeno, desacanhado, só queria atravessar a fronteira na busca do sonho de todo artista e não poderia temer o tatuado marinheiro musculoso e bafento.

Quando o menino conheceu Claude, francês de Tolouse, tempos antes em Macapá, ganhou a promessa de montar, em Caiena, uma banda que mostrasse a riqueza do ritmo amazônico. Tudo porque Claude, promotor musical, avistou certa vez o tal moleque multi-instrumentista num recanto tucuju e ficou deslumbrado com seu talento.

O marinheiro não permitiu o embarque.

Noite adentro, mar rosnando, Corumbá descobre o moleque encafuado entre outros passageiros, só com a roupa do corpo. Corumbá puxou-o pela gola da camisa para jogá-lo ao mar. O menino aponta para o piso do barco onde há uma fresta por onde mina água. Lá estava fincado o pé direito dele contendo o vazamento, pois a calafetagem havia descolado em plena travessia. Corumbá se viu em apuros e todos apelaram. Ele cedeu. A viagem toda foi o garoto jogando de volta, com uma cumbuca, a água que entrava pela falha.

Do caribe o menino só conhecia histórias do pai músico, que ligava o radinho de pilha para ouvir os ritmos, em ondas tropicais. Mas o menino queria mesmo era atravessar as ondas do rádio, beber da fonte e saber se a velha promessa de Claude ainda estaria no ar… ou ficaria no mar.

A monotonia da viagem foi vencida pelo marmulhar das ondas batendo no casquinho, cujo motor parecia falhar a cada estrondo na lateral. Não havia um trisco de horizonte; a noite era só breu e o céu sustentava estrelas e o sonho do pequeno. Foi-se construindo a esperança a cada hora, mas vez por outra era carcomida pelo medo de emborcar e todos virarem tira-gosto de tubarão.

Ele dizia que sua alma de músico era um rio estagnado, pois nenhum vento enluava a vela de seus sonhos. Por isso estava ali, caolho da vida com a voz trancafiada no amanhecer vindouro. Pelas esquinas de sua cidade vivia à deriva e sob ilusão de acordes e harmonias nas cantorias regadas a incertezas. Sentia-se irmão das coisas sem adjetivos. O próprio nome desafinava entre o sonambulismo de atravessar a fronteira e a esperança de encontrar Claude.

Relembra com exatidão a chegada, após fuga a braçadas até a praia de Montjoly – sem esquecer que o débito da passagem ficou “dependurado”, salvaguardado pelo pé do moleque. Por fim, a experiência jamais lhe saiu da memória e a travessia o assombrou por mais de três anos, até o retorno definitivo pelo mesmo caminho – coisa de memória, antes que a modernidade delete.

Na mochila da volta trouxe não só o culto à língua de Baudelaire, mas a tessitura caribenha transfigurada em zankerada.

Conta ainda que na volta reencontrou o velho marinheiro e fez questão de pagar uma passagem a mais e ainda resistir ao troco. Dívida saldada, Corumbá e o menino Fineias Nelluty se tornaram amigos.

Vinte anos após aquele diálogo foi iniciada a construção de uma ponte estaiada na fronteira entre as duas nações, mas ainda se aguarda por histórias de comunhão e progresso, que não devem afogar fecundos relatos de travessias pelo mar da história. Ou como diria na canção “A ponte” de Zé Miguel e Jeresier: Mais c`est bien plus qu`um pont une autre vision.

*História contada pelo médico e navegador das letras, Geraldo Roger Normando Jr, sobre o músico Finéias Nelluty

Mariléia Maciel – Jornalista

Chamem o advogado. Mas ele também está preso!

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Leiam um suposto diálogo que poderia ter ocorrido entre Delcídio e agente da Polícia Federal que lhe deu voz de prisão:

– Vossa Excelência está preso, por favor me acompanhe.
– Eu tenho direito a um advogado.
– Sim, ele já está preso ali na viatura.
– Tenho direito a um telefonema. Preciso falar com meu assessor.
– Nem precisa telefonar, senhor. Ele também está preso na viatura da frente.
– E se eu precisar de dinheiro pra fiança?

– Ainda sem problemas, seu banqueiro está na viatura de trás. Vamos embora!

*Fonte: Blog Espaço Aberto

Desenhos (conto)

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Conto de Ronaldo Rodrigues

Ele estava sempre com aquela pasta preta carregada de desenhos e as pessoas nos bares diziam, quando o viam se aproximando:

– Ei, lá vem o velho desenhista com aquela pasta preta, grande e suja.

Ele chegava à primeira mesa e perguntava se alguém poderia pagar uma cerveja, sempre ameaçando:

– Ou vocês pagam a cerveja ou eu vou abrir a pasta e mostrar uma infinidade de desenhos. Vai levar a noite toda. É melhor alguém pagar. Aí eu vou embora e vocês poderão continuar a falar essas bobagens que falam todo dia.

Alguém sempre pagava uma cerveja e ele ia embora. Bebia devagar, sentado na sarjeta. Quando a cerveja terminava, ele jogava a latinha no lixo e partia pra mais uma abordagem em outra mesa do bar. E assim ia até o amanhecer, quando os bares fechavam. Acho que nunca chegou a mostrar os desenhos a alguém. Pelo menos ninguém que eu conhecia, naquele conjunto de bares, tinha visto os desenhos. Eu me perguntava se eles existiam mesmo. Até quem numa noite eu quis ver os desenhos. Ele deu um pulo:

– Como? Quer ver os desenhos? Há quanto tempo você bebe neste bar?
– Uns três anos.
– E ainda não sabe como é o esquema?
– Que esquema?
– O meu esquema. Eu digo que vou mostrar os desenhos e as pessoas nunca querem ver. Acham que isso vai atrapalhar o papo. E atrapalha mesmo, são muitos desenhos. A galera prefere me pagar uma latinha pra eu ir embora.

– Tudo bem. Eu pago a cerveja, mas quero ver os desenhos.

Ele ficou um pouco indeciso, mas abriu a pasta gigantesca e já ia me mostrar os tais desenhos, quando eu disse:

– Pode ser que eu goste de algum desenho e compre.

Ele fechou a cara, fechou a pasta, pegou a cerveja que eu já tinha dado e saiu caminhando pra longe de mim:
– Comprar um desenho meu? Aí já é demais! Adeus!

Tudo bem, leitor. Eu também não entendi. Só sei que a minha curiosidade pra ver os desenhos aumentou mais ainda.

*Ilustração: Ronaldo Rony / Foto: Maria Lídia Cunha

Drops – Conto de Ronaldo Rodrigues

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Um submarino viaja atravessando os esgotos da cidade. Vez em quando, sempre que descobre um bueiro, mete por ele o periscópio e fica olhando cá pra fora. E vê que aqui fora tem muito mais lixo que dentro dos esgotos.

Sem sono/ sem sonho, atravesso a madrugada. Navego no ego, à deriva. Atravesso um oceano de insônia. Navego sem balsa, sem bálsamo, a nado, sem nada no bolso. Sem alcançar horizonte, sem alçar vôo. Amanheço a esmo. Permaneço o mesmo.

Um enfermo, um vampiro, um sábio chinês. Olhando-os rapidamente percebo serem as faces de uma mulher que se recusa envelhecer.

Papai Noel passeia pelas ruas desertas da cidade. Como/onde achar um bar aberto a essa hora da madruga?

Os dedos passeiam pelas cordas do violão. Pelo buraco saltam golfinhos verdes, azuis, brancos, laranjas… e ficam nadando na partitura.

Olhos atentos do cyborg na silhueta de Marilyn.golfinhos_da_natacao_escultura_fotografias-p153157469223354524bfr64_400 (1)

O balão estoura: bolhas de sabão no ar, cacos de vidro no chão.

A lágrima do olho esquerdo do palhaço cai no centro do picadeiro. Dela nasce uma flor gigantesca de onde saltam peixes e cristais.

Na mais movimentada avenida da metrópole os arranha-céus se movimentam em direção ao iceberg. O naufrágio é inevitável.

Em frente ao computador os dedos pressionam as teclas. As impressões digitais ficam impressas no monitor.

Ronaldo Rodrigues

LUZ DO FIM DO TÚNEL é cortada pela CEA – Conto de @ManoelFabricio1

Conto de Manoel Fabrício

Deus

Segundo diretor da CIA DE ELETRICIDADE DO AMAPÁ será interrompida para manutenção a LUZ DO FIM DO TÚNEL!! Devido à manutenção e reparos que não são feitos desde sempre.

Fomos entrevistar a Morte, Deus e o Diabo. Alguns de todos os prejudicados.

Nós: Morte qual sua opinião?

Morte: A tô de boa, tá morrendo muita gente no Amapá, no transito, no hospital, nos ônibus, nas praças, O estoque tá em alta, afirma com sorriso malandro. Tudo sussa!!! Ia esquecendo agradeço as mineradoras por aterrarem Santana com Arsênio tem uma galera se suicidando. Thanks.

Diabo: Sou um ser que gera luz própria, não igual ao vagalume, enfatizou.

Deus está preocupado, pois na noite todos os gatos são pardos. Há não espera, calma, olha ali é uma luz, está em movimento!? Há dorgas era um trem, afirma com feição de preocupação.

Administrador Sócio Ambiental alega ter tido um caso com loira da estrada de Santana

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Administrador Sócio Ambiental alega ter tido um caso com loira da estrada de Santana

Um cidadão amapaense, que não quis se identificar, deixou os integrantes da mesa de um tradicional bar da cidade de Macapá assustados, ao afirmar que teria passado uma noite de amor tão inesquecível quanto inacreditável em um motel da rodovia JK.

O fato teria ocorrido quando ele se dirigia para cidade portuária de Santana afim de curtir a noite com as nativas da região que frequentam a badalada pista de dança da boate Dimpu`s Club.loirafantasma1

Mas o seu objetivo foi interrompido bruscamente por uma visão inusitada. Segundo ele, ao dobrar na ultima curva antes da rotatória da fazendinha, uma loira exuberante de vestido branco apareceu na estrada acenando com o polegar pedindo carona, enquanto sutilmente levantava a borda da saia. Neste mesmo instante o motorista apertou forte no freio deixando marcas de pneu ao longo do asfalto.

Com o carro parado, ele baixou o vidro manualmente, então uma força estranha e hipnotizante tomou conta de cada molécula do meu ser. Esse momento intenso de deslumbre e magia deu a ele a sensação de que aquela mulher estava dentro da sua cabeça, uma coisa inexplicável segundo ele.

Então depois de colocar o seu queixo caído no lugar, conseguiu fazer um breve contato verbal: “Aí gata, onde é hoje?” Ele perguntou.mulher-estrada

Ela não teria respondido, mas considerou aquelas palavras um convite.

“Ela simplesmente sumiu da rodovia e apareceu sentada no banco do passageiro ao meu lado, já com o cinto de segurança apertado”. Revelou assustado.

Nesse momento, lembranças confusas da noite inicial vieram à tona. Que foi que eu bebi? Que foi que eu fumei? Isso é real? Ele se perguntava sem perceber que o carro já não obedecia aos seus comandos. Acelerava sozinho, passava as marchas sozinho e até o pisca-pisca ligava nas curvas, sem que ele movesse um músculo.

Ele não soube expldownload (3)icar como, mas quando se deu conta, estava estendido numa cama circular olhando para seu reflexo no espelho do teto do quarto. Enquanto isso, a loira saboreava o seu medo com um sorriso de satisfação. Então, em um piscar de olhos tão rápido quanto qualquer piscada de olhos, ela teria ficado nua e flutuado na sua direção substituindo todo aquele medo por um desejo ardente jamais sentido por um ser humano.

Daí pra frente ele preferiu guardar os detalhes do resto historia, alegou que as pessoas não entenderiam. Mas afirmou que hoje já pode morrer tranquilo, porque nada nesse mundo vai proporcionar a ele o prazer que sentiu naquela noite inesquecível.

Andre Mont’ Alverne

* Eu tava no bar quando o cara contou esse causo e também ri muito (Elton Tavares).

Minha história

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Conto de Ronaldo Rodrigues

Ei! Deixa eu te contar a minha história. Uma coisa que aconteceu comigo quando eu era criança. Foi lá na cidade onde nasci…

Ele me interrompeu, muito delicadamente:

– Você se importaria de deixar pra depois? Não é por nada, não, mas estamos sendo bombardeados pelo exército inimigo. Está chovendo bala e você, em vez de se proteger, fica tentando me contar a sua história. Se você não se cuidar, pode ser hoje o fim da sua história.

Me abaixei para não ser alvejado por alguma bala inimiga e dei razão a ele. Mas eu queria tanto falar daquilo, queria tanto contar a minha história. Insisti:download (2)

– Acontece que se hoje for o fim da minha história, se a gente morrer aqui nesta guerra, eu vou morrer com tudo isso que preciso falar pra alguém. Vou morrer com a minha história engatada na garganta. Seria o mesmo que uma bala atravessasse a minha garganta agora.

– É, mas pode ser que a gente não morra, se você se calar e cuidar de salvar a sua pele, como estou fazendo com a minha.

Me abaixei mais ainda, admirando intimamente a sua forma de falar, mesmo naquele tiroteio dos infernos.

*** *** ***

6fd3e66d69e77206ba780ed4915ffcdfPerdemos aquela batalha, fomos aprisionados e ficamos à disposição da corte marcial, que decidiria nossos destinos. Não vi mais aquele soldado com quem travei aquele diálogo sobre a minha história. Fui amarrado a outro soldado e aproveitei para falar a este:

– Tem uma coisa que eu preciso contar. Quando eu era criança…

Este outro soldado me interrompeu, sem a delicadeza do primeiro:

– Ô, cara! A gente tá aqui, amarrados, com fome e sede, a poucos minutos de uma decisão dessa corte marcial que pode nos mandar pro paredão de fuzilamento ou para a forca. Você acha que eu tenho cabeça pra ouvir alguma coisa?

Aproveitei a deixa:

Mas é justamente por isso. Se a corte marcial nos condenar, eu posso morrer em paz com a minha consciência, por ter falado pra você isso que eu quero falar. Você falou que está sem cabeça pra pensar alguma coisa e, por falar em cabeça, creio que, se formos condenados à morte, deverá ser por enforcamento. É pra economizar munição.tom_hanks_cast_away_006

Ele agradeceu a informação e pediu para que eu ficasse em silêncio. Depois que olhou mais atentamente para a minha aflição, me disse pra eu falar com o padre:

Se formos condenados à morte, acho que temos direito a um padre pra ouvir nossas confissões, dar a bênção final, essas coisas. Aproveita e conta a tua história pra ele.

Achei boa a ideia, mas eu achei que não seríamos condenados à morte. Ainda não seria daquela vez. No máximo, nos deixariam presos até o fim da guerra.

Foi o que aconteceu. Fomos libertados dois anos depois, com o fim da guerra. Esse tempo todo eu segurando a história que tinha pra contar. Nesses dois anos, tentei falar várias vezes, com vários companheiros de prisão, mas não encontrei ninguém disposto a ouvir.

*** *** ***

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O tempo passou pra mim (e pra todo mundo, claro) e nunca encontrei alguém que quisesse ouvir a minha história. Tinha desistido de contar, até que ontem, no meu aniversário de 98 anos, a minha netinha de seis anos olhou bem lá no fundo dos meus já enevoados olhos e perguntou se eu tinha alguma história pra contar.

Meus já enevoados olhos ganharam brilho e me preparei para contar o que aconteceu quando eu era bem pequeno, da idade da minha neta. Só que eu já havia esquecido, tanto a história quanto a vontade de contá-la. E minha voz já não saía. Mas aquela atenção da minha neta para a minha história me fez mais feliz, disposto a suportar mais alguns anos de guerra.

Que venha o mar

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Conto de Ronaldo Rodrigues

Devemos seguir, prosseguir. Cabeça erguida, passos decididos. Devemos seguir até que nossas forças cessem e encontremos novas forças para prosseguir. Digo isso para me convencer, já que não há outra maneira de suportar a caminhada. O cachorro ao meu lado está exausto. E ele não tem nada a ver com isso. Poderia ter ficado no conforto de sua gruta, caçando seu alimento.

Encontramos duas setas, uma indica a direita, outra a esquerda. Olho para o cachorro esperando que ele decida aonde ir. Ele pode recorrer ao faro ou simplesmente ao seu milenar sentido de orientação que o vem mantendo vivo até hoje.

O cachorro escolhe a direita. Eu escolho a esquerda e nos despedimos. Eu já trouxe muitos infortúnios para ele nesse meio século que caminhamos juntos. Deixo que ele siga seus próprios erros. Eu sigo os meus, até que aquele que decide sobre a vida e a morte apareça e resolva de uma vez por todas o enigma da minha caminhada.

Encontro uma mulher que me diz algo que não consigo escutar. É como se ela estivesse falando na televisão e eu tivesse baixado totalmente o volume. Prossigo, sabendo que aquilo que não ouvi deve ser uma coisa muito importante. Logo, outra mulher vem em minha direção. Ela fala muito e eu escuto tudo num volume altíssimo, um som que me deixa enlouquecido. Saio correndo da presença dessa mulher ouvindo suas inúmeras palavras que para mim não fazem o menor sentido. Corro pela planície, corro por muito tempo e a areia vai se estendendo pelas horas até o dia em que avistarei o mar.

Enfim, avisto o mar. Está diante dos meus olhos como se nunca tivesse se ausentado. Devo tê-lo visto no dia em que abri meus olhos ao nascer. Ele fugiu de mim por toda a vida até hoje. Hoje deve ser o dia da minha morte. Me aproximo do mar e ele vai se afastando, ficando sempre fora do meu alcance. Mas a minha decisão está tomada. Foi fácil tomar essa decisão, já que é a única que resta.

Me deito na areia, sob o sol. Me transformo em areia e o vento me leva. Sempre em direção ao mar.

Sangue – Conto de Ronaldo Rodrigues

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Conto de Ronaldo Rodrigues

O céu amanheceu sangrando. Isto não é uma força de expressão, um floreio literário, um reforço da imaginação. O céu amanheceu sangrando mesmo. A chuva de sangue banhava a cidade. As autoridades competentes estavam perplexas. Pelo menos, era o que parecia. As autoridades competentes estavam sempre fingindo dar importância às calamidades pelas quais passava a população. Esta, sim, estava perplexa mesmo. Afinal, era ela que sofria as consequências da falta de planejamento das autoridades competentes. A população estava a ponto de ser tragada por aquela tempestade de sangue.

Subi ao topo do edifício mais alto, junto com uma pequena multidão. Pequenas multidões ocupavam todos os edifícios. Grandes multidões já haviam sucumbido ao dilúvio de sangue. Eu fazia força para acordar, já que acreditava que aquilo não passava de um pesadelo.

A chuva aumentou mais ainda. Agora não eram mais gotas, eram cortinas de sangue se derramando sobre nós. Fiquei buscando na memória o aviso de que aquilo iria acontecer. Sempre fui muito ligado na previsão do tempo, não por me interessar pelo clima, pancadas de chuva, umidade relativa do ar, essas coisas. Eu era apaixonado pelas moças que apresentavam a previsão do tempo nos telejornais. Vai ver até que alguma moça do tempo anunciou aquele temporal de sangue e eu não prestei atenção, já que estava muito concentrado olhando para sua boca, seus seios, seus quadris.

Agora eu estava ali, com o rio de sangue subindo vertiginosamente, já atingindo a cobertura do edifício. As pessoas ao meu lado gritavam desesperadas. De repente, uma senhora olhou para mim como seu fosse o Salvador. Devia ser por causa dos meus cabelos compridos e minha barba. Ela devia acreditar que eu era Jesus e implorou para que eu fizesse alguma coisa. Muita gente acredita que Jesus é um super-herói e pode resolver qualquer parada. E eu fiz alguma coisa. Me joguei do edifício naquilo que já era um oceano de sangue.

Depois da minha morte, minha alma ficou perambulando pela cidade, talvez tentando entender tudo aquilo. Olhei pela janela e vi uma televisão ligada e uma moça do tempo falando daquela chuva de sangue. Logo em seguida, entrou a imagem de uma autoridade competente dizendo para que ninguém se preocupasse. A previsão da chuva de sangue tinha sido um engano. Não havia motivo para alarme.

O homem mais velho do mundo (por Édi Prado)

 
Mentir é feio quando o mentiroso é incompetente. Mas conheço um jornalista bem robusto até na mente prodigiosa, só para contar mentiras. É um profissional na área. O maior que o “seo Zuza’. 
 
Quando ele não está mentindo está pensando em mentir. Quando ele não está mentindo nem  pensando em mentir, está pensando nova mentira. Quando não está repetindo o mesmo texto até a nova mentira, ele está reciclando e atualizando as mentiras passadas. Quando ele não está fazendo nenhuma dessas opções, ele está fundindo as mentiras para sempre criar a sensação de novinhas. 
 
E ele contava  as histórias dele, os cursos que fez, os países que visitou e um atento jornalista, que anotava os detalhes da conversa, perguntou: quantos anos você tem? E o mentiroso, que tinha 50 e disse que estava com 35 anos. 
 
O jornalista então disse que alguma coisa estava errada, porque só de cursos ele já estava com 135 anos, fora as viagens, os locais por onde havia trabalhado. 
 
O computador, o rascunho técnico, foi feito por ele e roubaram da casa dele, quando morava na Serra e depois de anos não é que surge o computador, do meso jeito que ele havia projetado?

Foi ele quem inventou a Asa Delta e foi quem fez o primeiro salto lá em Pedra Branca. Ele disse que a história da Serra do Navio, do manganês no Amapá, que escreveu primeiro foi ele. Copiaram e não deram o crédito a ele. Vai processar. 
 
Trata-se de um legítimo Pinóquio e ele está entre nós, de uma forma ou de outra. Eu não acredito em Whisky serrano, mas que existe, existe.
 
Édi Prado – Jornalista