Poema de agora: Verbete – (@cantigadeninar)

Verbete

Tu és quase-ser-mítico
figura eternizada pelo tempo
desejo ilícito
prólogo da ciência:
és instante.
Momento.
Resultado de imagem para poesia verbete
Tu és quase-lenda
– passada geração a geração –
que abre uma fenda
entre múltiplas dimensões:
és portal.
Invenção.

Tu és quase-metáfora
fogo fátuo que não queima
catarse que explora
recônditos da consciência:
és seiva.
Néctar.

Tu és quase-musa
Marília de Dirceu
de Pitágoras, hipotenusa
palavra-linguagem:
és lírico (eu?)
Poesia.

Lara Utzig

Poema de agora: Engrande-SER – (@cantigadeninar)

Engrande-SER

Às vezes, por um lapso de lucidez,
Percebo o que sou dentro do universo
E noto minha infinita pequenez.
Se sou hábil para escrever algum verso,
Não é porque almejo qualquer glória.
Nessa vida onde somos nada mais que grãos de areia,
Sobreviver dia-a-dia já é uma vitória
Que queima, flamejante, tal qual centelha.
Entretanto, há algo que dignifica o homem;
Um sentimento capaz de nos transformar em gigantes,
Que dá sentido à rotina para louvarmos seu nome:
Sim, meus caros… Apenas o Amor nos faz grandes.

Lara Utzig

Poema de agora: ZEPELINS IMAGINÁRIOS – (Marven Junius Franklin)

Arte de Vladimir Petkovic

ZEPELINS IMAGINÁRIOS

I

O meu sonho?
Ah! Ele segue o trilho
de coloridos zepelins imaginários
que zanzam capengas rumo ao fim do mundo

(ele é embarcadiço
em naus portuguesas
que navegam desnorteadas
em busca de aleatórias índias acidentais)

II

O meu sonho?
Ah! Ele espreita
janelas adormecidas
a tatear ilusões em covas-rasas de anfibologias

(ele é delicado
como frágeis lepidópteros
a esvoaçar em meu quintal de sombras)

III

Ah, o meu sonho?
É rio que corre aperiódico
sobre enfadonhos mares fenecidos

(engole vidas e anseios
aparta alfobres de girassóis
e cobreja em calvários e vales da morte
até soçobrar entorpecido
na plataforma de embarque
de minhas incertezas)

Marven Junius Franklin.

Poema de agora: ROUTE 66 [OS VERMES SOBRE A LUA MORTA] – Para meu irmão Baby Franklin (Marven Junius Franklin)

Foto: Pedro Stkls

ROUTE 66 [OS VERMES SOBRE A LUA MORTA] – Para meu irmão Baby Franklin

Baby!
Tu não estavas comigo
quando fiz a rota estonteante de Kerouac [Oh! uma caça insana
pelas cercanias do fim do mundo!]
Sim brother!
Tu nem sabes…
mais como Edgar Allan Poe [ The mad poet]
solvi o néctar insípido da inspiração alucinada
Pasme Baby!
Em tardes mornas de Oiapoque [quando as tardes ateavam fogo no rio]
vi os vermes que se moviam doentios pela lua morta
a alastrar fés prolixas pelo píer de embarque
Entenda mano!
Que navegando a esmo pelas alamedas gris de Oiapoque
escutei a vozearia que emanava dos mortos em garimpos longínquos… [mortos adornados de paralelepípedos e face aterrorizada de tempestade]
Ó Baby!
Bukoviski deve ter rido de mim [amanhecido num pub em Los Angeles]
encharcado de boilermaker e delírios
[seu olhar impudico me disse do aspecto extenuado da velha prostituta]
Ah! Mano!
a embriaguez de agora é destinado aos meus mortos particulares
[a quem destinei todas as minhas noites em aberto defronte ao rio…]
Sabe Baby!
A Route 66 eu trago em meu cerne nômade
[a enaltecer o insólito]
sob as lonas policromados de um circo na velha Santarém
Sim! Sim!
Nosso velho pai [cor de aveia quaker] deve ter ambicionado fugir com os tristes saltimbancos em alguns momentos[ quando sentiu frio no pátio gélido do campo de aviação]
Baby! Baby!
Com os poetas excomungados [aprendi o que se pode ver além das velhas cercas de arame farpado que divisam castas e credos]
com Ginsberg e Whitman [desaprendi a predisser o empíreo com a lupa do conformismo…]
Ah! Baby!
Quantas noites em claro passei
lendo as estrelas que surgiam inermes em meu anfiteatro de dor [esperando que um trem de ferro cruzasse minha sala de jantar]
Sim brother!
Louis Zukofsky sou eu a galopar estradas de Imagismo
[vomitando rancor] quando as injustiças
espalhavam engodos e miséria pelas cidades perecidas
Ah! Irmão!
Do terraço do Bar do Parque
que in(lúcido) de bier[divaguei em desatinos]
aguardei o estranho adeus
[observando o ir e vir dos transeuntes
caminhando para o acaso!]

Marven Junius Franklin

Poema de agora: Ethereal (@cantigadeninar )

Ethereal

há uma citação de Scott Fitzgerald…
there are all types
of love in this world
but never the same love twice.
amores são sempre tão plurais
e singulares em cada recomeço…
basta dar adeus aos ais
abrindo chance para virar-se do avesso.
amores vêm e vão:
alguns resistem aos empecilhos,
outros ficam retidos em algum vão,
uma fresta, lapsos temporais presos em estribilhos
de poemas nunca publicados,
pelo chão espalhados,
por toda a casa;
casa esta que está impregnada
do aroma de antigos buquês de flores
e das lembranças de cada namorada.
eis que entre todos os amores,
um único é o amor de sua vida:
o dono da mais úmida lágrima derramada,
durante meses contida,
na resistência de aceitar a perda da amada.
em meio a esse processo
é perdoável qualquer excesso:
quando dizes se cuida,
no fundo ainda quero ser cuidada.
a tal tristeza é comprida,
cumprida fielmente e a cada dia
crescida na esperança de ser curada.
de todos os amores que tive,
em apenas um me detive:
o amor que se perpe(tua).
em mim há a absoluta certeza
de que serei permanentemente tua
e essa é minha maior fra(n)queza,
porque sou livre e mesmo assim sigo na contramão
ao ser ciente
de que meu efêmero coração
te pertence
eternamente.

Lara Utzig

Poema de agora: My Name – Luiz Jorge Ferreira

My Name

Meu nome é Luiz. Poderia ser ódio, poderia ser ócio.
Poderia ser ZYE 2… PRC 5… Radio Difusora de Macapá.
Glostora… Anti-sardinha… Q Suco de tangerina…Zé Raimundo, Bill,
Belizário.
Meu nome é latino-americano. Poderia ser Palestina, pele, Pelé, afegão.
Poderia ser S.U.S.
Yes, Please, Plus.
E se Modess, poderia estar Severino… Akai 47.
Nitrogringoglicerina.
Cancro Mole e Antraz.
O outro gole de Whisky. A água d’Água Raz.
Meu nome é Luiz.
De uis, e ois, e tchaus.
Depois dos vocês.Parei paralelo aos ninguens, nas margens das Marginais.
De Belchior e Quintais (Quadrados virtuais, dentro dos apartamentos.)
Abrasilereime.
Quase acolá e ali. Sem casa sem horizonte sem “Para donde?”.
PS, IML, por fim “Pés Juntos”.
Como se fosse qualquer coisa, como se coisa qualquer fosse.
Como se fome fosse pão, e pão fosse foice.
Meu nome é uivos, e hinos.
Poderia ser menino. boy, e ninõ.
Machô, Gay, e E-mail.
Mamilo de seios, e labirintos de clitóris.
Feto, Zero ou Pi de Pitágoras.
Poderia ser agora, momentâneo, indefinido.
Silencio de gritos, e nuncas.
Ancas, umbigos, e desejos.
Beijos.
Meu nome é quase preguiça, carniça, mênstruo, mel, fel, leu, e Zen.
Êxtase e soneira.
Como se fosse sede.
Feita flor de Urtiga, sobre a língua, as ínguas, e as feridas.
Meu nome pode ser vida.
Morte, algodão nos orifícios, olhos ausentes e sem alma, Karma fria sem
corpo. Moscas em redemoinho.Que das bocas caem, nas bocas e narinas, e
nunca mais nunca nada.
Nem que o Brasil faça um gol na Copa contra a Argentina.
Meu nome pode ser talvez, outrossim.

Ou encontro por acaso entre espermatozóides míopes, e óvulos afins.
Podem ser caos, universo, e átomo.
Atônito ato at ô cônico crônico.
Quiçá explodir Bombas de Chocolate saudáveis e ou no avesso espalhar
Spray(s) coloridos, e latas de laquê nos pelos do pênis.
Japonês… Nordestino… Amapaense por destino de vôo do Loide, ou da Panair.
Acne, Asma, ou Impingem.
Meu nome é Luiz, e não outro que seja este mesmo, a Leste, ou Norte do
Oeste.
Poderia querer sim, ser o Não.
Carie, flato, e dor.
Pus por fim, psiu sem P.
Melodia, berro, grito, uivo, grunhido, se lua no céu… Suor! Se sol… Chuvisco.
Ainda que Arisco.Poderia ser o amor.
Gritando na mão do alfabetizado mudo.
Eu cego.Poderia negar tudo
E o meu podre olhar de ateu.
Só procurar Deus.
Para perguntar.
— My Name?

Luiz Jorge Ferreira

*Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).
**Do livro Thybum (Poemas) – Rumo Editorial – 2015

Poema de agora: Sacrilégio – (@cantigadeninar)

Sacrilégio

Este poema é um pedido de perdão
a todos os outros poemas
que já desperdicei
amassei
apaguei
deletei
& joguei fora.

Em cada inefável aurora
minha culpa se multiplica
pela subtração arbitrária
de textos
liras
sonetos
silenciados pelo ego.

Ao julgar a qualidade
ou a falta dela
diminuo a mim mesma:
cada poema no lixo
equivale a menos um dia de vida na Terra
ou um dia a mais de penúria no inferno?

Lara Utzig

Poema de agora: ATO DE AMOR – Carlos Nilson Costa

ATO DE AMOR

Não nasci de uma ficção
e nem de um clone metálico
e sim de um ato de amor
com DNA livre que condena o sopro…
das injustiçass
das mazelas
e das injúrias
Nasci com a força do amor
como nasce um capim
e uma orquídea
rasgando o ventre amado
de minha mãe
Quero ser um louco
a perambular por aí,
sem saber prá onde vou,
prá onde fui,
indo sempre por aí
buscando o inatingível
soluçando o amor perdido
e encontrando o amor presente
Que sumam da minha frente
as turbulências da vida
pois as derroto sem pudor
violentando a convenção,
rasgo o espaço como um raio
e mando às favas quem não
viver como nasci
de um puro ato de amor
espero que aprecie.

Carlos Nilson Costa

Poema de agora: OPPIDUM – Fernando Canto

 


OPPIDUM TEMPO

Mas eu que joguei cacos de telhas nos telhados/ que cheirei flores amarelas das ruas pobres/ que enfiei fiapos de juta na medula/ e vi crescer calos de sangue nas cercas que separam o tempo,/ vi também que quem inova é apenas ele,/ esse ser de nada que me oprime/ sombra que me experimenta/ irredutível/ em dimensões ausentes de fronteiras./ Tempo/tempo/temporal.

OPPIDUM LATINO

Ah, mas eu sou também um filho desse estranho nome/ o oppidum latino/ inexpugnável cidade fortificada/ onde cada óbito revive/ em rituais das águas dos solstícios/ em liturgias do sol dos equinócios/ da tradição dos celtas ancestrais que te fundaram em tempos imemoriais./ Tempo/tempo.

OPPIDUM MURALHAS

Quem sabe à emoção de um terremoto trágico/ ao medo do mouro sanguinário/ da truculenta força visigoda/ do implacável gládio dos romanos/ Não me fortaleci em muralhas para te amar tardio,/ mas prenhe de sussurros/ canonizando o amor que trago em mim?/ Ó tempo! Ó tempo!

OPPIDUM AGUARDENTE

Quem sabe ainda/ a poesia absorvida em teus encantos/ não me fizeram ater-me em aguardentes de tuas ginjas/ e a jogar-me inebriado do teu vinho em barcos viajantes como eu/ que sonho a eficaz cimentação de tua resposta/ ao meu amor vivificado por teu nome? Tempotempotempotem.

OPPIDUM FUTURA

A quem será que cabe/ a tua arquitetura eclética/ os teus portais, torres e varandas/ os aparatos militares e as questões políticas que te tornaram História? Caberá para teus filhos alimentados de farinha de banana/doce de tamarindo/licor de taperebá./ De paxicás e mixiras? Ó tempora, ó mores!

Fernando Canto

*Do livro Canção do Amor Enchente.

Poema de agora: PAINAS – Fernando Canto

PAINAS

Que tempo é esse
Que me traz revesso
Como um dia comesse
A inevitável idade
Enlaçada em prantos?
Que acontecimentos/que fogos/que fatos?
Fogos/águas/e/terras/arribando/em fogo-fátuo
Nadando em tachos de brinquedo
Que chegam em painas de mungubas, samaúmas.

Voando além dos páramos,
Além dos estirões
E aluviões desmoronados?

Ele adensa manhãs e rompe silêncios
Escondidos até ontem no bico dos pássaros migrantes.

Fernando Canto

*Do livro Canção do Amor Enchente.

Poema de agora: Regresso – (@cantigadeninar)

Regresso

Cambaleante em meio às folhas,
meus pés vagueiam sem direção:
penso na morte como uma prece
[um momento de redenção]

não quero ser pó, tampouco fóssil
que petrifica sob a terra
que gera metano para o solo
[pedaço podre que se enterra]

sonho em me tornar algo mais útil
[quiçá eu tenha tamanha sorte]
amenizar as tardes de abril
no calor do hemisfério Norte

desejo dar flores aos namorados
e sombra para as crianças
ter tronco forte e que nenhum machado
me corte o fio de esperança

de segurar um bonito balanço
e gerar frutos aos que têm fome
e acolher em um domingo manso
os casais que vêm eternizar seus nomes.

Não me permito regressar ao nada
se posso fazer-me semente
e, dos pássaros, morada…
Cansei de ser gente:

Quando morrer, hei de ser árvore.

Lara Utzig

Poema de hoje : Val(idade) – (@cantigadeninar)

Val(idade)

I

Com medo de sua mortalidade,
Sentia tanta inveja dos felinos
Peludos, ariscos e distintos,
Que quis ter sete vidas para poder ir além.
Tinha pavor de falecer menino
E, sabendo da própria transitoriedade,
Começou a espalhar fofocas,
Desprezar o amor ao próximo,
Causar intrigas e semear discórdia
Pra ver se conseguia, de alguma forma,
Se por acaso ou por misericórdia,
Incorporar os anos de vida dos outros também.

II

Qual não foi sua surpresa,
Quando a longevidade alheia
Acumulou-se em sua existência.
De fato, já nem mais envelhecia,
Para desespero da ciência.
Mas chegou um ponto em que o fim da linha
Era a opção mais confortável a seguir.
Levou desde sempre atitudes tão mesquinhas,
Que agora sequer sabia para onde ir.
Quando se petrificou o secular coração,
Tomado pelo vazio da apatia,
De tão miserável, morreu um dia
Por causa da solidão.

Lara Utzig