Poema de agora: Sigilo – Lara Utzig – (@cantigadeninar)

Sigilo

tenho uma coleção de silêncios
guardados
em pequenos frascos
segredos
prontos a serem contados

enumerados
cada caso cabe
em uma garrafa diferente
suco de uva
perfume
saquê
aguardente

as vezes que não perguntei
5 minutos antes do final da aula
as vezes que me calei
na hora de dizer amém na missa
as vezes que relevei
para não começar uma discussão
as vezes que não comi
e fui dormir com preguiça de cozinhar
as vezes que amei
mas não fui correspondida
as vezes que não amei
mas precisei corresponder

meus silêncios são embalados em potes
de todas as cores
e rótulos
e esperam sempre
o momento errado
para serem revelados

o anjo mau sobre meus ombros quer pagar pra ver
a reação
a explosão
o vômito
o despejar sem perceber
meus silêncios acabam se tornando gritos
com aqueles que sequer merecem saber

duas vezes ao ano
atiro os receptáculos no chão

vidros dilacerados
[nunca saio ilesa]
coração exposto
temporária loucura
fúria à mesa
pseudo alívio que não cura.

Lara Utzig

Poema de agora: O PEDIDO – Pat Andrade

O PEDIDO

não me ligue
pra falar do tempo,
pra contar como sua agenda anda cheia
e as crianças já não o respeitam
ou que a cidade já não é a mesma…
não me ligue pra falar do carro,
do valor da prestação;
nem pra dizer que o aluguel está caro
muito menos do preço do pão…
me ligue pra falar do quintal,
do sabor do abacate,
daquela flor escarlate
que roubaste do horto municipal…


me ligue pra falar de amor
do lago da praça,
do velho trovador
e do palhaço sem graça…
se você quiser,
pode me ligar, querido,
mas por favor,
não me venha falar
da sua ou da minha vida…

Pat Andrade

Servidor da Justiça Federal do Amapá é selecionado para Concurso Nacional Novos Poetas 2019

Saulo Ribeiro

O servidor Saulo Carneiro Ribeiro foi selecionado na sexta-feira, 23/08/2019, para o concurso nacional de poesia “Sarau Brasil 2019 – Novos Poetas”. Saulo Ribeiro é amapaense e sempre trabalhou em órgãos do Governo Federal, notadamente no extinto Território Federal do Amapá e, também, no Banco do Brasil S/A. Formado em Direito, com pós-graduação em Direito Público, desde 1997 é servidor do TRF-1ª Região, exercendo suas funções na 2ª Vara Federal desta Seção Judiciária. Em 2012, mudou-se para Belém/PA e, por quatro anos, exerceu suas atribuições na SJ/PA, período em que, por mero passatempo, começou a exercitar sua veia poética como forma de amenizar a saudade da “terrinha”, como diz. E foi assim que, de tema em tema e, segundo ele próprio, de mais erros que acertos, acabou adquirindo o gosto pela literatura, em especial pela poesia, passando a dedicar mais tempo ao estudo de poemas e biografias de alguns mestres da poética nacional e universal. Mais recente, resolveu participar de alguns certames nacionais, logrando êxito no Concurso Nacional de Novos Poetas, com o poema “Doce Menina”, que, dentre os mais de 1.800 inscritos, foi um dos 250 selecionados para fazer parte da obra Antologia Poética, Sarau Brasil 2019.

Poema Doce Menina

Algumas vezes absorto, do nada,
Com uma simples ideia apenas,
Um imperfeito rabisco, uma canetada,
Saio a lançar palavras às dezenas,

Assim como faço agora.
Depois de um tempo não sei,
Aquela ideia que era só isso, outrora,
Levado sou pra outra que não pensei,

Que nunca foi minha,
Mas ante tamanha majestade não resisto,
Sou forçado a dobrar-me àquela rainha,
E assim, resignado, de mim desisto.

É quando acontece algo difícil de explicar,
Porque me escapa como dizer o indizível:
Esse frenético lançar de frases no ar,
Que à evidência parece não ser crível.

Mas no quadro geral que se desenha…,
Após mirar diversos prismas gradativamente,
Sinto então a ideia sufragada, a resenha,
Que rebenta na praia do meu pensamento.

E uma vez parida, essa doce menina,
Ainda que acaso a julguem,
Terá nome e sobrenome, será alguém,
E um dia quem sabe há de cumprir sua sina.

Saulo Ribeiro

Poema de agora: Pa de Deux – Jorge Herberth

Pa de Deux (JH)

O SOL derretido
Nas mãos do verão
Nos pés da BAILARINA

No olhar de despedida
O SOL
De barco
Navega um charco
Nos sonhos do PESCA DOR

O SAL no suor
Derretendo
Mágoas risos,flores
Calos dores
No âmago da pele
Textura no palco

O SAL derretido
No convés do corpo
Na maresia da partida

O SOL dissipado
Trinca
Em raios
Foge dos dias
Se abre em lágrimas de SAL
Nas manhãs
Temperadas de SOL
Presente futuro

O SAL pousa nas carnes
Escapa dos ventos
O SOL
AH, o SOL derretido
Derretendo SAL
Vinga em membranas
Aningais

O SOL
O SAL
Temperam em gotas
Sutilezas em corpos
Doces
Água marinha
Sargaço
O SOL não escapa da noite

O SAL derretido
Corre o tempo
Nas lágrimas do mundo sagrado
Amálgamas d’almas
O SOL
Sal dos dias
O SAL
SOL da vida
Das noites fugidias
Derretidos
Em barcos
E nuvens

Onde emergem
PESCADORES
Doces BAILARINAS

Jorge Herberth, em 13/06/2019.

Poema de agora: Diário Oficial de Outro DIA – Luiz Jorge Ferreira

Diário Oficial de Outro DIA

Páginas que sobram:- Umas.
1971.
Cai a primeira telha e chove.

Dez anos.
O navio que passa ao largo.
Incorporou-se ao quadro da paisagem.
O dia treze de Abril cai na sexta-feira e chove.

Depois da chuva.
Vendemos a casa para um consertador de guarda chuvas.
Que cobre a lua com um pano preto.
Faço um rabisco triste do navio soltando fumaça.


Dependuro-o na parede do quarto, sob o espaço vazio da primeira telha.
Na fotografia, datada de mil novecentos e sessenta e nove.
Vejo nos três, bizarros, para a Kodak desfocada.
Tomando um táxi.

1970.

Ana suicidou-se com barbituricos.
Eu quebrei um pré-molar comendo Fruta de Conde.
Migraram as Garças pintadas no pano de prato.

1980.

Tomamos um porre de Gim.


Curtimos tim…tim… por tim…tim…
9…1/2…Semanas de Amor.

Em 1990, houve eleições.
Hoje!
Doze de Outubro, chove.
Silvia, continua virgem.


Eu?
…me mudei.

Luiz Jorge Ferreira

* Poema do Livro “O Avesso do Espantalho” – Scortecci – São Paulo – 1998.

Poema de agora: ERRANTE – Ori Fonseca

ERRANTE

O amor é cego
O horizonte fica além do alcance da mão
Cada degrau no rumo
O muro antes do tempo
O buraco no caminho
O escuro…

O
Amor
É
Cego../

O faro como estrada
Onde está meu pai?
Menina! Eu sou menina!
Eu quero a luz! Cadê?
Eu sou menina! Onde?
Eu quero a luz pra ver!
Meu deus, eu sou menina!
Eu menina?
Eu quero a luz!

O
Amo
Re
Ce
Go.:

Os olhos de fumaça
O tato a encher os olhos
O cheiro a encher os olhos
Ouvidos como os olhos
Língua, meus mil olhos.
Passos descabidos
Rumos sem sentidos
Salto além do tempo
Passo aquém do espaço
Olhos de fumaça
Quero ver meu pai!

O
Am
Or
É c
Eg
O!-

O que é justiça?
Onde está Deus?
O que é Deus?
Onde é justiça?
A vida importa?
Justiça e Deus importam?
O que sou eu pra eles?
Deus e justiça, o que que são pra mim?
Por que meu tempo é errante ao tempo de meu pai?

O
A
M
O
É
C
E
G
O

Ori Fonseca

Poema de agora: UM RIO EM MIM – Pat Andrade

UM RIO EM MIM

o rio que corre em mim
carrega estrelas pro teu mar
desemboca em mil amores
deságua dores em marés

o rio que corre em mim
é um eterno pororocar
nasce e cresce nas tuas fontes
desfaz os sonhos no horizonte

o rio que corre em mim
vive em pleno preamar
no encontro de nossas águas
lava e leva minhas mágoas

PAT ANDRADE

SESC Amapá realiza evento de vivência literária com a apresentação “MARÉ LITERÁRIA”

O SESC Amapá promove a apresentação “MARÉ LITERÁRIA” nos dias 05 e 06 de setembro, com abertura para às 19h30, com a interversão literária – A Magia da Palavra – no Salão de Eventos do SESC Araxá. A programação segue com show, oficina e mesa redonda.

A Maré Literária põe em evidência a literatura local, nacional e internacional, trazendo nomes como Pedro Stkls, Thiago Soeiro, Carla Nobre, Aline Monteiro, Lucão, Mary Paes, Neth Brazão, Claudia Almeida, entre outros.

Oportunizando novos diálogos e interações com os leitores, o Festival Maré Literária busca trazer o intercâmbio entre autores nacionais e locais proporcionando uma programação voltada para a qualificação daqueles que escrevem e daqueles que se deleitam com a literatura.

Assessoria de Comunicação Sesc
Celular e WhatsApp: (96) 98407-9956

Poema de agora: PARALELO – Ori Fonseca

PARALELO

Levarei de ti o teu sorriso largo,
O brilho de teus olhos,
O doce de teus seios,
O cheiro de tua alma.
Deixarei contigo o meu pranto ardente,
O meu passo torto,
A minha escrita errada,
O medo de tudo.

E te visitarei nos infortúnios,
Em cada aumento de preço,
Em cada árvore caída,
Em cada topada surpresa,
Em cada amor perdido.
E arderemos juntos como bruxas nas fogueiras,
Como livros nas fogueiras,
Como dinossauros.
E viajaremos por universos sem dimensão,
Sem forma nem peso.

Eu estarei em teu sonho lúcido,
Assombrarei tua paralisia do sono,
Repuxarei tua perna em câimbras,
Cansarei teu sossego.
E me expulsarás.

Quanto tempo dura uma queda no sonho?
Quantos séculos Ana Karenina passou consciente debaixo do trem?
Quantas vezes morri e morrerei por ti, minha bem-amada, neste relógio de mil ponteiros?

Mundos que se cruzam,
Vidas que se atraem,
Histórias espelhadas – opostas e mesmas.
Eu me conheço em ti, em mais nada.
No sal do teu sorriso,
Na preguiça dos teus olhos,
No gelo dos teus seios,
Na pressa da tua alma.

E chocamo-nos casualmente
Num lance de dados mallarmaico,
E a sorte nos definiu.
Sei-te olhando nos meu olhos,
Sei-te vendo minha sombra,
Sei-te gota do meu sangue,
Cheiro do meu suor.

Não importa com quantas vidas colidirás.
Teus mundos paralelos são paralelos teus.
Não me dizem respeito teus eus sem “eu”.
És-me estranha o mais das vezes – sorte tua.
Sorte é tudo. Tudo é sorte!

Eu seguirei apontando para a expansão,
Viajando para o invisível,
Ouvindo gritos, gemidos, gozos, explosões…
E vendo em cada carcaça de estrela
A tua mão se estendendo à minha
E me chamando a sentar à mesa
E me oferecendo um prato quente
E me perguntando como têm sido as vidas.

Ori Fonseca

Poema de agora: O ESPANTALHO SÓ – Pat Andrade

O ESPANTALHO SÓ

Adquiri um espantalho.
Está sempre a espreitar
Quando chego ou saio…
Instala-se na janela,
Pendura-se no teto
e de onde está
Me conta em silêncio
O quanto se sente só.
E vai tecendo teorias
Sobre o que pode fazer
Sendo um feio boneco.
Me olha cabisbaixo
Com seu olho de botão
E pergunta tristemente
Se não me canso da solidão

PAT ANDRADE

Poema de agora: Sagrado Feminino – (@cantigadeninar)

Sagrado Feminino

Tem vezes que eu queria ser bicho.
Ser gente pesa.
Ser mulher pesa ainda mais.
dores mensais
dores diárias
seios fartos que servem só para ser colo do mundo
me desnudo
em paciência e sangue.

(Ser mulher no Norte
é sustentar o país inteiro)

Mesmo escolhendo não ter filhos
sou mãe daqueles ao meu redor:
amigos
alunos
colegas
namoradas
sei o nome de todos de cor
e jamais devo esquecer.
Mulher não pode falhar em nada,
mulher só precisa fazer as tarefas,
lembrar e ceder.

Ser mulher é abrir mão.
Ser mulher é não dizer não.
Sim para a mais suja proposta
sim para um encontro de bosta
sim para um compromisso extra
sim para uma reunião besta,
sim para tudo que resta.

Inclusive…
Ser mulher também é emudecer.
Já tive
que encontrar meu próprio remédio
para superar calada um assédio…
Aliás, essa é a única coisa
que à mulher é permitido esquecer.

Lara Utzig

Poema de agora: Saudade fuleira – @ManoelFabricio1

Saudade fuleira

Toda vez que vê passa e sorri sem graça
E diz no cumprimentar, bem no pé do ouvido; saudade.
ouço e não esboço reação
fico pensando, mas… que saudade mais fuleira
que não tem eira nem beira
Que não manda recado
que não liga
que não faz nada
só fala
não faz nem sinal de fumaça
Não escreve um recado
não manda um bilhete
é só um tirinete

Manoel Fabrício