Poema de agora: ÚLTIMA MODA – Pat Andrade

ÚLTIMA MODA

dobrei numa esquina do tempo
e dei de cara com a vida.
não gostei do que vi.
tomei outra rua,
outro atalho,
outro túnel.
atravessei preferenciais,


furei sinais,
perdi o freio,
perdi a hora,
perdi o rumo.
ando agora sem memória,
sem lembrança,
sem passado,
e sem futuro…

caminho sobre o nada…

olho as vitrines
que me oferecem
a última moda
em camisa de força…

PATRÍCIA ANDRADE

Poema de agora: Rastro de estrelas – Pat Andrade

Rastro de estrelas

é tanta estrela
no céu da Amazônia
que – ai, meu Deus! –
nem cabe…

o menino ribeirinho
que com elas sonha
– ai, meu Deus! –
ele sabe
e conta pra gente
que o rastro de luz
que brilha
sobre as águas
é – todo ele – feito
de estrelas cadentes
que resolveram tomar
um caminho diferente.

Pat Andrade

Poema de agora: Talheres Transparentes! – Luiz Jorge Ferreira

Talheres Transparentes!

Encontrei meus olhos do outro lado da mesa.
Mesa onde guardo um álbum de fotos, e escondido um caderno de receitas, inclusive um bolo de Tucumán-açu.
Guardo receitas do Sacaca, de infusões, para dor n’alma , e mandingas para desviar a saudade, do caminho até o coração.
Guardo a impressão digital do Coelho da Páscoa em uma saborosa Ceia de Natal, entre convidados ilustres,
os 3 Reis Magos, Papai Noel e o recém operado Saci Pererê.

Guardo sua mão acenando, e o desenho de mim, em suas costas, se afastando, e dando adeus.
Guardo a dança do ventre da princesa Zuleika, irmã gêmea de Alladin
Guardo com Alecrim e Cravo a montaria dos Reis Magos e o perdão dos dois ladrões.
Guardo o deslizar do dia la no horizonte entre as favelas dependuradas nos Morros do Rio de Janeiro.


Guardo a tristeza dos Cemitérios e a fé dos Cruzeiros que abrem seus braços, chamando os que estão embaixo de cruzes e rezas.
Guardo a torre da igreja e seu relógio atrasado e as nuvens passando carregadas de água e indo criar chuva no lago, oposto a seca terra do Nordeste.
Guardo os pés das Bailarinas e seus rodopios e suas finas silhuetas , sob a mesa, saciados, os obesos, e as lamparinas de chocolate.
Guardo comigo o vôo dos Pardais, e as decolagens de Generais, na Campanha da FEB.


Para que encontrar meus olhos, eu não ver não descolore a Rosa dos Ventos, para caminhar,eu só preciso me aproximar da saída.
Alegra-me a Música cantada na fala dos surdos, nas Libras dissonando em cada semi tom,
e alegra-me o chacoalhar do rabo das Serpentes, que me morde e mente dizendo que não dói.


Alegra- me o Paraíso onde eu deslizo meu corpo no sofá para atravessar descalço a cancela dos sonhos…
Bebo água…Bebo água…tomo Losartana…engulo Hidroclorotiazida…acredito que assim serei eterno…e se não tomar, não viverei para acordar.
Doutro lado da mesa, dois olhos depositados no chão. Eles estão me vendo, eu não os vejo mais.
Por isso escrevo poemas do avesso, do lado de fora para o lado de dentro,do lado esquerdo,para o lado estreito,rasgarei as páginas todas,em que risquei…


– Começo?
E embaralharei os parágrafos que desenhei…Para quê.
Por quê…e como.
Vejo a diagramação de Paris,vejo as Ferraris deslizando,e vejo um homem com um relógio Russo de Ouro, ele olha para a Torre Eiffel, e a Torre nem olha
para ele.


Pode ser que o sono que espero, atravesse o Canal da Mancha, atravesse a mancha de café com leite, seca, sobre a toalha da mesa,
e risque o vidro do relógio Russo de Ouro, mas eu continuo com os olhos doutro lado da mesa.

Sera que fui eu que sempre deixei os olhos do lado de lá da mesa, ou não existia mesa quando se criaram os olhos.

Luiz Jorge Ferreira

 

* Do livro de Poemas “Nunca mais vou sair de mim sem levar as Asas” – Rumo Editorial – São Paulo.

Poesia de agora: POEma ao lAÇO – Fernando Canto

Tela de R. Peixe/1984 – Acervo de Fernando Canto

POEma ao lAÇO – Fernando Canto

Não, não quero falar de gente
Em meu intento oculto
Pois o poema abre-se lento
E impoluto
À luz de vela

Em seu percurso
Traz palavras que se fecham
Em seus recursos

É manhã, cães de plumas
Voam, escalartes
E um claro signo de livra
Dos grilhões da noite

Meu poema é rocha sobre a carne
Não consiste em cúmulos ou nimbos
É mortal, tem lama, luz e flama
– Firma-se na própria ausência –

E como tal
Alimenta-se de vidro
E está preso apenas
Ao laço prata da memória.

Fernando Canto

Poema de agora: Don Juan da Amazônia – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Don Juan da Amazônia

Engravida as virgens
Conquista sem parcimônia
O Boto nas margens…

Ameaça Boiúna
Cresce mais e mais
Rasteja e inunda
Cobra grande voraz!

Criatura que corre na mata
Com os pés ao contrário
Entidade da floresta nata
Curupira, Caipora!

Sereia que (en)canta no rio
Destruindo sem mágoa
Qualquer homem perde o brio
Iara, mãe d’água!

Assombração que pede tabaco
E apita na madrugada
Quer fumo no escuro opaco
Matinta Pereira, rasga-mortalha…

Mágico amuleto
Que concede pedidos
Presente predileto:
Muiraquitã, artefato querido.

Esse tronco que sobe o rio
Padeceu por amor
Madeira levada pelo vazio
Tarumã, índio sofredor…

Pássaro raro
De plumagem vermelha
Com um canto lendário…
Uirapuru incendeia!

Naiá se afogou
Apaixonada por Jaci
Estrela que virou flor
Vitória Régia boia feliz.

A floresta traz consigo
Riquezas de tradições
A Amazônia habita ainda

O imaginário dos corações…

Lara Utzig

Poema de agora: É bom sentir – @ManoelFabricio1

É bom sentir

Mesmo quando tu acha que não sente
A dúvida paira como um pássaro
Na corrente de ar quente
Tu lembra levemente da dor de dente
Tu lembra levemente da topada com o dedão
Tu lembra da queda e do joelho ralado na diversão
Tu lembra da dor e de levantar, limpar a terra e correr
Tu lembra do que havia perdido na memória
Tu lembra que acordou domingo sorrindo
E lembra que sente
E fica se sentindo
É bom sentir

Manoel Fabrício

Poema de agora: PAU E CORDA (Poesia de parabéns do poeta Obdias Araújo ao maestro Joel Elias dos Santos)

PAU E CORDA

Ver o Joel Elias e o Rui Lobato na mesma fotografia
me dá uma gastura enorme. Não tenho comigo um cromo sequer
ao lado de Joel que o Fernando Canto grifou Valsinha
e o Cartório Jucá negligenciou o anexo. Não temos eu e o Rui Lobato
nenhum registro de nossas peraltices. Nem mesmo de quando
ele quebrou meu braço e eu sempre deixava pra depois
o tiro que daria na cara torta do Fotógrafo Mariozinho
por conta do total desconhecimento dos fatos.

O Olivar Cunha estava lá. Eternizou o flagrante
num de seus quadros mais aplaudidos
pelo público e pela crítica.

O Osvaldo Simões apoiado numa caixa de cerveja
segurava pincéis e paletas em mãos solicitas
de Romanceiro Chimango.

Manoel Sobral De Souza Sobral enviou-me agorita
a segunda foto onde Leonam e Noé do Bandolim
fazem as honras da casa e um atabaqueiro inserido
às pressas no contexto não sabe sequer o como
e o porquê de ali estar.

Ouço Rapsódia Húngara e penso
sem motivo algum no Joel Elias
que se vivo fosse hoje
completaria lúcido 127 anos.

Já o Oncinha
vai muito bem.
Obrigado!

(Poesia de parabéns do poeta Obdias Araújo ao maestro Joel Elias dos Santos)

Poema de agora: Prelúdio para a Catedral – Luiz Jorge Ferreira

Prelúdio para a Catedral

Encontro com Fernando Canto, parece que foi Ontem esses dez anos.
Aumentamos o grau dos Óculos.
Estou ileso, chamuscado , teso e ‘liso’, porém pareço eterno.
Ele fala.Eu falo.Bebe-se.
O tempo adoece.
Conversamos então sobre a solidão pousada no prato de azeitona, temo que sejamos herdeiros da mesma angústia que fala de canoas.
Digo-lhe que amaremos a mãe de nossos filhos, ele acha que Cuba pode vir a produzir mamão Papaya.
Divagamos sobre o fim de Tróia, e a glória de estarmos embriagados.
Bebo Conhaque e lhe segredo que sempre amei Helena.
Ele refere-se as Sereias como Sardinhas.
Diz que Deus é brasileiro, acho que tudo começou com um Símio.
Conhece uma Marcha Turca que termina em palmas, canta e eu aplaudo ritmicamente.

Belém está afônica.
Ele imita Sancho, eu imito o Capitão Gancho e Brizola.
Um Padre passa para a Igreja, atiro nele um caroço de azeitona.
Fernando vê-me menino, eu o vejo imberbe, fazendo poemas para as meninas do Colégio.
Digo-lhe que amaremos os netos de nossos filhos.
Ele acha que postumamente.
Rimos a ‘bandeiras despregadas’.
Mais ou menos de pé, cantamos o hino, despidos como nascemos.
O dono do bar, nos xinga.
É Domingo, saímos do bar, para a Missa.

Luiz Jorge Ferreira

Os poetas Fernando Canto e Luiz Jorge Ferreira, em algum lugar do passado.

* Do Livro Thybum – Rumo Editorial – 2004 (Primeira Edição) – São Paulo.

Poema de agora: Festa para Pammela – De Pat Andrade para sua irmã

Pammela Andrade, irmã da poeta Patrícia Andrade

Festa para Pammela

mesmo que não tenha festa,
faça a sua.
uma festa particular,
onde possa festejar a vida.
Festeje as conquistas;
Mesmo as pequeninas
(às vezes essas são as maiores).
Festeje as descobertas;
Mesmo as que todos já sabiam
(e você nem desconfiava).
Festeje seus frutos.
Eles fazem parte de você.
(e um dia não estarão mais à sua sombra).
Festeje a vida dos que estão ao seu redor:
Eles fazem você ser quem é.
E, finalmente, festeje-se!
Você é a pessoa mais importante da sua vida!

Pat Andrade

Poema de agora: O VENTO DE PIRRAÇA – Pat Andrade

O VENTO DE PIRRAÇA

no azul do céu,
uma nuvem menina passa…
flutua com graça…
mas, o vento,
ciumento (que desgraça!),
de súbito a esgarça.
a menina despedaça…
o malvado disfarça


e segue sua farsa:
passa o seu tempo
dedicado à caça;
logo, logo,
outra nuvem menina
esvoaça…
ele vai lá e a escorraça.
só pra fazer pirraça

Pat Andrade

Poema de agora: Biografia – Luiz Jorge Ferreira

Biografia

Três cavalos passam adiante da casa.
Os cachorros da rua, os perseguem em algazarra.
No Quintal um velho cão, magro, cansado, quase cego, se arrasta com dificuldade até o portão, com muito esforço late algumas vezes.


Satisfeito e feliz, retorna… ofegante, rastejando,quase morto.
Os cavalos passaram na direção contrária.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro Cão Vadio, publicado pela Imprensa Oficial do Governo Federal do Amapá, em 1986.