Poema de agora: O VENTO DE PIRRAÇA – Pat Andrade

O VENTO DE PIRRAÇA

no azul do céu,
uma nuvem menina passa…
flutua com graça…
mas, o vento,
ciumento (que desgraça!),
de súbito a esgarça.
a menina despedaça…
o malvado disfarça


e segue sua farsa:
passa o seu tempo
dedicado à caça;
logo, logo,
outra nuvem menina
esvoaça…
ele vai lá e a escorraça.
só pra fazer pirraça

Pat Andrade

Poema de agora: Biografia – Luiz Jorge Ferreira

Biografia

Três cavalos passam adiante da casa.
Os cachorros da rua, os perseguem em algazarra.
No Quintal um velho cão, magro, cansado, quase cego, se arrasta com dificuldade até o portão, com muito esforço late algumas vezes.


Satisfeito e feliz, retorna… ofegante, rastejando,quase morto.
Os cavalos passaram na direção contrária.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro Cão Vadio, publicado pela Imprensa Oficial do Governo Federal do Amapá, em 1986.

Papo Literário com Pat Andrade

Os acadêmicos do curso de Letras da Universidade Federal do Amapá (Unifap), do Campus de Santana, fizeram este vídeo, para falar do trabalho da poeta e colaboradora deste site, Patrícia Andrade. Assistam:

Poema de agora: Nova lua – Luiz Jorge Ferreira

Nova lua.

O boto deflorou-se na lua.

Sentiu a vista turva.

E um enjoo de caju.

No ventre ergueu-se um caroço.

Depois do mexerico dos outros peixes.

Escondeu-se no meio do esterco, flutuante do cais.

E deu cria a um pedaço pequeno de luz.

Chamado…Luar.

Luiz Jorge Ferreira

* Do livro Cão Vadio – 1986.

Poema de agora: EU TÔ CHEGANDO, BELÉM – Pat Andrade

EU TÔ CHEGANDO, BELÉM

pra me receber,
quero Waldemar encenando boas-vindas;
quero Ruy Barata com asas de miriti;
quero a chuva da tarde pra me lavar a alma;
quero o tacacá pra me aquecer o coração;
quero tua manga mais doce,
meu verso mais forte;
quero tua Praça mais bela,
minha mangueira mais velha;
quero tua noite mais louca,
minha avenida mais longa;
quero teu Largo do Carmo,
minha rua mais estreita;
quero tua Igreja Matriz,
meu Theatro da Paz,
quero meu Bar mais antigo,
meu garçom mais amigo.
quero a minha cidade
que tanto bem faz.

Pat Andrade

Poema de agora: Barbárie – (@cantigadeninar)

Barbárie

e foi assim:
um estrondo-estopim
é festa?
foguete?
a rua inteira desembesta
a correr.

na frente do campo de futebol
na frente de casa
no sol
de quatro horas da tarde
um corpo-massacre
em uma poça rasa

absurdo:
o barulho?
um tiro-certeiro
foi ciúme?
queima de arquivo?
naquele horário não passou carteiro,
só a Morte acertando em cheio.

esgoto a céu aberto
o povo boquiaberto
o homem na vala
da indiferença
e do desalento
cercado de gente que fala
sobre a sentença
do esquecimento

a polícia chegará logo
para fechar a avenida
a TV virá fazer filmagens
para o jornal do outro dia
transeuntes já compartilham imagens
pelo Whatsapp.

o homem-fulano
o homem-humano
o homem-na-sarjeta
tinha nome
e identidade
e agora repousa
sob raios ultravioleta

mas o perímetro
está ficando intrafegável
e preciso trabalhar.
é provável que a passagem
fique interrompida.
abro o portão com desgosto
sem sequer olhar
o rosto…

cúmplice-selvagem
da barbaridade
em meio ao zumzum,
sigo rumo a uma noite comum
na universidade.

Lara Utzig