Hoje tem espetáculo (Conto de Ronaldo Rodrigues)

Hoje de noite, no circo.

 

A faca descreve um desenho no ar, indo cravar-se na tábua, a poucos centímetros da têmpora esquerda de Alexandra.
Aplausos.
 
A plateia exulta a cada arremesso. Parece que as facas nasceram juntas com Mustaphá, tal a destreza que ele demonstra com elas. E lá vai mais uma cravar-se próxima ao pescoço de Alexandra.
 
Aplausos. 

 

Mas o que vejo? Mustaphá vacila por alguns segundos, como se não soubesse o que fazer. Isso não acontece com Mustaphá. Suas mãos tremem, seu cenho está franzido. A plateia nada percebe, hipnotizada pelo espetáculo. A impávida Alexandra também nada percebe. Fico aflito, pressentido um terrível acidente, quando vejo a faca voar para o alvo do qual Alexandra é o centro. Mas o trajeto repete o das outras facas e o ponto atingido é aquele que deixa Alexandra fora de qualquer perigo, a única pessoa a salvo neste circo.
 
Aplausos.
 
Continuo observando Mustaphá e noto sua expressão de aborrecimento. Pensando no que pode estar irritando Mustaphá, uma das pessoas mais tranquilas que já conheci, volto ao momento em que estive com Alexandra, hoje de manhã, no rio.
*** *** ***

 

Hoje de manhã, no rio.
 
Ao chegar a qualquer cidade, o circo sempre se aloja perto de um rio, onde as roupas são lavadas e os animais bebem água. É perto do rio que mais gosto de ficar, jogando pedrinhas na água, vendo os círculos se abrirem. Existe outro motivo: é aqui que Alexandra lava suas roupas e as de Mustaphá. Ficar perto de Alexandra é sempre muito bom.
Tomo coragem para me aproximar. Ela está distraída e toma um susto quando chego perto. Dá uma bronca, de brincadeira. Pego uma pedrinha, faço alguns malabarismos e termino o número com um truque barato de mágica, transformando a pedrinha numa flor. Alexandra sorri e fala:
 
– Você é o palhaço mais sem graça deste circo, mas pode ficar aí, se quiser.
Claro que quero ficar perto dela. Alexandra é uma doçura. Fico olhando para ela e falando algumas bobagens, sem conseguir dizer o que realmente quero.
 
Mustaphá chega no momento em que rimos de uma piada do meu surrado repertório. Ele faz uma cara de reprovação e, enquanto leva Alexandra para o trailler, me lança um olhar irado. É a primeira vez que vejo Mustaphá demonstrando ciúme.
 
A bela Alexandra é assediada por todos no circo. O trapezista se joga do alto por ela, o domador daria uma perna ao leão por ela, mas Mustaphá sente ciúme de mim, que não tenho a mínima chance de uma relação com Alexandra além da amizade. O que é uma pena…
*** *** ***

 

Hoje de noite, no circo.
 
O olhar de Mustaphá de hoje de manhã se repete agora na hora de seu espetáculo. Está visivelmente incomodado com o fato de ter visto Alexandra conversando comigo. Bobagem!
Mustaphá limpa o suor da testa e lança a faca, que vai cravar-se a dois centímetros da cintura de Alexandra.
 
Aplausos.
 
Restam apenas duas facas para que Mustaphá termine seu número. Desta vez, a faca arremessada surpreende a plateia, indo cravar-se no ponto exato em que se encontra o coração de Alexandra.

 

Silêncio.
 
Após alguns segundos de total silêncio, entramos em pânico. Correria e gritos lotam o circo. Corro para socorrer Alexandra e vejo Mustaphá arremessar sua última faca. Na minha direção.
 
Silêncio.
 
Escuridão.

Carta para meu ex-senhorio – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Adeus. Estou de partida. Estou deixando a sua casa. Por favor, aceite o que deixo. Sei que o senhor não precisa dessas coisas, mas pode doar, se quiser doar, doa a quem doer.

Aí vai o inventário, quase inventado, do patrimônio que ora outorgo ao senhor:

– Um guarda-roupa que já chegou velho na minha vida. Nele, deixo guardadas roupas, como seria de se esperar, já que se trata de um guarda-roupa. As roupas estão velhas, mas em ótimas condições de reaproveitamento, basta uma boa lavada. As pessoas que vão receber as roupas devem desempenhar essa tarefa.

– Um colchão, também velho, que recebeu sonhos tranquilos e alguns pesadelos bem agitados. Também tive sonhos eróticos, mas não cheguei a gozar no lençol, nem no colchão.

– Uma cadeira e uma mesinha, em que muitas vezes produzi os textos que os meus leitores recebem, vez em quando, aqui neste blog.

– Um ventilador desses bem grandes, que fazem um barulho ensurdecedor quando funcionam. Quando funcionam, o que não é o caso deste. Ele ainda pode ser consertado, mas duvido que volte a funcionar sem fazer o tal barulho.

– Três pares de tênis que se preparavam para dar no pé quando foram capturados pelo Esquadrão Caça-Quinquilharias-Tralhas-Trecos, formado por este escriba que digita estas mal tecladas linhas.

Outras coisas:

– Deixo a pia do banheiro sem funcionar, mas ela já estava assim quando ocupei o apartamento.

– A lâmpada do banheiro queimou e eu não tive dinheiro para comprar outra. Peça ao próximo inquilino que providencie a reposição.

– A durabilidade da lâmpada da sala deve ser alvo de todos os elogios. No tempo todo que aqui passei, mais de dois anos, a lâmpada sequer oscilou, mesmo com todas as quedas de energia que a companhia (ir)responsável foi capaz de descarregar sobre nós, pobres (e cada vez mais pobres) contribuintes.

Ao futuro inquilino que vier ocupar este quarto que já foi minha cidadela inexpugnável faço votos de que não seja perturbado pelo eco dos meus pensamentos e sonhos que ficarão impressos por muito tempo ainda nessas paredes.

Obrigado pelo período em que o senhor permitiu que eu passasse na sua casa. Quando eu tiver uma casa, faça uma visita, tome um café, fique por cinco primaveras. Minha casa sempre será sua casa, casa de todos nós.

Enquanto espero o ônibus – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Muitas ocasiões existem que te transformam num completo idiota. Como esta: ficar esperando ônibus por mais de meia hora, à vezes mais de uma hora. Me refiro especificamente à linha Zerão-São Camilo. Acho que só tem um ônibus nessa linha. Nem lendo, mexendo no celular, fumando ou fazendo palavras cruzadas é possível manter a paciência de esperar.

Algumas pessoas estavam aqui antes de eu chegar. Com certeza, eram mais jovens, mais viçosas, mais esperançosas. Se eu não estivesse exercitando a minha mão escrevendo, já teria criado teia de aranha ou desenvolvido cãibras. Vou aproveitar as próximas manifestações e pedir mais ônibus para a linha Zerão-São Camilo. Mas como tenho muito de Pollyanna em mim, tento enxergar uma coisa boa em cada situação. Aproveito o tempo de espera como tema e passo a desenvolver um texto para enviar ao Elton Tavares, que já está esperando por uma crônica bem mais do que eu estou esperando nesta parada de ônibus. Vamos ver se concluo o texto antes que o ônibus apareça no horizonte das minhas aflições. O encontro que tenho já está comprometido. E olha que eu me adiantei bastante, justamente para evitar atraso.

Olho para a esquina em que o ônibus desponta e… nada! Estou concluindo o texto. Me distraio de vez em quando olhando para o ponto em que o ônibus aparece e chego a esquecer totalmente o motivo de estar esperando ônibus. Faço um esforço e lembro. Sim, tenho que chegar à casa de um amigo, para fazer um trabalho, e ele já deve estar pensando que eu não vou mais. Uma pessoa aqui ao meu lado disse que ia contar só uma coisinha para a amiga e já narrou todos os acontecimentos dos últimos seis meses de sua vida. O tempo de espera permite isso. E ainda emendou pela novela, o Big Brother Brasil, o The Voice Kids e um comentário sobre as manifestações. É mais uma analista política que aproveita o momento para brilhar.

Ops! Lá vem o ônibus. Deu tempo para escrever uma crônica. Menos mal. Olha aí, Elton! Consegui escrever alguma coisa para o teu blog. O quê? Demitido? Calma aí, meu! Me dá mais essa chance! De qualquer forma, o texto está aí. Aproveito para deixar aqui o meu protesto:

– Mais ônibus para a linha Zerão-São Camilo! Mais ônibus para a linha Zerão-São Camilo! Mais ônibus para a linha Zerão-São Camilo!

No manicômio (devaneio de Ronaldo Rodrigues)

 

 
De repente, ouviu-se um barulho ensurdecedor. Era a tarde que caía.
 
O diabo do filho do vizinho passou com sua banda, fazendo um barulho dos infernos.
 
O silêncio que imperava pegou sua coroa e saiu de mansinho, já caindo no chão, morto de vergonha.
 
Sentiu-se um forte cheiro de tinta. Era a meninada pintando o sete.
 
Com uma enorme colher, a empregada alimentava a vã esperança de que tudo se ajeitasse.
 
As pessoas atiravam em todas as direções, tentando matar o tempo.
 
Ouviu-se uma pancada e um berro desafinado. O relógio tinha batido a hora errada.
 
O cheiro de comida veio da cozinha armado até os dentes de alho e invadiu a sala prometendo matar todo mundo… de vontade de comer.
 
Ronaldo Rodrigues

Previsões do cientista Albert FrankEinstein – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Albert Einstein esteve novamente sob os holofotes há pouco tempo, quando ficou provado que existem campos gravitacionais além dos que já sabíamos. Ele falou disso há 100 anos e neste início de 2016, século 21, os cientistas comprovaram a existência dos tais campos gravitacionais. Einstein voltou a ocupar os horários nobres das emissoras de TV, blogs, sites e redes sociais, fazendo com que o físico alemão ganhasse mais um título em sua carreira, o de Físico Mais Fodástico do Universo.

Pois bem. A CDNRN – Central Detectora de Novidades Realmente Novas revela previsões baseadas em estudos científicos realizadas há muito, muito tempo, pelo xará de Einstein, que, ofuscado pelo sucesso do gênio alemão, trocou seu nome para Albert FrankEinstein. E quais são essa previsões do desconhecido doutor Albert FrankEinstein?

Há mais de 100 anos, o nosso grande (porém esquecido) personagem previu a existência de celulares, internet e todas as formas de comunicação que temos hoje. Ele previu a velocidade com que as notícias são repassadas e também a dependência tecnológica que a humanidade vive hoje. Agora vem a previsão mais terrível!

Em algum momento deste mesmo ano em que estamos, haverá um colapso em todo o sistema de comunicação existente. Será um bug monumental, em que não haverá qualquer possibilidade de conexão, os telefones ficarão permanentemente sem sinal e não haverá previsão de que tudo possa voltar à normalidade num prazo aceitável pelo vício digital que tomou conta dos seres humanos. Albert FrankEinstein atribui esse fenômeno às mesmas ondas gravitacionais que o colega Einstein estudou. Haverá ondas gravitacionais comparáveis a todas as tsunamis e pororocas que já ocorreram no planeta. Essas ondas gigantescas serão as responsáveis pela interrupção de todo e qualquer meio virtual de comunicação conhecido.

Na população de Macapá, onde a internet já não é essas coisas e a banda larga passa ao largo da nossa necessidade, o efeito será devastador. Os usuários terão perdido totalmente a faculdade de se comunicar pelos meios tradicionais. A própria fala estará comprometida. Estarão obsoletos todos os mecanismos de comunicação em que não se podem usar os dedos polegares. E o pior de tudo isso é que você não terá como ler as minhas crônicas.

Vamos manter a calma e aguardar os próximos acontecimentos. E torcer para que o doutor Albert FrankEinstein seja menos eficiente que Einstein em sua previsões. Mas seria bom economizar o máximo de aplicativos e arranjar um jeito de armazenar tecnologia para resistir aos tempos de escassez. Eu aproveito para manifestar mais uma vez a minha vontade de que as pessoas abram mão de tanta parafernália e voltem à simplicidade de outrora. Poderemos usar os Correios, mas duvido que alguém sabe ainda como enviar uma carta. Todas as tentativa são válidas e neste momento mesmo estou experimentando me comunicar através de telepatia.

Um consolo para os nossos leitores participantes dessa aldeia global que não dispensa um smartphone mais avançado que o da semana passada: o doutor Albert FrankEinstein pediu, em sua última mensagem, que não fosse levado tão a sério. Pegando a onda do cientista, eu peço que esta crônica também não seja levada a sério. Ou será que…?

tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu! tu!

E o Oscar vai pra… mim! – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues
Mais uma festa de entrega do Oscar. Desta vez, quebrei meu próprio recorde e assisti a mais de 60% da cerimônia. Já mereço um Oscar. Vamos perguntar à nossa comentarista especial, Glória Pires, o que ela achou da festa.
Glória Pires: – Bacana.

A polêmica virou piada e os próprios negros tiraram sarro da falta de atdownload (3)ores negros na lista de indicações. Mas por falar em piadas, as do apresentador continuam sem graça (pelo menos pra mim). Deve ser a tradução que faz perder o timing da piada. Ou porque todo mundo odeia o Chris. Vamos perguntar à nossa comentarista o que ela achou das piadas.
Glória Pires: – Legal.

download (5)Uma tradição foi quebrada: o uso de vestidos feios. As atrizes abriram mão de tantos babados dos anos anteriores e deixaram seus corpos mais à vista. O preço dos vestidos, feitos por grandes nomes da alta costura, continua nas alturas, mas os decotes estavam lá embaixo. Nossa comentarista que o diga, não é, Glória?
Glória Pires: – É!

download (4)E ele, finalmente, levou a taça. Desta vez, a estatueta de melhor ator foi parar nas mãos do Leonardo DiCaprio, ainda que eu tenha achado a atuação do urso bem melhor. Não vou me estender em comentários sobre o DiCaprio pra não me desentender com seus inúmeros devotos, mas sempre que o vejo atuando tenho a impressão de que, em algum momento, ele vai cair no choro procurando o colo da mãe. O que você achou, Glória?
Glória Pires: – Bacana.

images (2)Bem, gente. Estas são humildes opiniões de quem não assistiu a um filme sequer dos que concorreram, mas prometo fazer isso até o próximo Oscar. Eu boto fé nos atores, roteiristas, produtores e diretores hollywoodianos, mas não esqueço que o Oscar é a consagração da indústria do cinema e não da arte do cinema. Não é, Glória?
– Hein?

Amanhã sem falta

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Amanhã sem falta vou subir a montanha e, contemplando o mar, vou gritar ao universo o que vim fazer neste planeta.

Amanhã sem falta vou destruir as muralhas que separam as pessoas e dar a elas a esperança do fim da discórdia e da derrota.

Amanhã sem falta vou caminhar pelas alamedas do Calvário disposto a retirar da cruz aquele homem cabeludo e barbudo, ensaguentado e incompreendido.

Amanhã sem falta vou me deixar de me importar com o fato de respirar o mesmo ar que os incompetentes e medíocres.

Amanhã sem falta vou encontrar um emprego que me garanta mais do que o pagamento das contas no fim do mês.

Amanhã sem falta vou ficar milionário e encher meus castelos de aparelhos eletrodomésticos que aliviam a solidão.

Amanhã sem falta vou libertar os pássaros aprisionados nas gaiolas de concreto.

Amanhã sem falta vou conclamar para a luta todos os deserdados da paixão e os fantasmas da loucura.

Amanhã sem falta vou partilhar o pão que Deus amassou com a lágrima e o suor do rosto de todos os encarcerados.

Amanhã sem falta vou libertar a tempestade de fogo sobre Sodoma e Gomorra até que não sobre qualquer indício de pensamentos maléficos.

Amanhã sem falta vou terminar esta crônica.

Incendiário aos 20, bombeiro aos 40 – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Tem esse dito popular, que pelo visto nem é tão popular, já que toda vez que falo nele ninguém sabia que existia. Por esse dito popular, a maioria das pessoas é muito intempestiva na juventude e vai se acalmando com a chegada da maturidade. Ou seja: quem é incendiário aos 20 anos acaba se transformando em bombeiro na meia idade. Será que é assim pra todo mundo? Pra mim acho que sim e esse pensamento me veio agorinha mesmo, aqui neste shopping, lugar que não costumo frequentar, mas é o mais perto que encontrei pra fazer um lanche rápido.

Estou na praça de alimentação, onde o cheiro de fritura inunda o ar, que já estava tomado pelo ruído de mastigação dos adultos e pela gritaria das crianças. Você pode achar que eu sou um cara meio ranzinza, mas pelo menos estamos concordando em algo. Sou um cara ranzinza mesmo e estar num shopping agrava essa condição, já que este não é um programa que aprecio. Vejo aqui muita gente plastificada, etiquetada.

Quando eu era jovem, bem mais jovem, e bem antes dessa onda de terrorismo, eu pensei em explodir um shopping. Eu considerava shopping center o templo-mor do consumismo, um dos tentáculos do capitalismo. Isso me exasperava e alimentava minha alma guerrilheira, me fazendo cometer atos individuais de rebeldia que eu acreditava estarem solapando, minando os alicerces do capitalismo. Boicotava tudo o que o imperialismo impunha, não bebia Coca-Cola, não usava calça jeans, não assistia à Rede Globo e jamais colocava meus pés numa agência bancária. Eu era um militante solitário na minha revolução particular.

Como disse, isso foi há muitos anos, quando eu era incendiário. Hoje, como bombeiro, procuro apagar as chamas dos arroubos outrora juvenis. Já faz bastante tempo que constatei, com resignação, que minha tentativa de revolução foi malograda, quando caí nas armadilhas que o capitalismo cria para perpetuar-se no controle da situação. Quando somos obrigados a sobreviver, a procurar emprego, temos que renunciar às nossas utopias. Pelo menos, foi assim pra mim. É difícil se manter fiel a ideais quando a realidade vem massacrando nos salários irrisórios, nas condições precárias de trabalho que você tem que ir aceitando.

Só que este papo está ficando meio depressivo. Vou parar por aqui, aproveitando que não tenho mais tempo pra revoltas e o lanche acaba de chegar. Vou comê-lo junto com os desaforos que sou obrigado a engolir todos os dias. Bom apetite.

O que os Mamonas Assassinas faziam no meu sonho? – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Eles estavam lá, no meu sonho. Os Mamonas Assassinas, os quatro. Aí, você que viveu bem a fase Mamonas Assassinas vai dizer: – Mas eram cinco!

Pois é. No meu sonho, os Mamonas eram quatro. E era como se eles tivessem sido quatro mesmo, porque ninguém mencionou ou sentiu falta de um quinto Mamona. Mas vamos ao sonho:

Estava eu lá em casa, ouvindo um som que não era deles, quando chegaram. Fisicamente, eles não correspondiam em nada aos que eu vi na TV, mas sonho é assim mesmo. Não questionei o fato de eles estarem ali em casa. Não estranhei que eles, estando na minha casa, contrariava o fato de que eles não existiam mais. Nada disso foi falado e eu disse que alguns shows foram feitos em homenagem a eles. O Dinho, ou o ator no sonho que fazia o papel do Dinho, disse que isso era comum, que havia muitas bandas cover dos Mamonas Assassinas. Mas não ficou claro que os shows citados eram homenagens póstumas.

Os Mamonas do meu sonho não eram alegres como foram os da vida real. Isso me deixou um tanto inquieto. Cheguei a duvidar de que se tratava mesmo deles, mas de repente esqueci essa dúvida se tinham ou não morrido, se eu estava ou não sonhando, e os aceitei vivos, bem ali, no meio da minha sala. Pedi pra que eles ficassem à vontade e peguei minha bicicleta. Saí pedalando pela cidade com a intenção de contar aquela história com jeito de mentira para o maior número de pessoas. Me dirigi a uma casa que eu costumava frequentar e que estava sempre cheia. Tinha festa quase todo dia e, quando não estava rolando uma balada, tinha gente programando as próximas festas. Quase toda a cidade frequentava aquele recinto e a minha surpresa foi imensa quando vi apenas uma senhora lá dentro, dizendo melancolicamente que todos tinham ido embora. Subi na bicicleta e deixei a mulher envolvida em brumas, acenando pra mim, como um sonho dentro do sonho.

Já que aquele local de encontro de tantas pessoas estava fechado para a minha vontade de compartilhar uma notícia que eu acreditava grandiosa, apesar de absurda, totalmente surreal, pensei num lugar tão frequentado quanto o outro: o Espaço Caos Arte e Cultura, que deveria estar fervilhando de gente. Rumei pra lá, imaginando a reação da galera:
– Como assim? Mamonas Assassinas?
– Na tua casa? Té doidé?
– Tua casa fica no centro espírita, por acaso?
– É aquela fita: não sabe nem mentir! Os Mamonas morreram em 1996, no século passado!

Cheguei ao Caos e vi que também estava fechado, com uma placa na porta de entrada dizendo que todas as atividades artístico-culturais estavam suspensas por tempo indeterminado.

Voltei pra casa totalmente frustrado. Estava com um belo plano na cabeça: sugerir ao pessoal do Caos um grande show, o maior de todos, promovendo a volta triunfal dos Mamonas Assassinas. Seria um arraso, né não? Um evento do outro mundo!

Quando cheguei à esquina de minha casa, vi os Mamonas atravessando a rua na faixa de pedestre, fazendo pose de Beatles, na famosa capa do disco Abbey Road. Aí, eu acordei e os Mamonas Assassinas, agora no número certo, cinco, voltaram a compor uma realidade de 20 anos atrás, quando eu e os Mamonas Assassinas estávamos vivos, ativos e alegres.

Questão levantada pelo meu amigo e escritor Billy The Podre: será que a casa em que foste e o Espaço Caos estavam vazios por que tu também estavas morto, portanto em outra dimensão? Eu disse: – Mas na casa tinha uma senhora. Ele disse: – Ela devia também estar morta, por isso tu viste. Eu disse: – É mesmo. Boa questão. Quem sabe pra uma próxima crônica.

Ou seria um poema? – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Marquei encontro com a solidão

Ela nunca falta. Quando penso que não veio, ela me flagra dentro da caixa de sapatos. Dentro da caixa de fósforos. Dentro do aquário de segurança máxima. E me vem coisas na cabeça. Como será a solidão pra mim? Verde por trás da fumaça? Árvore desfolhada contra uma paisagem de arranha-céus? Nuvem tomando forma na tarde? Resto do navio a me pôr a salvo do naufrágio? Toco de vela rompendo a escuridão? Tartaruga em início de jornada? Canivete cego rompendo o cerco? Cisco no olho da verdade? Raio no céu do desespero? Ciranda cantada nos quintais da infância? Farol centelha lume vagalume?

Minha solidão não me deixa6solidao1

Não dá trégua. Marca colado. Entristece o mais feliz dos meus poemas. Anoitece de tarde e traz a madrugada no rugido do rush, exatamente ao meio dia. Inunda de tédio a larga avenida. Sangra o horizonte e violenta a violeta.

Minha solidão nunca falha

Pode falhar o goleiro, mas a minha solidão não. E nubla os olhares. Faz crescer cabelo nos pontas dos ponteiros. Alonga a brasa do cigarro. Faz o relógio perder a chance de 9charge_homem_branco_indioficar parado. Acelera a praga que virá nos destruir.

Vende-se uma solidão

Não. Não vou enganar ninguém. Minha solidão não é nova, mas também não é de segunda mão. Não tem muitas qualidades. Aliás, ser solidão é sua única qualidade. Aproveitem a ocasião, mas não estou mendigando. Compre logo essa solidão antes que eu desista de vendê-la ou antes que ela se transforme em outro sentimento. Fome, por exemplo. Aí eu requento a marmita e acabo com ela.

Alegria é lei – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Noite de Carnaval, uma das Mil e Uma Noites de Carnaval, e eu diante da televisão. Em retiro espiritual? Nem tanto. Estava olhando as bundas rebolativas maravilhosas, reais e artificiais, que desfilavam nos sambódromos e passarelas deste carnavalesco Brasil.

Meu programa de folião se resumia a isso. Mas, depois que a exuberância bundística cansasse meu tarado, porém inofensivo, olhar, eu iria me entregar ao resto do programa: um bom livro e uma xícara de chá, embaixo do meu solitário edredom. O Rei Momo dominava o resto do Brasil e só eu me encontrava enclausurado nesta ilha que é o meu quarto. Que maravilha!

Mas ei que a campainha tocou. Quem estaria a estas horas longe da esbórnia cívica nacional? Abri a porta e me deparei com um pierrô, uma colombina, um arlequim, um pirata do Caribe, um sheik e cinco Fridas Khalo, que este ano estiveram em alta, disparadas na preferência de muitas pessoas. E tinha também um delegado de polícia. O delegado era delegado mesmo, não uma fantasia. E foi ele quem falou pelo grupo:

– Boa noite, cavalheiro! Viemos informar que o senhor está infringindo vários artigos do Código Civil. Onde já se viu uma coisa dessas?

– Mas o que foi que eu fiz?

– A questão não é o que o senhor fez e, sim, o que o senhor não fez!

– E o que foi que eu não fiz?

– O senhor, em pleno período de Carnaval, neste país, que é, nada mais nada menos, que o País do Carnaval, está recolhido aos seus aposentos. Os seus vizinhos, aqui representados por estes cidadãos, que prezam as tradições do lugar em que vivem, exigem que o senhor troque esse pijama por uma fantasia qualquer, o seu chá por uma bebida alcoólica e o seu livro por um adereço de mão. E venha para a rua pular, cantar, festejar a alegria e a liberdade de um país que decreta feriado nacional, universal e intergalático para que seus filhos possam se jogar, sem temor, nos braços da felicidade.

O grupo de foliões aplaudiu o delegado, que estufou o peito em resposta, muito satisfeito de seu discurso. Eu protestei:

– Já que o senhor falou em liberdade, será que uma pessoa não é livre para escolher se quer participar das festas? Assim como as pessoas que aqui estão têm o direito de dançar, eu tenho o direito de não dançar, de ficar no meu canto sossegado e….

O delegado, que procurava algo para me incriminar, me interrompeu:

– Aí é que está, cidadão! O senhor está sossegado no seu canto. Os seus vizinhos afirmam que o seu silêncio está atrapalhando o barulho que eles estão fazendo com tanta dedicação!

Aí foi que eu me confundi mesmo! Já sem força, nem raciocínio, para protestar contra aquele absurdo, me limitei a perguntar, já procurando minha carteira para uma providencial propina:

– E o que devo fazer para reparar esse dano?

– O senhor escolhe: pagar uma multa altíssima, ser recolhido ao xadrez ou cair na folia com seus semelhantes.

Escolhi a última opção. Vocês viram um folião todo desajeitado por aí? Era eu.

O homem-bomba – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Acordo com o telefone tocando. É o meu amigo Ocrides, desesperado do outro lado da linha:

– Cara! Vem pra cá agora! Estou com um problema terrível!
– Calma! Já tô indo!

Vinte minutos depois, estou na casa do Ocrides, mais precisamente no quarto, onde ele se entrincheirou. Aí passamos a levar o papo a seguir:

– Diz lá: qual é o problema?
– Tás vendo esses explosivos aqui, em volta da minha cintura? Pois é, cara! Eu me transformei num homem-bomba!
– Como assim? Eu nunca ia desconfiar que tu eras…
– Homem-bomba?
– Que tu eras homem. Rá! Rá! Rá!
– Porra! Eu aqui com esse problemão e tu com essas gracinhas!
– Calma! Me diz: como foi que isso aconteceu?
– Eu estava aqui em casa sem ter o que fazer, fuçando na internet. Aí eu vi um anúncio do Estado Islâmico procurando pessoas interessadas em se incorporar ao grupo. Me inscrevi e fui aceito. Passei por um curso digital e depois recebi, aqui em casa, esse colete cheio de explosivos. O cara que trouxe o colete, todo encapuzado e com jeito de paranoico, me ajudou a colocar o colete. E agora estou aqui, de homem-bomba!
– E qual é o problema? Não era isso que tu querias? Eles te obrigaram a entrar no site deles? Tu sempre foste meio maluco!
– Acontece que eu desisti! Era só empolgação de momento e falta do que fazer! Eu não quero mais ser homem-bomba! Entendeu? Não quero! NÃO QUERO! NÃÃÃOOO QUEEEEEEEROOOO!!!
– Tudo bem, Ocrides, mas larga o meu colarinho! Calma que a gente vai descolar uma saída!
– Não estou vendo saída!
– Tira os explosivos e devolve pros caras, meu!
– Ah, se fosse fácil assim… Depois de colocado, o colete não sai mais! Só com a explosão! É a forma que os caras arranjaram para que ninguém desista da missão!
– Então tá resolvido! É só deixar quieto e não detonar os explosivos!
– Aí é que tá! Não sou eu que controlo isso! O detonador é acionado quando alguém fala alguma besteira muito grande perto de mim! Ou um absurdo, um descalabro, uma coisa estapafúrdia, entendeu? É por isso que eu tô trancado aqui em casa! Não quero falar com alguém e correr o risco de esse alguém falar alguma merda! Parei até de ver televisão ou acessar internet! É muito perigoso, com tanta merda que se fala nas redes sociais! Tu sabaaaabes…
– Se sei! Eu até faço parte disso, eu acho…
– Se eu assistir ao Big Brother, por exemplo, é BUUUMMM! na certa. Telejornal também não posso ver. Já pensou se aparece o Bolsonaro, o Marco Feliciano, o Silas Malafaia falando aquelas coisas que eles falam? Lá vou eu pelos ares! E se aparecer o Donald Trump, então?
– Pato Donald?
– Que Pato Donald o quê? Donald Trump, aquele pré-candidato a presidente dos Estados Unidos que só fala shit?
– Shit?
– Ah, cacete! Mas tu não sacas nada! Shit é merda em inglês! O detonador está programado pra ser acionado por besteiras faladas em qualquer idioma!
– Mas tu podes entrar no Facebook. Lá a coisa é lida e tu não precisas ler em voz alta.
– É, mas tem aqueles vídeos que aparecem lá e começam a rodar sem que se dê o play. O pessoal bosta, quer dizer, posta muita merda! E olha que os erros de português nem são levados em consideração pelo detonador, senão…
– Tá difícil!
– Pois é! Eu não consigo mais ficar aqui enclausurado! Estou isolado de tudo e de todos! Preciso interagir com alguém, mas com quem? Com quem? COM QUEEEEMMM?
– Te acalma! Tu podes frequentar os meios mais… intelectualizados, sei lá. Por exemplo, os literatos…
– AAAAAIIIIII!!!
– Os universitários…
– AAAAAIIIIII!!!
– Acadêmicos de jornalismo…
– AAAAAIIIIII!!!
– Que tal os publicitários, aqueles gênios do marketing?
– Já vi que tô lascado!
– Já sei! Tem um pessoal esquisitão aí que se reúne lá na beira-rio. Eles fumam um cigarrinho diferente e ficam contemplando o rio Amazonas. Depois, quando chega a noite, eles ficam olhando a lua e tal.
– E não falam nada?
– Não. O máximo que fazem é uivar pra lua.
– Parece interessante! O que eu não posso mais é ficar aqui trancado! Preciso ver gente! Gente, entendeu? GEEEEEEENTEEE!!!

Cá estamos nós à beira do rio com mais cinco pessoas. Fomos apresentados e só os nomes das pessoas foram falados, o que não implicou em perigo de o detonador ser acionado. O cigarrinho rolou, o tempo passou e ninguém falou nada, alguns uivaram pra lua, e nos despedimos.

Fomos caminhando calmamente, o Ocrides bem mais tranquilo.

– Pronto, Ocrides! Acho que já desestressaste! Agora, tu vais voltar pra tua casa, em segurança. Amanhã, a gente sai de novo e eu vou te levar a outro grupo, o do pessoal que se comunica por Libras. Como tu não entendes Libras, tanto faz se falarem alguma merda, né?
– Bem pensado. Obrigado, cara! Eu sabia que tu podias me ajudar!

Foi quando uma das meninas do grupo de adoradores do rio Amazonas se juntou a nós e começou a conversar. A cada vez que ela falava, o Ocrides se contorcia todo e colocava as mãos nos ouvidos. Como a menina falava coisas bem interessantes, o Ocrides relaxou e finalmente conseguiu conversar com alguém. No final do papo, ela perguntou:

– E tu trabalhas com o quê?
– Sou humorista!
– Puxa, que massa! Eu sou louca pra ser humorista! O meu sonho é trabalhar com humor e ficar rica, muito rica!

Aí, o Ocrides se contorceu e tapou os ouvidos. Eu também fiz o mesmo e vocês já sabem o que aconteceu…

BUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMM!!!!!!!!!

Pega ladrão! – Crônica de Ronaldo Rodrigues

 

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Você pode muito bem morar no país ideal e nunca ter ouvido falar em ladrão. Pra você eu explico: ladrão é aquele ser que, sem a menor intenção de devolver, empresta algo de alguém. A esse empréstimo se dá o nome de roubo. A pessoa pode ser roubada de três maneiras:

1 – Através de descuido. O ladrão se aproveita de um momento de distração da vítima. A pessoa só vai saber que foi roubada depois. A essa modalidade de roubo se dá o nome de furto.

2 – Através de coação, quando o ladrão anuncia a sua intenção e faz ameaça, usando geralmente algum objeto contundente, como revólver ou faca. A isso se dá o nome de assalto.

3 – Através de persuasão, quando alguém rouba o voto de alguém. Acontece quando o candidato a alguma coisa oferece dinheiro, um objeto qualquer ou algum tipo de vantagem. Esse roubo pode ser o mais trágico, porque incide diretamente sobre a consciência da pessoa.

Ladrão de galinha pode ser preso imediatamente. Ladrão de dinheiro público pode comprar os melhores advogados para defendê-lo, que vai obter todo tipo de habeas-corpus e fazer o processo se estender até caducar. Se esse ladrão for condenado, vai cumprir a pena em regime semiaberto ou numa penitenciária com um padrão de conforto que trará indignação a qualquer pessoa honesta.

Antigamente, existia um código de honra entre ladrões em que os delatores não tinham perdão. Dedurar, caguetar, entregar um irmão de, digamos, profissão era o pior tipo de crime que poderia haver. Hoje, a delação é premiada.

Mas por que mesmo que estou escrevendo tudo isso? Ah, sim! É uma introdução (ui!) ao assunto das três histórias que vou contar. Agora vou roubar um pouco da paciência de vocês e passar às histórias, com a bênção de Dimas, o bom ladrão, que foi crucificado ao lado de Jesus e que rendeu graças ao Salvador, ao contrário do mal ladrão, cujo nome não foi preservado (ou foi e eu estou com preguiça de ir lá ao Novo Testamento conferir).

1
O ladrão apontou a arma para a cara da vítima:
– Vai passando a grana, meu! E rápido! Passa tudo o que tu tens! Bora, meu irmão!

A vítima abriu a carteira e retirou dez notas de cem reais. Os olhos do ladrão brilharam:
– Égua! Gostei! Posso até suspender o expediente por hoje! Valeu, mano!

E saiu correndo para um lado, enquanto o assaltado saía correndo para o outro. Na corrida, olhou pra trás e falou gritando:
– Mas tem uma coisa que tenho que te contar: este revolver é de brinquedo!

O outro continuou correndo pra longe do perigo e respondeu:
– Tudo bem! O dinheiro que te dei também é falso!

2
O ladrão encostou a bicicleta que acabara de roubar e foi tomar um refri. Quando pegou a latinha e começou a beber, alguém o avisou:
– Olha! Levaram tua bike! Aqui não dá pra se distrair! Os caras roubam mesmo!

O ladrão 2, que roubou a bike que já era produto de roubo, se distanciava a grande velocidade, mas o ladrão 1 saiu correndo no encalço do ladrão 2. Enquanto corria, gritava uma coisa que só foi entendida pelo ladrão 2 quando este colidiu com um caminhão, se arrebentou todo e foi preso em seguida. Parecia que o ladrão 1 queria reaver a bike e dar porrada no ladrão 2, mas o que o levou a correr tanto foi a solidariedade entre ladrões:
– Porra! Bem que eu tentei avisar que a bicicleta tá sem freio…

3
Desempregado há três meses, o cara já estava desesperado. Ele sempre foi um exemplo de honestidade e aquela missão só foi possível depois de madrugadas inteiras em claro, pensando, remoendo se aquela era a alternativa correta. Correta não era, mas era a única que se apresentava.

Então ele se armou de coragem e de um revólver de brinquedo e partiu para assaltar um escritório no centro da cidade, bem longe do seu subúrbio. Entrou no escritório e ficou na sala de espera, suando frio, sentindo medo, pensando desistir/não desistir/desistir/não desistir…

Resoluto, se levantou e se dirigiu à secretária. Ia exigir que ela o levasse ao chefe; obrigaria o chefe a mostrar onde estava o dinheiro; levaria tudo e compraria comida para a família. Foi quando notou um cartaz na parede, bem acima da secretária: “Precisa-se de um office-boy”.

Saiu de lá empregado. E mantendo a tão cara honestidade.

Órfão do Chaves – Crônica de Ronaldo Rodrigues

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Crônica de Ronaldo Rodrigues

Minha rotina foi quebrada hoje. E minha retina também um pouco. Obedecendo ao celular, que programo para me avisar da hora mais importante do dia, liguei a televisão e fiquei esperando meu programa favorito da TV brasileira (que, na verdade, é da TV mexicana). Pois é. Foi em vão a espera. O Chaves e sua galeria bizarra de personagens não vieram acalentar meu fim de tarde, como ocorria há vários (e são muitos esses vários) dias.

Semana passada, fui alertado de que o SBT tiraria o Chaves do ar nesta segunda-feira, mas preferi achar que se tratava de mais uma notícia estapafúrdia das redes sociais. Na segunda-feira, tive um compromisso que não me permitiu estar à frente da TV para assistir ao programa (maldita reunião!). Mas hoje, terça-feira/26 de janeiro, estava eu lá no meu sofá (que lembra muito o sofá do seu Madruga), diante do meu aparelho de televisão, com a mesma animação de quando assistia ao Chaves há 30 (ou sabe lá quantos) anos.

Daqueles tempos para cá, o Chaves mudou algumas vezes de horário, mas eu sempre organizei a minha agenda de modo a não perder os mais de três mil vezes reprisados episódios, que para mim eram sempre inéditos, já que eu não conseguia deixar de rir, mesmo sabendo o desfecho das piadas.

Quando penso no Chaves, passa um filminho sentimental na minha mente: eu assistindo ao programa sozinho; tempos mais tarde, os meus primeiros sobrinhos assistindo comigo; e já no papel de pai, lembro dos meus dois filhos, cada um ao seu tempo, cada um ao meu lado, vendo aquela vila onde aconteciam as histórias saídas da fórmula de humor descoberta por Roberto Gómez Bolaños e sua trupe que atravessa gerações, cuja suposta precariedade desbanca cenários e atores de emissoras superpoderosas que se empenham em brilhar para que não se perceba a falta de brilho das ideias.

Espero que o SBT traga de volta o Chaves, a simplicidade e as risadas que ele desperta, ainda mais neste mundo cada vez mais cheio de motivos para que se pare de sorrir.