Poema de agora: Za – @ThiagoSoeiro

 

Za

este poema felino
brinca com a gente
hora se esconde
hora corre na página branca
hora dorme de barriga pra cima
este poema gatinho
mia quando chegamos perto
e mia mia quando tá com fome
ele se espreguiça ao longo das linhas
brinca de morde-morde
faz carinho com a cabeça
este poema Zazinho
deixa patinhas de saudade
no coração da gente.

Thiago Soeiro

* [Para Mr. Zatara, o mais mais danado e mais amado que já existiu]

Poema de agora: CHEZ MODESTINE – Marven Junius Franklin

CHEZ MODESTINE (Ao poeta Arthur Rimbaud)

embebecido por um bom bordeaux
amanheço blasé sob o alpendre frio do Chez Modestine
— almejo algo/coisa como um UnknownFlyingObjects
que me abduza dali
que me erga em direção ao improvável!

no meio do dia ouço Zaz berrando:
j’en ai marre des langues de bois!
j’en ai marre des langues de bois!
j’en ai marre des langues de bois!

e os moralistas de vidro me reparam
como seu eu não significasse necas
que nunca serei lhufas
e a medida das hipóteses concretas
engolem em seco as minhas bonnes manières
são ditos-cujos de olho pesados
com monóculos de lentes cafifentas
e armação de cimitarra

oh, céus!
e nem frases feitas
caem bem/explicam bem/delimitam bem
o que ajuízam de mim

sim, menina!
foi no Chez Modestine
que perdi o discernimento
que balancei o lenço aos piratas
e me fiz desmesuradamente aço-inox
versus a dissimulação dos autocratas

devia ter percebido
tempo que passei vislumbrando a escuridão que emanava do rio
devia te prestado mais atenção na Ilha do Sol
com sua ausência de avenidas
sem blocos de paralelepípedos
e sua mansidão

oh, minha Dulcinéia!
já te prometi tantos moinhos
e tantas garrafas de vinho ao luar

Nossa!
parece até que adivinhei
que as horas ali
eram calendários maias
que prediziam um futuro que nunca haveria

o emudecimento e o isolamento
a imagem da menina
escorada no píer de embarque
a espera do hipotético
e seus olhos eram ternos
os ensejos falaciosos
como a epiderme cálida
de uma sereia

rappelle-moi le jour et l’année
rappelle-moi le temps qu’ilfaisait…

Marven Junius Frankli

Poema de agora: Saudade – Luiz Jorge Ferreira

Saudade

Tu precisas te tratar desta saudade.
Tu precisas deixar de mergulhar os olhos neste monte de lágrimas.
Hoje é Domingo!
Tu precisas deixar de arrumar delicadamente quase todos os dias, a roupa do teu filho que já cresceu.
Tu precisas deixar de recordar beijos e abraços, entremeados de adeus.
Tu precisas olhar a chuva caindo como coisa feita para molhar os jardins, e não barulho, que adormeça a alma.

Hoje é Domingo.

Tu precisas cantar as Canções antigas, sem dançar com o tempo.
O tempo já fez seu caminho, e o que ficou nas fotos, foram sorrisos felizes, e cabelos em desalinho.

Tu precisas ficar de bem, com o hoje.
Tu precisas encontrar contigo, ali , saindo correndo da escola, ou na mesa tosca do bar de sempre, batucando com os dedos um antigo Samba…

Aqui em Outubro, o Domingo se espreguiça…
E boceja.
A vida não esta, corre sem dar tréguas.
Égua, mano, que lindo!
Tu precisas te tratar desta saudade.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro “Nunca mais sairei de mim, sem levar as asas”.
**Luiz Jorge Ferreira é amapaense, médico que reside em São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames).

Música, poesia e dança compõem sarau na Biblioteca Pública de Macapá

Sarau terá dança, música e poesia na Biblioteca Pública Elcy Lacerda, em Macapá — Foto: Carlos Alberto Jr/G1

Por Jorge Abreu

Amantes da arte poderão desfrutar de música, poesia, dança e exposições literárias durante sarau promovido pela Biblioteca Pública Elcy Lacerda, em Macapá, na quinta-feira (27), a partir de 17h. A entrada é gratuita.

De acordo com o gerente da biblioteca, José Pastana, o objetivo é organizar uma vez por mês um encontro para os artistas divulgarem seus trabalhos e o público ter opções de entretenimento.

A ideia de criar o sarau surgiu a pedido dos próprios frequentadores da biblioteca. O gerente enfatiza que o evento era somente realizado durante a celebração do Dia Estadual da Poesia, no mês de agosto. Pastama destaca a importância de abrir esse espaço para a arte.

“A proposta é promover o sarau que antes era feito somente em homenagem ao Dia Estadual da Poesia. Mas o evento fez tanto sucesso que os próprios artistas e o público pediram para que a gente desse continuidade, pelo menos uma vez por mês”, disse.

Serviço

Sarau da Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Data: 27 de setembro (quinta-feira)
Horário: a partir de 17h
Local: Biblioteca Pública Elcy Lacerda (Rua São José – Centro)
Entrada franca

Fonte: G1 Amapá

Poema de agora: Nômade – (@cantigadeninar)

 
Nômade
 
Nasci circense;
Nem americana,
Nem amapaense:
Sem morada.
Conheci apenas,
A duras penas,
O pé na estrada.
E, como passe de mágica,
Vi-me numa peça
Épica, romântica ou trágica:
Estava presa
Por vontade própria
Na cidade ilusória
De teus lábios.
No picadeiro
Estava entregue por inteiro
Em teus braços.
Depois de rodar tantos bares,
Estava eu ali,
Alvo de teus malabares,
Como vítima que ri
De seus azares.
Nunca caí do trapézio:
Meu truque é ser alada.
Mas no fim, dei-me por vencida…
Todos disseram: “palhaçada”!
Julgaram-me descabida
E seguiram viagem
Enquanto eu escolhi a vida
Sem quilometragem.
 
Lara Utzig

Poema de agora: [De]composição do silêncio – Marven Junius Franklin

[De]composição do silêncio

I

Há lembranças que chegam com o silêncio – trazidas
pelos meus mortos que – volta & meia – se atrevem
em meu jantar

(sabemos – querida irmã – pois as deixamos esquecidas
dentro de nossos olhos & de nossos armários de incoerências).

II

A solidão chega pelos espelhos cavos & em nuances
doentias que se decompõem na bruma
& nos brincos-de-princesa.

III

É madrugada agora!
Sentado no alpendre do apartamento fico a ver navios

(lembrando deusas – travestidas de brisa
dimanando [esplêndidas] pelo rio).

IV

Meu pai dizia
que a morte desce dos quadros distendidos em
paredões de envelhecidos casarios portugueses
doBoulevard Castilho França
& evaporam [solenes] defronte ao Solar da Beira.

(assim – cara irmãzinha – adormeço
para ver se os querubins sobrevoam minha cabeça
de pedra).

Marven Junius Franklin

Poema de agora: Oráculo – (@cantigadeninar)

Oráculo

nas linhas pálidas de minha mão
o quiromante leu:
criarás filhos que não
são teus.

terás três amores
incompatíveis,
predecessores
de uma solidão incrível.

experimentarás sucesso,
brilhante carreira,
livros reimpressos
enchendo estantes
[de poeira

viverás, pois,
para a esfera profissional.
trabalho, dinheiro, de dois em dois
[anos pares
publicação na Bienal.

família, âmbito nuclear:
fragmentado, interrompido.
mãe, pai, lar
limitado, fechado, contido.

teu sobrenome
fenecerá contigo.
sem herdeiros,
apenas Caronte e o coveiro.

com a morte,
cessará tua linhagem.
subsistirás forte
embarcando em várias viagens.

não partirás cedo.
não partirás tarde.

nas linhas lívidas de minha mão
o quiromante leu minha ventura tardia.
nas linhas coralinas de meu coração
pulsa alguma profecia?

Lara Utzig

Poema de agora: Desarrumando a Tarde – Luiz Jorge Ferreira

Desarrumando a Tarde

Não é porque chove sobre as telhas manchadas das sombras dos aviões, e urubus.
Que eu não possa descer os degraus da escada de dois em dois, enquanto Deus junta duas placas tectônicas sobre o Oceano Pacífico.
E lá no Curiaú, um caranguejo limpa as patas sobre o corpo seco de um camarão.
Eu pretendo ser o dicionário chinês em braille…
Para isso cegarei meu olhar com o leite de um murere…
Mas quando lembro…Chove!
Guardo os pensamentos dentro de um saco de supermercado…
As mãos eu lavo.
Porque não falei sobre gavetas emperradas…garrafas vazias… telegramas empoeiradas…selos umedecidos… retratos de Pinóquios…Poemas de Bocage…traduzidos em Birmanês…
Tenho um chinelo de recordações gastas.
Um travesseiro cheio de vestígios de sonhos.
E um cobertor comprado a prazo …pago com vida, e alguns planos que desejei tê-los…
Mas como chove…sempre os ponho a salvo…no depois!

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: Licença reverbera – Maria Ester

Licença reverbera

Pincelei todas as cores
do
céu
e
as letras
do Alfabeto
aqui

Aquela tatuagem ainda grita
quer existir…

No papel a lágrima
secou
Naquele
papel de cartas acolhido
na lixeira.

Só cada um sabe de
si,
de sua história,
de sua dor…

O passado espia o presente

Assim mesmo: obrigada.
Agradeço.
Deus sabe o que faz.

Não gosto de palavras
feias
e no meu infinito universo particular nem deveriam
existir
Rezo para isso…

Gosto de leveza,
por exemplo gosto da palavra algodão
pois, nunca tenho os pés no chão.

As palavras bonitas, sim, devem nascer, crescer, viver, transcender e
quiçá

até voar

Precisam ser benditas
assim será
reverberado
o
que o mundo
tenta a todo
custo
rechaçar
apagar
macular

Perdão, não sei porque lembrei de um hino que cantarolava na volta da Escola Alexandre Vaz Tavares

“Salve o lindo pendão da Esperança!
Salve o símbolo Augusto da
Paz!
…”

Aí sim, palavras bonitas
vivas:
perdão,
pendão,

A Vida pede licença
e passa …

Maria Ester

Poema de agora: Autobiografia – (@cantigadeninar)

Autobiografia

O poeta é um escultor.
Modela tão perfeitamente
Que chega a dar forma à flor
Oculta no mármore bruto e dolente.

E os que veem a pedra fria,
Na imagem da rocha enxergam mal,
Não a palavra crua a se tornar poesia,
Mas só o valor do resultado final.

E assim na roda da fortuna
Inquieta, a atordoar tato e visão,
Essa grande lacuna
Que se chama inspiração.

Lara Utzig

POESIA NÃO DÁ VOTO (*) – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Poucas vezes vi uma casa de shows lotada para ouvir poetas declamando seus textos como em um dia 25 passado, no Teatro das Bacabeiras. Por obra e graça de pessoas iluminadas como Carla Nobre e seu grupo, do movimento poético Abeporá das Palavras, aproximadamente vinte poetas mostraram suas poesias numa noite não muito longa, onde pouquíssimos espectadores saíram antes da hora. Ora, ouvir poesia depende de gostar muito. E tanta era a diversidade de estilo que só mesmo quem entende e gosta ficou até o final. Um final interessante, diga-se, pois contou com a participação especial do cantor e poeta guianense Moise Culture, que cantou um reggae, acompanhado pelos presentes. No mais a brilhante participação de Eliakim Rufino, poeta roraimense investido de mestre de cerimônia, fez do evento um espetáculo valorizado, onde os poetas convidados se tornaram estrelas como qualquer show-man num palco iluminado.

Talvez seja hora de fazer um balanço sobre a poesia amapaense. Por incrível que pareça raros são os livros editados anualmente em Macapá nessa área. Não obstante existir tantos poetas, conhecidos ou não, a ausência de divulgação da produção poética é patente. Não vi até hoje nenhum Governo do Estado, enquanto “incentivador da cultura”, promover e incentivar absolutamente nada para que esse segmento se tornasse até mesmo mais popular. Não fossem eventos como esse, os trabalhos escolares, as feiras e exposições periódicas dos colégios, é possível que nunca viéssemos a ter alguma produção nova, descobertas de talentos ou mesmo reafirmação de talentos já consagrados em nossa terra.

Se o trato que os setores competentes dessem à poesia (e à literatura de modo geral) como dão à música e ao teatro a coisa fatalmente mudaria de figuração. Nunca vi, reitero, nunca vi mesmo alguma instituição cultural oficial se preocupar com esse sonho louco de nefelibatas e doidivanas. Há quem diga que é preferível que esses malucos pratiquem suas salabórdias inúteis pelos cantos do que virem aborrecer os secretários e presidentes com suas artes não-recomendáveis para menores e pedir apoio para encherem a cara de cana. É, tem gente que ainda acha que a poesia é uma arte marginal, feita por marginais e viciados.

Felizmente convivi com os mais importantes poetas do Amapá. Até os mais velhos eu conheci pessoalmente. Destes, o único sobrevivente é o poeta concretista (nas décadas de 50 e 60) Ivo Torres, habitante da cidade do Rio de Janeiro e ainda na ativa com seus 77 anos. Tão honrado e sensível como ele foram os mestres Alcy Araújo, o prefaciador do meu primeiro livro, e Álvaro da Cunha, de quem guardo 14 poemas inéditos, que me mandou antes de partir para a eternidade, onde vagam os poetas. Passaram em minha mesa de bar Cordeiro Gomes, Aluísio da Cunha, Arthur Nery Marinho e Jeconias Araújo, bem como Isnard Lima, Poeta Galego, Saulo Mendes, Sílvio Leopoldo e Raimundevandro Salvador. Todos eles, grandes inteligências. Com rara exceção não publicaram livros.

Mas não é fácil publicar um livro. Ou se usa recurso próprio ou se vai atrás de patrocinadores, que normalmente preferem outras formas de divulgarem seus produtos. E é aí que a porca torce o rabo, porque quem deveria ter uma política editorial não tem e não terá, principalmente porque a poesia, já me disseram, não dá voto. E fica por isso mesmo?

(*) Jornal do dia, 2007.