Escritora, poeta e agente cultural, Pat Andrade, gira a roda da vida. Feliz aniversário, querida amiga!

Sempre digo aqui que gosto de parabenizar neste site as pessoas por quem nutro amor ou amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Acredito que manifestações públicas de afeto são importantes. Quem gira a roda da vida neste décimo primeiro dia de maio é Patrícia Andrade. Uma mulher admirável e um ser humano sensacional, além de querida amiga minha há mais de duas décadas. E por isso lhe rendo homenagens.

A “Pat” é uma poeta brilhante e autora do livro “O avesso do verso, poemas de mim”, lançado em dezembro de 2021. Uma artista ímpar, versátil, com um coração bondoso, atitude e espírito de luz. Há uma ‘aura’ de poesia que chega junto com a Pat, por onde anda. Além de bela, é talentosa, livre pensadora e, como poucas pessoas que conheço, deu uma guinada em sua jornada. Para melhor, claro. Hoje em dia é um exemplo de superação na vida.

Pat Andrade, há mais de 20 anos, nos saraus de Macapá

Conheci Patrícia Andrade há 24 anos, quando ela desembarcou aqui, no meio do mundo, vinda de Belém (PA), em 1999. Safa, descolada e sem estar ideologicamente presa a nada, Pat se tornou rapidamente “chegada” de todos nós, os malucos da cidade. Logo virou broda de intelectuais, militantes culturais e, é claro, poetas e escritores. A menina sempre se distinguiu por ser inteligente e despudoradamente franca. Aliás, poesia é uma arte que essa linda domina. Patrícia é senhora do ofício de poetizar.

Cheia de papos legais e dona de vasta cultura geral, Patinha é uma mulher cheia de poesia, histórias hilárias, outras nem tanto, e uma trajetória bacana no cenário cultural de Macapá. Além de poeta, trata-se de uma multi-artista, pois ela também se garante nas artes plásticas, escritora/cronista, discotequeira (Vinil-DJ) e produtora de vídeo e ativista cultural. Pat, inclusive, foi uma das fundadoras do movimento do vinil na Floriano e em outros locais desta cidade cortada pela Linha do Equador. Também é figura presente em saraus ou qualquer manifestação cultural e de defesa de direitos da sociedade.

Pat com o filho Artur (esquerda) e com o marido, Marcelo Abreu (direita).

O tempo passou, eu virei um velho gordo e a poupança Bamerindus levou o farelo. A Pat namorou, casou, se tornou mãe do querido Artur, trampou e pirou. Tudo com intensidade e paixão, essas coisas legais que gente como ela faz e acho muito firme, pois sou assim também.

Patrícia é a poeta que mais contribuiu com este site, onde assina a sessão “Caleidoscópio de Pat Andrade”. Além colaboradora talentosa, é uma broda para papos bacanas e desabafos. Uma pessoa que sei que, se precisar, posso contar.

Professor Carlos Haussler, o cartunista Ronaldo Rony, eu e a poeta Pat Andrade, no lançamento do livro “O avesso do verso, poemas de mim”, de autoria da aniversariante, em dezembro de 2021.

Outra coisa porreta sobre Andrade é que ela se reinventou, começou a cuidar da saúde física e mental. Essa virada de chave é algo lindo de constatar. Hoje, casada com o também poeta Marcelo Abreu, a amiga vive feliz, com seu esposo e filho. Como diria Raulzito, ela não quer mais andar na contramão. Sempre vejo a querida postar em suas redes sociais fotos de atividades físicas, entre outras coisas bacanas e penso: será que um dia eu conseguirei? Enfim, se ela tá feliz, eu tô feliz.

Pat também cursa Letras na Universidade Estadual do Amapá (Ueap), mas poderia dar aula, de tanta sintonia que tem com as palavras e com a língua portuguesa. A obra poética de Patrícia Andrade é resultante de uma mistura de vivências, amores, dores, tudo em tom de confissão.

Eu e Pat, no Luau na Samaúma, em 2018.

A poesia de Pat Andrade é um passeio emocional entre as esquinas da arte e da vida, quando sentam para conversar. Há o ritmo do Equador e uma ternura própria, em suas linhas. Além de tudo dito e escrito, a Patrícia é uma pessoa que sei que posso contar. Amigos assim são bem raros. Ela é Phoda! E eu a amo como uma irmã.

Patrícia, minha querida, que teu novo ciclo seja ainda mais produtivo, saudável, rentável e que tudo que couber no seu conceito de felicidade se realize. E que tua vida seja longa, por pelo menos mais uns 100 maios. Parabéns pelo teu dia e feliz aniversário.

Elton Tavares

*Texto republicado, mas de coração.

Poema de agora: SEXO LITERAL – Pat Andrade (Por conta de hoje, 5 de maio, ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa)

SEXO LITERAL

e veio a palavra beijar-me a boca
enfiou em mim sua língua
usou muitos substantivos
deu-me adjetivos
causou-me advérbios

depois de rápida análise
entreguei-me aos seus verbos
apaixonei-me por tempos e modos
me envolvi com sua semântica
lambi cada fonema

encantada com seus significados
vencida por suas conjugações
não tive dúvidas…
fiz amor com ela

Pat Andrade

 

* Poesia por conta de hoje, 5 de maio, ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa

Poema de agora: SOBRE AUSÊNCIAS – Pat Andrade

SOBRE AUSÊNCIAS

esses silêncios
insondáveis
esses hiatos
impenetráveis
te levam
pra longe de mim

essas curtas
ausências
essas pequenas
distâncias
me dão a medida
da tua existência

me desconcertam
me desconcentram
me deixam no vácuo
do sentimento

me arrasto pra ti
a passos lentos
me arrisco
em teus precipícios
e reinicio
o movimento

sem cansaço
liberto o brado

ecoo nesse vazio
ilimitado

PAT ANDRADE

Poema de agora: Luares e ilusões – Patrícia Andrade

Luares e ilusões

todas as noites
a lua nasce
dentro de mim
pra me inundar de ilusões

cavo buracos no quintal
pra esconder seus raios
que insistem em escapar
pelos meus poros

os olhos alheios
me evitam a todo custo
só pra não me verem brilhar

não me importo

saio pela cidade
a derramar luares
e crescer marés

escrevo poemas
tecidos de amores
desconcerto namorados
desabrocho flores
desapareço pelos mares

Patrícia Andrade

Poema de agora: SALVE A POESIA – Pat Andrade

SALVE A POESIA

salve a poesia
em cada beco escuro
em cada ponte de periferia
em cada beira de estrada

salve a poesia
em cada noite de balada
em cada cama desarrumada
em cada mulher desvirginada

salve a poesia
em cada criança assassinada
em cada bala predestinada
em cada mãe desesperada

salve a poesia
porque não nos resta
mais nada

Pat Andrade

Poesia de agora: Todos os dias, mulher – Patrícia Andrade

 


Todos os dias, mulher

meu nome é Raimunda
hoje é mais uma noite em claro
pra mim e pros meus meninos
porque não consegui o pão
para colocar no prato
amanhã é dia de feira
vou levar o menorzinho
pra ver se consigo um trocado
depois de amanhã
a gente morre de fome calado

meu nome é Ana
hoje é mais uma noite sem dormir
porque não consegui
o dinheiro completo
pra pagar a outra mulher
que é a dona do meu teto
amanhã saio cedo escondida
pra adiar a minha dívida
depois de amanhã
vou estar desempregada
talvez tire a própria vida

meu nome é Maria
hoje é mais uma noite acordada
o olho roxo lateja
e a boca ainda está inchada
levei uma surra do ex-marido
amanhã vou na sétima delegacia
registrar mais um boletim
pedir outra protetiva
depois de amanhã
vou ser assassinada

meu nome é Raimunda
meu nome é Ana
meu nome é Maria
cansada de ser a guerreira
todos os dias violentada
todos os dias agredida e estuprada

não me corte a carne
não me prive do amor
não me tire a vida
meu nome é Raimunda
meu nome é Ana
meu nome é Maria

olhe para mim

sou uma mulher
todos os dias

Pat Andrade

Declaração de amor ao Juvenal, meu gato – Crônica de Pat Andrade

Crônica de Pat Andrade

Eu me pergunto se todo o mundo que tem gato já viveu coisas assim…

Posso estar redondamente enganada, mas às vezes tenho a impressão de que meu gato me despreza descaradamente. Quando eu o chamo pelo seu nome, Juvenal – sempre de maneira muito carinhosa – ele me retribui com um olhar mal dado sobre o ombro e segue impávido o seu caminho, com a cauda devidamente erguida, indo se aninhar em alguma caixa velha ou entre as roupas de cama recém-lavadas, embora ele tenha uma caminha linda, fofa e confortável que encomendei de uma artesã caríssima. Só atende ao meu chamado se e quando quer.

Não raro, o surpreendo me olhando satisfeito durante o seu banho diário lambendo minuciosamente cada pedacinho das patas e das pernas, alongando-as e esticando-as até um limite inimaginável sem nenhuma dificuldade – claramente exibindo sua elasticidade felina. É como se me perguntasse: “tu consegues fazer isso?”

Quando sobe nos móveis, indiferente aos meus protestos e pedidos para que desça, me pisca os olhinhos, ignorando completamente minha irritação e derrubando a primeira coisa ao alcance de sua pata, sem nenhum indício de preocupação. Não satisfeito, me lança aquele olhar imponente e altivo, como se me desafiasse a tirá-lo de lá. Se por acaso me aproximo para fazê-lo descer, ele desce antes que eu chegue perto o suficiente, me deixando com cara de boba e ainda mais irritada. Se esfrega em mim e se afasta tranquilamente, com a cabeça e a cauda erguidas, ostentando uma dignidade de dar inveja a qualquer reles mortal.

Mas Juvenal também adoça meus dias quando me dirige suas piscadinhas ternas e quando aperta suas patinhas em volta das minhas mãos, num inexplicável e delicioso abraço de gato; ele me aquece o coração quando invade a cama e deita no meu peito reivindicando toda a atenção possível até enfadar-se totalmente de mim e de meus carinhos; ele alegra a minha vida quando abro a porta da casa e o vejo à minha espera deitado no tapete da sala – ainda que não pareça exatamente contente. Devagarinho, levanta e caminha em minha direção; se enrosca nas minhas pernas dando cabeçadas suaves, pedindo colo e comida.

É esse serzinho adorável e irritante que é o dono dos meus olhos, dos meus cuidados e dos meus amores. Sei que não posso vacilar com ele, porque do amor ao desprezo pétreo e dos carinhos às mordidas implacáveis é só um salto – de gato, claro.

*Hoje é o Dia Mundial do Gato.

Poema de agora: Despojos – Pat Andrade

Despojos

tranquei o medo
na última gaveta da cômoda
numa segunda-feira à tarde
a chave joguei no canal
[perda total]

larguei a insegurança
num ramal qualquer da BR
[duvido que consiga voltar]

a tristeza afoguei no Amazonas
num domingo de céu azul
[sem nenhum remorso]

a dor está na calçada
dentro de um dos baús
que o lixeiro nunca leva
[é lá que vai ficar]

me livrei de quase tudo
tomei o chá de sumiço
[prescrito pelo doutor]

me banhei com jasmins
e fui dormir mais leve
[melhor que seja assim]

essa convivência besta
com minha própria angústia
pesava demais na existência

Pat Andrade

Poema de agora: Amar – Pat Andrade

Amar

amar, meu bem,
é se aventurar
viajar na infinitude
do universo
se perder e respirar
nas profundezas do mar

amar é desafiar
a Medusa
e não desviar o olhar
provar a maçã do Éden
morar dentro da baleia

amar é caçar mistérios
abrir a caixa de Pandora
encontrar Atlântidas
desbravar Eldorados

amar é se atirar
ao desconhecido
decifrar a Esfinge
e ser decifrado

Pat Andrade

Poema de agora: Lágrimas para tardes bonitas – Pat Andrade

Foto: Elton Tavares

Lágrimas para tardes bonitas

ao lado da igrejinha
subitamente choro
porque me dou conta
da cor que a tarde tem

mas aqui fora eu sei
que há lágrimas em tudo
vejo as mulheres nos muros
elas choram também

nas esquinas escuras
ouve-se o choro contido
disfarçado num gemido
que não comove ninguém

nas casas de papelão
choram os homens
e os meninos
choram as mães
como choraram suas avós

ao soarem os sinos
a Virgem Maria
chora por todos nós

no templo vazio
uma prece pede lágrimas
apenas para tardes bonitas

Pat Andrade

Poema de agora: Inaudito – Pat Andrade

Inaudito

uma lua no céu
discreta e cínica sorri
me sussurra um poema
impossível de ouvir

as placas passam devagar
a mente dispara
voa e ultrapassa
os limites de velocidade
para alcançar o além

rompe a barreira do som
perfura a atmosfera
desafia a gravidade
e incendeia no espaço

não ouve o poema

Pat Andrade

Poema de agora: sobre cansaço e violência – Pat Andrade

sobre cansaço e violência

exaustão e cansaço.
cansaço de sentir.
cansaço de existir.

uma existência que trava
uma luta diária pelo belo,
pelo amor, pelo fraterno.
uma luta desleal.
é tanto o sentimento.

do outro lado, a sujeira, o descaso,
o egoísmo, a maldade
se dão as mãos ásperas
e se armam de falsa moral
e hipocrisia para o combate.
é vil o sentimento.

longas batalhas ora em silêncio,
ora em total estardalhaço.
tormento de alma e espírito
é muito o sentimento.

e os sorrisos vão desistindo de ser.
e as mãos vão se recolhendo,
negando gestos.
os olhares tristes, molhados,
desviam seu trajeto.
é triste o sentimento.

a boca se fecha.
os braços se fecham.
meus olhos baços também se fecham.
viver é violento.

Pat Andrade

Poema de agora: Fatalidades – Pat Andrade

Fatalidades

o barco encalha
no lixo flutuante
o peixe no prato
é um resto de ontem

a canoa virou
numa lançante
um corpo boiou
debaixo da ponte

a vida mais ou menos
segue adiante
o olho da lavadeira
vagueia no horizonte

o suor da cidade escorre
na maré vazante
a noite pinta a lua no céu
ilumina o próprio Caronte

Pat Andrade

Poema de agora: Sinal vermelho – Pat Andrade

Sinal vermelho

vejo a exaustão triste
nos ombros e nos olhos
do homem no semáforo

a fome é quem ajuda
a sustentar o cartaz

suas crianças sujas
se distraem com as moscas
não despertam afeto
simpatia ou compaixão

por trás do vidro fechado
impaciência e repulsa
disfarçam o olhar desconfiado

a crítica se manifesta
e se exalta indignada
mas não enxerga
um palmo além da imagem
diante do para-brisa

a miséria é coisa da TV
vai passar em algum canal

o sinal se abre
e o tráfego segue
seu fluxo normal

Pat Andrade