Poema de agora: Picasso – Affonso Romano de Sant’Anna

Picasso

Picasso
erra
quando pinta
e erra
quando ama.

Mas quando erra
erra
violenta e
generosamente,
erra


com exuberante
arrogância,
erra
como o touro erra
seu papel de vítima,
sangrando
quem, por muito amar, fere
e sai ovacionado
com banderilhas na carne.

Pintor do excesso
e exuberância,
Picasso
é extravagância.
Ele erra,
mas nele,
o erro
mais que erro
– é errância.

Affonso Romano de Sant’Anna

*Contribuição de Fernando Canto.

Poema de agora: SOBRE AUSÊNCIAS – Pat Andrade

SOBRE AUSÊNCIAS

esses silêncios
insondáveis
esses hiatos
impenetráveis
te levam
pra longe de mim

essas curtas
ausências
essas pequenas
distâncias
me dão a medida
da tua existência

me desconcertam
me desconcentram
me deixam no vácuo
do sentimento

me arrasto pra ti
a passos lentos
me arrisco
em teus precipícios
e reinicio
o movimento

sem cansaço
liberto o brado

ecoo nesse vazio
ilimitado

PAT ANDRADE

Poema de agora: A mentira – Bruno Muniz

A mentira

[No contrapé de um sorriso
morava a mentira,
que dava risada
mas era de vidro]
– O que houve com ela?
– Era de vidro
– O que houve?
– Encontrou uma verdade
– E daí?
– Não estava acostumada. Se assustou, se desequilibrou, caiu.
– Era de vidro?
– Era
– Tão linda
– Tão linda.

Bruno Muniz

Poema de agora: Esgrima – Luiz Jorge Ferreira

Esgrima

Outro dia tive que retirar o Sol grudado na minha roupa…preso nas minhas retinas…cicatrizado na minha pele negra de tanta brancura.

Vamos brincar de amar…
Eu lhe darei meus pensamentos
Você me dará um vaso molhado de sua saliva
E eu nele plantarei o seu olhar.
E ao silêncio nos mostraremos como nasce o barulho dos passos não dados em direção a fuga
Eu lhe darei a janela e lá longe a lua camuflada sob sua própria solidão.


E você me dará a noite
e eu nela colocarei apenas uma estrada.
Você me indicará o caminho.
E eu lhe darei duas pétalas de rosa, com as quais você fará… tamancos
para mostrar ao silêncio que nos cerca, que o barulho dos passos indo embora, é semelhante ao barulho dos passos voltando.
Dê-me um fio do seu cabelo para que com ele amarre o medo que o futuro nos dá.
Pode colocar seu sorriso nessa bandeja que lavamos juntos para retirar restos do luar de Ontem…
Eu sairei correndo com ele para espantar a
tristeza que teimosa…teima nos visitar.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro…Diante da boca da noite…ficam os dias de Ontem .

Poema de agora: Luares e ilusões – Patrícia Andrade

Luares e ilusões

todas as noites
a lua nasce
dentro de mim
pra me inundar de ilusões

cavo buracos no quintal
pra esconder seus raios
que insistem em escapar
pelos meus poros

os olhos alheios
me evitam a todo custo
só pra não me verem brilhar

não me importo

saio pela cidade
a derramar luares
e crescer marés

escrevo poemas
tecidos de amores
desconcerto namorados
desabrocho flores
desapareço pelos mares

Patrícia Andrade

Poema musical de agora: DE PONTA CABEÇA – Poetas Azuis

DE PONTA CABEÇA – (Letra: Pedro Stkls / Música: Igor de Oliveira)

Era uma noite sem estrelas
No céu do nosso amor
Onde tuas mãos não traziam o mar
Para afogar o que aqui
Só faz falta de ti

E hoje você é longe
E eu me componho
Da tua voz, do teu sotaque
E eu sempre penso
Em desfazer tua morada

De ponta cabeça
Talvez eu te esqueça

Poema de agora: Brinca com a Lua – Leacide Moura

Brinca com a Lua

A lua é minha amiga
Minha fiel companheira
Que brinca e ri comigo
Nas noites de verão
O prata do luar
Inebria a alma poeta
Desperta o amar
Inspira o coração
No amor que acende a lua
Neste inebriar poético
Para minha neta Cecília
Fiz doce poeminha
Lua luar
Desce pra cá
Lua luar
Com Cecília vem brincar
Lua luar
Desce pra cá
Lua luar
Os sonhos de Cecília
Vem embalar
Lua luar
Desce para cá
De manhã acenda o sol
Para Cecilia alegrar

Leacide Moura

*Publicado na Coletânea de Poesias Enluaradas I, Se Essa Lua Fosse minha.

Poema de agora: Epílogo de uma história de amor – Pat Andrade

Epílogo de uma história de amor

quando o amor acabou
o andor se quebrou
o mingau desandou
o arroz queimou

pela primeira vez
foi João quem chorou
pediu e implorou
rezou com fervor
pra Jesus e Nossa Senhora

de nada adiantou

mesmo assim
Maria foi-se embora
não aguentava mais
pôs na mala os vestidos
a escova de dentes
e seu sorriso mais triste

partiu sem demora
sem olhar pra trás

no canal que enchia
jogou a chave fora

nem ela sabia
que era capaz

Pat Andrade

Poema de agora: ILUSÃO – Carla Nobre

ILUSÃO

Devia ser sagrado
O jeito como você aperta minha mão antes de dormir
Eu sempre tô de olhos fechados nessas horas
Que você se aninha em mim
Como se eu fosse um animal poderoso
Sabe a palavra ilusão?
Tem origem no latim illusióne
Algo como enganar
O amor me engana
Teus olhos me enganam
E eu prefiro essa doce mentira do que o preço da gasolina
Ou a inexistência repentina da classe média
Ou mesmo meu cabelo ressecado
Ter a tua pele no meu colchão é uma ilusão perfeita
Como se o céu pousasse aqui em casa
Você disse com todas as letras
que só fica comigo até o inverno acabar
Eu gostei muito disso, sabe
Justamente lembrei que temos o inverno amazônico
Funciona assim: quando é verão no resto do Brasil


Aqui na Amazônia chove quase sem parar
No Amapá, as primeiras chuvas
já dão sinal no dia de finados
(mais uma ilusão triste)
Assim segue até meados de maio
Seis meses inteiros mordendo a ilusão da tua pele
Nosso inverno tem muita nebulosidade
Mas é sempre estranho reconhecer o verão nas chuvas daqui
Assim, se você fica comigo durante todo o inverno
Tenho então o que os Karipuna e os galibi marworno
chamam de ilusiõ
essa névoa do teu nome em minhas mãos chuvosas
como se eu fosse uma imensa floresta de várzea
Amapá, em tupi,
Também significa o lugar das chuvas
Então eu sou sempre inverno
Dessa forma, podes ficar comigo até eu me for
Se eu me for, amor

Carla Nobre

Poema de agora: Acaso – (@cantigadeninar)

Acaso

Sorveterias sobrevivem de domingos.
Alfajores são vendidos a turistas.
Pet shops enriquecem com a tosa de poodles.
Cinemas encarecem ingressos para filmes 3D.

A parada do Dia de São Patrício desfila.
A fila do banco dá voltas no quarteirão.
O extrato aponta R$0,29 na conta corrente.
Livros emprestados são devolvidos com orelhas.

Carimbos dão ciência em papeladas burocráticas.
A caixa de entrada acumula spams “aumente seu pênis”.
A vida segue seu diário curso como sempre.
Minhas mãos criam rugas e a barriga aumenta.

Escadas rolantes levam à praça de alimentação.
Professores tecnológicos passam slides no datashow.
Carteirinhas estudantis concedem meia-entrada.
Bolsonaro propaga discursos de ódio.

O destino tsunami revolve as ondas da rotina.
Um arco-íris se ergue por detrás do outdoor.
A beleza se manifesta na Orla do Rio Amazonas.
Minha retina assiste a tudo com óculos de sol.

Lara Utzig

Poema de agora: …Ocidente – Luiz Jorge Ferreira

Foto: Floriano Lima

...Ocidente

Minha mãe vendia dias.
Eu os apanhava do paneiro colocado ao sol.
E os embrulhava em fatias de noite.
De manhã fatiávamos mangas e as púnhamos sobre os morcegos que atônitos voavam espalhando seus perfumes pelas nascentes dos rios e pontos de ônibus.

Quando veio a chuva de janeiro martelando nos telhados um frevoroqueiro..plantamos avelãs trazidas do Cruzeiro do Cemitério onde Eduardo Correa Alves morador lá desde 1965…nos apontava as mais doces…
Depois se ia embora deixando um cheiro de Alfazema e pegadas planas de um pássaro.

Mamãe amarrava as sobras dos dias em um pé de Maracujazeiro que seu Clementino chamava de arraia e D Faustina chamava de cheiroso…
E eu colhia os Maracujás amarelos e os abria para que o Sol provasse dos seus sabores e os Zangões zunisse em seus arredores enquanto aguardavam tocar os sinos da Catedral.

Um dia os dias foram embora pelo cais…
As noites ficaram enormes deitadas do trapiche a Fortaleza.
Sobram comigo muitas metades de noite, que fiz uma trouxa enrolei, e coloquei no bornal.
Hoje quando vejo doutro lado da rua o vizinho
brigando com os seus Girassóis, e distratando a luz do dia.
Jogo um punhado delas em sua direção..
Fecho os olhos e deito…
Pareço sentir os passos de mamãe espalhando a noite.
Como fazia sempre…exatamente do modo como os dias extremamente cansados, queriam que ela fizesse.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: SALVE A POESIA – Pat Andrade

SALVE A POESIA

salve a poesia
em cada beco escuro
em cada ponte de periferia
em cada beira de estrada

salve a poesia
em cada noite de balada
em cada cama desarrumada
em cada mulher desvirginada

salve a poesia
em cada criança assassinada
em cada bala predestinada
em cada mãe desesperada

salve a poesia
porque não nos resta
mais nada

Pat Andrade

Hoje é o Dia Nacional da Poesia

Hoje é o Dia Nacional da Poesia. A data é comemorada em 14 de março por ser o dia do nascimento de Castro Alves, em 1847. Poeta do romantismo, ele foi um dos maiores nomes da poesia brasileira.

A palavra “poesia” tem origem grega e significa “criação”. É definida como a arte de escrever em versos, com o poder de modificar a realidade, segundo a percepção do artista.

Antigamente, os poemas eram cantados acompanhados pela lira, um instrumento musical muito comum na Grécia antiga. Por isso, diz-se que a poesia pertence ao gênero lírico. Hoje, os poemas podem ser divididos em quatro gêneros: épico, didático, dramático e lírico.

Sou fã de poesia e poetas. Adoro Ferreira Gullar, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, entre outros tantos poetas brasileiros, mas gosto mesmo é dos poeteiros amigos. Sim, os que admiro tanto quanto estes nomes aí de cima.

O poeta autor/trovador escreve textos do gênero que compõe uma das sete artes tradicionais, a Poesia. A inspiração, sensibilidade e criatividade deste tipo de artista retrata qualquer situação e a interpretação depende da imaginação dele próprio, assim como do leitor.

Admiro os poetas, sejam cultos, que usam refinados recursos de linguagem ou ignorantes, que versam sem precisar de muita escolaridade. Eles movimentam o pensamento e tocam corações. Não é a toa que as pessoas têm sido tocadas pela poesia há séculos. E nem interessa se o escrito fala de sensatez ou loucura. Tanto faz. O que importa é a criatividade, a arte de imprimir emoções em textos ou declamações.

Não tenho o nobre dom de poetizar, sou plateia. Mas apesar de não existir poesia em mim, uso a tal “licença poética”, para discorrer sobre meus devaneios e pontos de vista.

Hoje, minhas homenagens são para os poetas que são meus amigos. Muito obrigado!

Também saúdo todos os movimentos que fazem Poesia no Amapá, que realizam encontros em praças, bares, residências, etc. Enfim, saraus para todos os gostos. Portanto, meus parabéns aos poetas, artistas que inventivos que fascinam o público que aprecia a nobre arte poética.

Viva a poesia!

Elton Tavares