Poema de agora: CARNAL – Ori Fonseca

O lavrador – Candido Portinari. 1935 – Óleo sobre tela (130x195cm) – Localização: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

CARNAL

Alguém sangrando da cabeça aos pés
Não pode responder por sua palavra,
Nem pela enxada na terra que lavra,
Nem pela estaca no peito que crava.

Na luta, diante de uma fera brava,
Guerreando contra os monstros mais cruéis,
Alguém já cambaleando de viés
Já não tem leis, nem reis, nem coronéis.

É, o instinto pela vida, animal;
Alguém que sangra não o faz sem luta,
Transforma sua fraqueza em força bruta

E combate por sua vida carnal.
E por saber-se efêmero mortal,
Pra não ser executado, executa.

Ori Fonseca

Poema de agora: O JARDIM – Ori Fonseca

O JARDIM

É tempo de saudade em meu jardim,
Pétalas caídas de tantas flores
Falam-me de primaveras de dores
Ao mesmo tempo breves e sem fim.

O cheiro de Margarida está em mim,
O de Rosa também, com seus temores;
De Camélia, o sabor dos dessabores
De mais uma flor a arquejar “é o fim”!

Violeta se fechou de madrugada,
Marcela foi roubada ao fim do dia,
Yasmim morreu de sede, coitadinha.

Despetalou-se Hortênsia, transtornada;
Dália afogou-se de melancolia.
Hoje, há só cardo, espinho e erva daninha.

Ori Fonseca

Poema de agora: ALADA – Ori Fonseca

ALADA

Mamífera alada de olhos de cobre,
Desses olhos de cobra venenosa,
Língua bifurcada a passear sobre
A pele arrepiada do ser que goza,
Sendo a plena riqueza do homem pobre.

Mama do mais puto leite que existe
A saciar todos os males da sede
Que entra no sonho, cai no sangue e insiste
Em maltratar e jogar na parede,
Sendo a única alegria do homem triste.

As tetas a me olhar de lado a lado
Pareciam dizer-me “estás vencido”.
Então, olhei nos olhos do passado
E vi o colo asado, o peito querido
Sendo o terno abrigo do homem cansado.

Mulher da perdição a que me entrego
Por que persegues os que não têm sono,
Aniquiladora do superego?
És berço de acalanto e de abandono,
Sendo a límpida visão do homem cego.

Mamífera dos seios de conforto,
Desses receios de vulcão ativo,
Lava de leite a me servir de porto,
Sendo a morte abençoada do ser vivo,
Sendo o sopro de vida do homem morto.

Ori Fonseca

Poema de agora: Wajãpi – Ricardo Iraguany

O cacique Seremeté, da Terra Indígena Waiãpi (em Pedra Branca do Amapari – AP), trata madeira para fazer fogo em uma margem do Rio Kerekuru. Os peixes são defumados durante horas na fogueira. O preparo é conhecido como peixe moqueado, uma especialidade dos povos ribeirinhos da Amazônia. Foto: Victor Moriyama.

Wajãpi

Todos os dias
Você me surpreende
Prende-me e liberta-me
Crio asas e voo
Com tua chegada
Chego em Vênus
Veneza, Versalhes
Vejo o Louvre
E a lua é Liverpool
Escuto Help
E danço contigo
A valsa vienense
De mãos dadas
Rolamos pela grama
Em gramado
E o fado nos silencia
Ao som de Lisboa
Atravessamos o Tejo, o tédio
Nas páginas de Camões e Pessoa
Nas viagens em volta do meu quarto
As três da madrugada ouvindo Torquato
Ou lendo Ilíada a odisseia
Saio vagando as estrelas
Na rota das constelações
Mergulhado nas profundezas
wajãpi

Ricardo Iraguany

Poema de agora: Boa Noite minha saudade – Luiz Jorge Ferreira

Boa Noite minha saudade

Pai vai mimi, feliz
Por uma tia cristã que se recupera do Avc, por filho, pela vida…que jovializa o passado.
Coisa mais bonita…
Pela noite.
Pelos cães que ladram na rua cada um em um tom.
Pelos gatos que miam em desacordo com o silêncio, que acordo quando coço os cabelos, brancos da neve malina do mesmo Time.
…que abrigam os pensamentos que só são meus quando não os penso em sua totalidade.

Pai vai mimi, feliz
Por filhos, por dogs, pela vida pacifica dos livros na estante…
Coisa mais bonita…
Estórias…Histórias…
homens e mulheres que as criaram os quais não conheci, mas sei o nome, vagam em seus jardins de letras, vogais, virgulas, e consoantes, sobre as quais escondo os pés dentro de um par de meias.

Pela noite
Pelos cães que ladram na rua cada um em um tom.
Pelos gatos que miam em desacordo com o silêncio que acordo quando coço os cabelos
…que abrigam os pensamentos que só são meus quando não os penso em sua totalidade…como letras datilografadas…
…passam a ser da cidade que antes de mim já dormiu…

Passam a apostar corrida com a eternidade que se posta toda prosa e não poesia, se estou a pé e quero atravessar a Avenida, parece ter o tempo de uma vida.
E se estou no mesmo farol mas dentro do carro indo ao trabalho, leva incríveis 60 segundos que para mim representa o tempo eterno de criar o Universo, e varias reencarnações.
Papai vai compor uma canção de gritos, desunidos e uníssonos como os emitidos pelas crianças na ante sala da Vacinação.
Na cavidade única das quatros que possuo dentro do coração.
Há sempre som, por certo tempo.
Pai toca um acorde que não lhe acorda a alma.
Com sua mão menos ágil que quando a usava para ritmar frevos, ou desenvolver Baiões… está com o tempo espremido em uma marmita que aposto que a engule bem antes que o trem nesse vai e vem ultrapasse a sombra da lua que sobrevoa os degraus do trilho como se catasse mal me quer bem me quer, folha por folha, uma de sombras opacas, outra verdadeira…
Lá ou aqui adiante…
Os sonhos entram pela janela embaralham os chinelos, e a gente com eles não podem correr.
… Pai vai mimi.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: O Elogio do Pé – (Fernando Canto para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque do futebol amapaense)

O ELOGIO DO PÉ

I
Ainda que a mão guie
O rápido correr do atleta
O pé equilibra a perseguição da pelota e seu couro
Tal como o ouro em seu brilho
Desperta e arrisca o assombro à cobiça
No fado de explodir a bola
Num voo atômico em direção à rede.

II
O atleta – certeiro – atinge o alvo duas vezes
Pé e cabeça se harmonizam nesse objetivo
E mais vezes, mais os olhos se guiam à rede – incansável,
Mistura de inseto, soldado, animal de testa larga
Arranca cem vezes o grito da torcida enlouquecida.

III
É azul, preto e branco, vermelho
O gosto da loucura ecoante
De rugidos da selva, de cantares da alvorada
E de sangue guerreiro de norte a sul do Brasil:
É Bira de Nueva Andaluzia, paraoara,
Dos pampas, das alterosas,
Do espiritu sancto do gol, das vitórias domingueiras
Das tardes ensolaradas, crepúsculos festivos
Da tela não-pintada de Michelangelo
(Alegoria de Deus que entrega a bola a Adão
No leve tocar de dedos)
Como um contrato entre as partes no Éden tupiniquim.

IV
É Bira, príncipe da arte de chutar no gol
Viajante contumaz do oco da bola
Onde moram os querubins do futebol

V
No contato da chuteira e a bola
Centelhas rompem imperceptíveis aos olhos da torcida
Mas ali, na trajetória da pelota ensandecida
Girando em curva ou reta
Corre o chute mágico do atleta uBIRAtan
Que trave alguma, vento algum, goleiro algum,
É capaz de parar ante o fundo da rede, o seu destino.

VI
É certo que o tempo, implacável como o goleador
Também abre ruas no rosto em movimento
Ventos empoeirados surgem abruptos dos logradouros
Como quem logra a vida em ciclos imemoriais.

VII
Onde se vê de novo o voo rasante dos quero-queros
Sobre verde do gramado?
Talvez no espelho da lembrança
Porque a fama, efêmera e fugaz
Faz da vida o templo da memória, onde se clama
O que ficou para trás
Onde os cantares se repetem em rituais
Para abençoar a glória dos que vencem
Em tempos que escrevemos nosso esquecimento.

VII
A voz grossa dos que torcem e glorificam
Deixam grandes silêncios na alma
Cobram-se cobranças, cobram-se castigos
A falta, a mão, o pênalti
E o gol, que para sempre é objetivo
Resta, então, a festa da massa em labaredas
Em gritos, confetes e bandeiras
(ou o desterro infausto em outros horizontes)
VIII
Entretanto o pé-de-ouro arrisca
Em balés de pés-de-lã/ pés-de-moleque
Pés-de-pato sob as gotas de um pé-d’água na neblina
Nas estações mais aziagas das paisagens-penitências

E realiza seu trabalho de cerzir o tempo e as camisas coloridas

IX
Ora, a inveja é um olhar sinistro
Que se movimenta sobre a dádiva
Ofertada aos talentosos
É um ovo só
Saído das entranhas da serpente,
Para reduzir a alma que alimenta com seu ranço

X
Ora, o futebol não se limita a homens
Em seus campos de lama e de gramas aparadas
Há um árbitro, há rivais que se trajam de esperança
Oponentes opulentos em nervos eriçados
Quando a bola cintilante gruda ao pé do craque
E ele mergulha nas funduras do seu rio
Onde cardumes geram suas eternidades
E esperam uma coreografia não ensaiada
Para, enfim, soltar a voz contida em milênios de partida

XI
Ah, a pira dos deuses parece penetrar em águas abissais
De onde irrompe o grito final do campeão

XII
Quem não viu não mais verá. Nem ouvirá
O clamor dos ribeirinhos do Amazonas, o eco da baía de Guajará
O som ferrífero da serra do Curral e o brado dos gaúchos do Guaíba.
Quem não viu não sentirá
A poesia refletida na potência do olhar, da mira
Da luz mágica do Bira e seu bólido de vidro e luz
Transformando-se em espelho pela última vez.

XIII
E nós aqui tal degredados em nossa própria aldeia
Apenas com as imagens do passado e nosso orgulho
Fomos os pés, os pés do Bira
Quando o chute governava a bola
E a noite vigorava um brinde
A mais um campeonato ganho na história
Pelos pés do nosso ídolo
De sonho e de memória.

Fernando Canto

Bira e Fernando Canto – Foto: Facebook do Canto.

* Poema para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque maior do futebol amapaense, falecido em setembro de 2020.

Poema de agora: Eu Que Nunca Falei de Amor – Marven Junius Franklin

EU QUE NUNCA FALEI DE AMOR

quando te conheci ouvia Friday I’m In Love
[e fazia um frio dilacerante em frente à plataforma de embarque]

quando te conheci andava feito saltimbanco por ruas e luas imaginarias
[estava deveras abatido dentro de meu guarda-roupa de sombras]

meus olhos buscavam o tempo que passou[ e já passava das 19h ]
sempre imerso em meu castelo de pedra

as verdades eram o que os meus mortos diziam
e a claridade[falsa incandescência] me ofuscava quando amanhecia lá pros lados de Saint George

ah! ao te conhecer beirava o suicídio
e quando você chegou [vestida de girassóis] as flores renasceram em meu horto de mentira [e agora as horas são sonetos de Pessoa que ouço em transe!]

ah! quando você chegou…Eu renasci vestido de bruma!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: SEXO LITERAL – Pat Andrade (Por conta de hoje, 5 de maio, ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa)

SEXO LITERAL

e veio a palavra beijar-me a boca
enfiou em mim sua língua
usou muitos substantivos
deu-me adjetivos
causou-me advérbios

depois de rápida análise
entreguei-me aos seus verbos
apaixonei-me por tempos e modos
me envolvi com sua semântica
lambi cada fonema

encantada com seus significados
vencida por suas conjugações
não tive dúvidas…
fiz amor com ela

Pat Andrade

 

* Poesia por conta de hoje, 5 de maio, ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa

Poema de agora: A Reciclagem – Ori Fonseca

A RECICLAGEM

Que bom! Desceste à tal Mansão dos Mortos,
Onde tua língua azeda e ossos tortos
Se juntarão à terra finalmente.
Tu não terás um sono sossegado,
Revirarás de um lado pra outro lado
Antes de acomodar-te eternamente.

Isso porque na câmara de horrores,
Inda terás teus múltiplos tremores,
Espasmos naturais de teu sumiço.
E chegam teus convivas pro festim,
Com fome insana que jamais tem fim,
Deixando em teu lugar só rebuliço.

Tua boca inchada não dirá palavra,
As letras que escaparam de tua lavra
Não poderão te socorrer — és mudo.
Terás perdido a farsa da eloquência
E deixarás, com estranha paciência,
Que se torne em nada o que te foi tudo.

O caçador de outrora agora é caça,
Ofertas sem vergonha tua carcaça
Ao deleite de seres subterrâneos.
E logo ostentarás no horror de um fosso
Cada vértebra, artelho, cada osso
Comungando com diferentes crânios.

A cova de teus olhos será oca,
No lugar do lugar que já foi boca,
Haverá só um sorriso cretino.
No peito onde batia um coração,
Só a lama da decomposição
Fervilhará com frêmito assassino.

Reduzido a minúscula matéria,
Passados anos, nem mesmo a bactéria
Que te fez ceia far-te-á lembrança.
Agora, nada do humano que tu eras
Pode ser sentido nas primaveras
Nem na tempestade, nem na bonança.

Teus filhos te acompanham no destino,
Determinado no âmago uterino,
O mesmo desenhado pra teus pais,
De caçar vida e ser caça da morte,
Até que o corpo débil não suporte
O menor peso, que será demais.

Agora, és só poeira em suspensão,
Nem mesmo enches uma palma de mão,
És irrisório e imenso ao mesmo tempo.
Podes estar nos olhos da menina,
Na garra feroz da ave de rapina,
No grão de pólen que viaja ao vento.

Então, sem seres tu jamais de novo,
És gema interminável de algum ovo
A eclodir em revida interminável.
E, sim, morrerás milhões de outras vezes
Todo santo dia em todos os meses
Que a vida te clamar inexorável.

Teus amados choraram tua partida,
Mentiram te lembrar por toda a vida
E juraram te amar, também mentindo.
Dor e felicidade a morte encerra:
Se deixaste tristeza sobre a terra,
Debaixo dela, és tu muito bem-vindo!

Ori Fonseca

Poema de agora: Zonzo – Luiz Jorge Ferreira

Zonzo

Hoje meu coração despertou a galope.
Quase derrubou-me no sofá com a outra metade dos dentes, que teimavam em sorrir.
Assustou o gato de porcelana e suas dezesseis aranhas entre suas teias… embaraçou minhas hemácias dentro das veias, se espalhou pelo Wi-Fi rumo a Disneyland.

Hoje a água dentro da torneira do jardim…
Desnecessariamente zombou de mim…
E se transformou em lagrimas…
Os Zangões em seus ternos de Gabardine escuro.
Abrigaram-se nas fissuras do muro achando que era festa da Independência.

Desci os degraus de pares a ímpares, com a pressa dos Reis Magos para ver Cristo…
até parar na encruzilhada entre a sala e o corredor que sai na cozinha.

Meu coração então resolveu pular um Frevo.
Destes Frevos do Moraes Moreira …
Destes que a gente inicia a pular com um ano, junto com a Fada do Dente.
E se termina de repente…
Quando a realidade, nos abraça, já envelhecido.
Mas não há de ser nada essas recordações em forma de pequenos pássaros surgindo na janela, com seus ruídos,
enquanto eu canto Bee Gees…e danço alegremente ao lado de uns rabiscos desorganizados…
Que imagino serem você sorrindo.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: “Eu queria te amar mais” – Fernando Canto

Eu queria te amar mais

Eu queria te amar mais
Mais um pouco
Diante das verdades aparentes
Diante da aparência da verdade
Eu queria te amar
Na mentira ousada dos enganos
Na certeira memória
Dos acontecimentos
Eu queria te amar
Mas como?
Se a lavagem lúcida
Dos esquecimentos
Açoitam-me por desconfortáveis momentos por onde o jogo segue sem seus vencedores.
Eu queria te amar mais
No caminho da sorte alumbrada
Nos olhos intensos que deturpam a paisagem sem fundo
Na arte do que a vista penetra como um tiro
Em disparos sucessivos de virilidade
Eu queria te amar mais.
Mas como?
Digo a mim mesmo
Se o amor se retém no fio da sombra às vezes escondido sob o varal de roupas escuras.

Fernando Canto

Poema de agora: Vou… (Luiz Jorge Ferreira)

Vou…

Andei para Andrômeda
Não imagino porquê andei…
Talvez fugindo do Sol,
Talvez mergulhando no mar, para afogar minha sombra que um pouco engordou.
Distraído, fingi que fui Deus por milionésimos de segundos…
assustado…
acordei…em mim.
Levantei aos sobressaltos, e derrubei o teu sapato tendo relações com a minha meia.
Os óculos a tudo viam….dependurados entre o espelho do quarto, e o terceiro peixe amarelo no Aquário.

Fingi fugir…embrulhei meus sonhos com um Ededron colorido , cheio de figuras de Duendes nus.

Recolhi o Sol , e em seu lugar plantei um vaso de Acácias magras…recém vindas de uma paixão com o Paticholin…

Olhei mais uma vez a mochila, dentro…chovia…
Fora a vida encardida, exausta do passar dos anos, assoava o nariz, e gemia.

Cantei o terceiro Cântico.
De uma Ária infame, em que as asas somem.

De mim apanho a mochila, arrumo a carcaça na qual dependuro o corpo, já torto, e sigo.

A alma abandono, sentada na calçada, defronte a uma rua sem saída, onde ela escolheu passar os últimos dias.
E roendo as unhas aguarda pacientemente que sobrevoe um avião da Panair.

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro …Defronte a Boca da Noite ficam os dias de Ontem.

Poema de agora: O CORTE

O CORTE

A veia da poesia está rompida,
A palavra escorre em busca da morte,
O verbo, que outrora caminhou forte,
Estanca, coagulando-se sem vida.
Porque a palavra escrita não é lida,
Talvez o escrever já não importe.
Por isso, veia minha, dou-te um corte
E ofereço a teu sangue uma saída.


Em meu pulso, todo verso é uma algema
Capaz de acorrentar todo o universo,
Por isso luto por manter-me emerso.
Enfim, sinto fisgar a dor extrema,
Então, eu corto os pulsos do poema
E deixo sangrar um último verso.

Ori Fonseca

Poema de agora: Cabisbaixo ladeira abaixo! – Luiz Jorge Ferreira

Cabisbaixo ladeira abaixo!

Cristo morre todos os dias
Quando se fere uma criança
…se aprisiona um pássaro
…se envenena os pastos
Uma bomba explode sobre a multidão indefesa
Subo de joelhos o Himalaia…
…arranco as asas e mastigo fel
…agarro-me a minhas dores para que elas não partam…
Gostaria de ser Nero…para suspender a tortura das criancinhas da Judeia
Mas só estou adoentado de tristeza
amordaçado de raiva
…minhas mãos vivem fechadas ameaçando o infinito
…noutra noite toquei fogo nos amaldiçoados
…e os que flagrei pulando muros com machados
Os fiz serem abortados por volta de 53
Jesus morre todos os dias…
Não sei como Deus aguenta…

Luiz Jorge Ferreira