Poema de agora: Trilhas – Pat Andrade

Trilhas

à toa me pergunto
quais os caminhos secretos
do amor e do afeto
como se forja essa trilha?

em busca de resposta
trago os pés descalços
tenho o passo vacilante
as quedas me ameaçam
a cada trecho que ando

não posso evitar
ladrilhos quebrados
os cortes profundos
deixam à mostra
feridas antigas
e um passado feio

mesmo assim
vou em frente
cheia de temor e medo
encho os olhos de orvalho
festejo a chuva que cai
e reescrevo minha vida
em vermelho

Pat Andrade

Poema de agora: REGÊNCIA – (@cantigadeninar)

REGÊNCIA

Teu nome
Verbo intransitivo
Que cabe em minha boca
Em cada sussurro ao pé do ouvido.

Meu sentimento
Verbo transitivo eterno
Amo, a partir desse momento,
Você: objeto direto.

Necessidade latente assim
Também requer complemento:
Preciso de você, rente a mim,
Com preposições em movimento.

Tu, tão cheia de predicados;
Eu, tão carente de predicativos;
Tu, sujeita a mil pecados;
Eu, conjunto de frases sem sentido.

Nós, oração de mensagens repletas;
Nós, semanticamente perfeitas;
Nós, formas morfológicas completas;
Nós, linguisticamente eleitas.

Sintaxe
Nossa.
Sinta-se…
Minha.

Lara Utzig

Poeta Carla Nobre abre pré-venda de seu novo livro “Variações do Infinito”

Nesta segunda-feira(12), Dia dos Namorados, data propícia para o amor, a poeta Carla Nobre abre a pré-venda de seu mais novo livro “Variações do Infinito”, com uma oportunidade a mais para seus leitores.

Com toda a potência poética do amor e a saborosa intensidade de tudo o que vive, Carla Nobre traz para as páginas de seu novo livro, um mergulho no universo das palavras. É o cosmo infindo de suas vivências registrado em “Variações do Infinito”.

A capa e as ilustrações internas do livro são assinadas pela talentosa ilustradora Carla Antunes, a revisão é do Professor Mestre Kerllyo Barbosa Maciel e o prefácio, do Professor Doutor Yurgel Caldas. Para Yurgel, “O público que tem a experiência de ver e ouvir Carla Nobre em sessões de recitais e performances em grupos de poesia e outros eventos, e que permite esse tipo de trânsito (do livro ao corpo, passando pelo corpo da escrita), vale a pena imaginar os poemas do livro Variações do Infinito.” A obra permite essa conexão emocional entre escritora e leitor.

Na contracapa temos a referência da primeira leitura do livro feita pelos Poetas Azuis, Pedro e Thiago, que afirmam: “… Quando o livro vai ganhando aquele gosto de pôr-do-sol, é como se o infinito de Carla e o infinito do universo fossem um só, são infinitos descritos com tudo que a poesia pode oferecer …”

O livro tem lançamento previsto para 31 de agosto, deste ano.

Este projeto foi contemplado pelo Edital n°. 003/2020 – SECULT-AP

A tiragem da obra é de 300 exemplares, deste número, 30% é a contrapartida da Secult, cuja distribuição será destinada, gratuitamente, às bibliotecas de instituições públicas de ensino.

Promoção de pré-venda

A compra antecipada garante o valor promocional de R$30 (trinta reais), o exemplar.

Nessa pré-venda, adquirindo 4 livros com o pagamento antecipado, o comprador ganha mais desconto e os livros saem por R$100 (cem reais).
Promoção por tempo limitado.

Mais informações e pré-venda: (96)98138-5712 (somente whatsapp) e (96)99179-4950 (somente ligação).

Assessoria de comunicação

Poema de agora: Adverso – Luiz Jorge Ferreira

Adverso

Compro coisas que eu nem sei p’rá que servem
Componho músicas que eu nem sei p’rá quem são
Escrevo textos a torto e a direito.
Parecem psicografias do coração.

Todos na rua conheço, e nem sei quem são…
Todas as padarias que frequento parece que combinaram, e fazem o mesmo pão.
Os filmes que assisto, esse roteiro, me pergunto em silêncio…
…a cena que ela parte imóvel e eu aceno com um lenço azul.
O roteirista a escreveu…
Ou fui eu que vivi quando ela morreu.

Tenho um celular cheio de postagens, já as vi dezenas de vezes, e me emociono como se as visse pela primeira vez.

Um dia há muito eu queria fazer história…
Queria comprar Castelos, hoje os vejo entupidos de poeira, lotados de teias de aranhas, e uns poucos Pirilampos que cercam o … the end…
em um ciclone cada vez mais fechado, onde as cigarras cantarolam
trechos de uma Canção que já imaginei fazer.
Mas não fiz.
Sigo sem rumo…rumo ao adiante, levando o cartão na mão, e uma imensa vontade de se a achar, comprar sua dublê.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: À DERIVA – Ori Fonseca

 


À DERIVA

Margarida deixou-me no rio Tapajós,
Fiquei ali tão desolado a ver navios
Que se iam para longe de mim com meus brios,
Deixando-nos, eu e minha vergonha, a sós.

Como uma anti-sereia, espantou-me co’a voz
A falsetear adeuses em todos os rios
Por onde boiassem os olhos sombrios,
Sempre à deriva, zanzando de foz a foz.

Parti do Juruema atrás de alguma vida,
Gritei no Crepori: “Por que tu me abandonas”?
Passado o Jamanxim, a vida era perdida.

Nessas águas fui devorado feito Jonas.
No breu do Arapiuns, no barro do Amazonas…
Em todos eu vi o fantasma de Margarida.

Ori Fonseca

Poema de agora: CARNAL – Ori Fonseca

O lavrador – Candido Portinari. 1935 – Óleo sobre tela (130x195cm) – Localização: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

CARNAL

Alguém sangrando da cabeça aos pés
Não pode responder por sua palavra,
Nem pela enxada na terra que lavra,
Nem pela estaca no peito que crava.

Na luta, diante de uma fera brava,
Guerreando contra os monstros mais cruéis,
Alguém já cambaleando de viés
Já não tem leis, nem reis, nem coronéis.

É, o instinto pela vida, animal;
Alguém que sangra não o faz sem luta,
Transforma sua fraqueza em força bruta

E combate por sua vida carnal.
E por saber-se efêmero mortal,
Pra não ser executado, executa.

Ori Fonseca

Poema de agora: O JARDIM – Ori Fonseca

O JARDIM

É tempo de saudade em meu jardim,
Pétalas caídas de tantas flores
Falam-me de primaveras de dores
Ao mesmo tempo breves e sem fim.

O cheiro de Margarida está em mim,
O de Rosa também, com seus temores;
De Camélia, o sabor dos dessabores
De mais uma flor a arquejar “é o fim”!

Violeta se fechou de madrugada,
Marcela foi roubada ao fim do dia,
Yasmim morreu de sede, coitadinha.

Despetalou-se Hortênsia, transtornada;
Dália afogou-se de melancolia.
Hoje, há só cardo, espinho e erva daninha.

Ori Fonseca

Poema de agora: ALADA – Ori Fonseca

ALADA

Mamífera alada de olhos de cobre,
Desses olhos de cobra venenosa,
Língua bifurcada a passear sobre
A pele arrepiada do ser que goza,
Sendo a plena riqueza do homem pobre.

Mama do mais puto leite que existe
A saciar todos os males da sede
Que entra no sonho, cai no sangue e insiste
Em maltratar e jogar na parede,
Sendo a única alegria do homem triste.

As tetas a me olhar de lado a lado
Pareciam dizer-me “estás vencido”.
Então, olhei nos olhos do passado
E vi o colo asado, o peito querido
Sendo o terno abrigo do homem cansado.

Mulher da perdição a que me entrego
Por que persegues os que não têm sono,
Aniquiladora do superego?
És berço de acalanto e de abandono,
Sendo a límpida visão do homem cego.

Mamífera dos seios de conforto,
Desses receios de vulcão ativo,
Lava de leite a me servir de porto,
Sendo a morte abençoada do ser vivo,
Sendo o sopro de vida do homem morto.

Ori Fonseca

Poema de agora: Wajãpi – Ricardo Iraguany

O cacique Seremeté, da Terra Indígena Waiãpi (em Pedra Branca do Amapari – AP), trata madeira para fazer fogo em uma margem do Rio Kerekuru. Os peixes são defumados durante horas na fogueira. O preparo é conhecido como peixe moqueado, uma especialidade dos povos ribeirinhos da Amazônia. Foto: Victor Moriyama.

Wajãpi

Todos os dias
Você me surpreende
Prende-me e liberta-me
Crio asas e voo
Com tua chegada
Chego em Vênus
Veneza, Versalhes
Vejo o Louvre
E a lua é Liverpool
Escuto Help
E danço contigo
A valsa vienense
De mãos dadas
Rolamos pela grama
Em gramado
E o fado nos silencia
Ao som de Lisboa
Atravessamos o Tejo, o tédio
Nas páginas de Camões e Pessoa
Nas viagens em volta do meu quarto
As três da madrugada ouvindo Torquato
Ou lendo Ilíada a odisseia
Saio vagando as estrelas
Na rota das constelações
Mergulhado nas profundezas
wajãpi

Ricardo Iraguany

Poema de agora: Boa Noite minha saudade – Luiz Jorge Ferreira

Boa Noite minha saudade

Pai vai mimi, feliz
Por uma tia cristã que se recupera do Avc, por filho, pela vida…que jovializa o passado.
Coisa mais bonita…
Pela noite.
Pelos cães que ladram na rua cada um em um tom.
Pelos gatos que miam em desacordo com o silêncio, que acordo quando coço os cabelos, brancos da neve malina do mesmo Time.
…que abrigam os pensamentos que só são meus quando não os penso em sua totalidade.

Pai vai mimi, feliz
Por filhos, por dogs, pela vida pacifica dos livros na estante…
Coisa mais bonita…
Estórias…Histórias…
homens e mulheres que as criaram os quais não conheci, mas sei o nome, vagam em seus jardins de letras, vogais, virgulas, e consoantes, sobre as quais escondo os pés dentro de um par de meias.

Pela noite
Pelos cães que ladram na rua cada um em um tom.
Pelos gatos que miam em desacordo com o silêncio que acordo quando coço os cabelos
…que abrigam os pensamentos que só são meus quando não os penso em sua totalidade…como letras datilografadas…
…passam a ser da cidade que antes de mim já dormiu…

Passam a apostar corrida com a eternidade que se posta toda prosa e não poesia, se estou a pé e quero atravessar a Avenida, parece ter o tempo de uma vida.
E se estou no mesmo farol mas dentro do carro indo ao trabalho, leva incríveis 60 segundos que para mim representa o tempo eterno de criar o Universo, e varias reencarnações.
Papai vai compor uma canção de gritos, desunidos e uníssonos como os emitidos pelas crianças na ante sala da Vacinação.
Na cavidade única das quatros que possuo dentro do coração.
Há sempre som, por certo tempo.
Pai toca um acorde que não lhe acorda a alma.
Com sua mão menos ágil que quando a usava para ritmar frevos, ou desenvolver Baiões… está com o tempo espremido em uma marmita que aposto que a engule bem antes que o trem nesse vai e vem ultrapasse a sombra da lua que sobrevoa os degraus do trilho como se catasse mal me quer bem me quer, folha por folha, uma de sombras opacas, outra verdadeira…
Lá ou aqui adiante…
Os sonhos entram pela janela embaralham os chinelos, e a gente com eles não podem correr.
… Pai vai mimi.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: O Elogio do Pé – (Fernando Canto para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque do futebol amapaense)

O ELOGIO DO PÉ

I
Ainda que a mão guie
O rápido correr do atleta
O pé equilibra a perseguição da pelota e seu couro
Tal como o ouro em seu brilho
Desperta e arrisca o assombro à cobiça
No fado de explodir a bola
Num voo atômico em direção à rede.

II
O atleta – certeiro – atinge o alvo duas vezes
Pé e cabeça se harmonizam nesse objetivo
E mais vezes, mais os olhos se guiam à rede – incansável,
Mistura de inseto, soldado, animal de testa larga
Arranca cem vezes o grito da torcida enlouquecida.

III
É azul, preto e branco, vermelho
O gosto da loucura ecoante
De rugidos da selva, de cantares da alvorada
E de sangue guerreiro de norte a sul do Brasil:
É Bira de Nueva Andaluzia, paraoara,
Dos pampas, das alterosas,
Do espiritu sancto do gol, das vitórias domingueiras
Das tardes ensolaradas, crepúsculos festivos
Da tela não-pintada de Michelangelo
(Alegoria de Deus que entrega a bola a Adão
No leve tocar de dedos)
Como um contrato entre as partes no Éden tupiniquim.

IV
É Bira, príncipe da arte de chutar no gol
Viajante contumaz do oco da bola
Onde moram os querubins do futebol

V
No contato da chuteira e a bola
Centelhas rompem imperceptíveis aos olhos da torcida
Mas ali, na trajetória da pelota ensandecida
Girando em curva ou reta
Corre o chute mágico do atleta uBIRAtan
Que trave alguma, vento algum, goleiro algum,
É capaz de parar ante o fundo da rede, o seu destino.

VI
É certo que o tempo, implacável como o goleador
Também abre ruas no rosto em movimento
Ventos empoeirados surgem abruptos dos logradouros
Como quem logra a vida em ciclos imemoriais.

VII
Onde se vê de novo o voo rasante dos quero-queros
Sobre verde do gramado?
Talvez no espelho da lembrança
Porque a fama, efêmera e fugaz
Faz da vida o templo da memória, onde se clama
O que ficou para trás
Onde os cantares se repetem em rituais
Para abençoar a glória dos que vencem
Em tempos que escrevemos nosso esquecimento.

VII
A voz grossa dos que torcem e glorificam
Deixam grandes silêncios na alma
Cobram-se cobranças, cobram-se castigos
A falta, a mão, o pênalti
E o gol, que para sempre é objetivo
Resta, então, a festa da massa em labaredas
Em gritos, confetes e bandeiras
(ou o desterro infausto em outros horizontes)
VIII
Entretanto o pé-de-ouro arrisca
Em balés de pés-de-lã/ pés-de-moleque
Pés-de-pato sob as gotas de um pé-d’água na neblina
Nas estações mais aziagas das paisagens-penitências

E realiza seu trabalho de cerzir o tempo e as camisas coloridas

IX
Ora, a inveja é um olhar sinistro
Que se movimenta sobre a dádiva
Ofertada aos talentosos
É um ovo só
Saído das entranhas da serpente,
Para reduzir a alma que alimenta com seu ranço

X
Ora, o futebol não se limita a homens
Em seus campos de lama e de gramas aparadas
Há um árbitro, há rivais que se trajam de esperança
Oponentes opulentos em nervos eriçados
Quando a bola cintilante gruda ao pé do craque
E ele mergulha nas funduras do seu rio
Onde cardumes geram suas eternidades
E esperam uma coreografia não ensaiada
Para, enfim, soltar a voz contida em milênios de partida

XI
Ah, a pira dos deuses parece penetrar em águas abissais
De onde irrompe o grito final do campeão

XII
Quem não viu não mais verá. Nem ouvirá
O clamor dos ribeirinhos do Amazonas, o eco da baía de Guajará
O som ferrífero da serra do Curral e o brado dos gaúchos do Guaíba.
Quem não viu não sentirá
A poesia refletida na potência do olhar, da mira
Da luz mágica do Bira e seu bólido de vidro e luz
Transformando-se em espelho pela última vez.

XIII
E nós aqui tal degredados em nossa própria aldeia
Apenas com as imagens do passado e nosso orgulho
Fomos os pés, os pés do Bira
Quando o chute governava a bola
E a noite vigorava um brinde
A mais um campeonato ganho na história
Pelos pés do nosso ídolo
De sonho e de memória.

Fernando Canto

Bira e Fernando Canto – Foto: Facebook do Canto.

* Poema para Ubiratan do Espírito Santo, o “Bira”, craque maior do futebol amapaense, falecido em setembro de 2020.

Poema de agora: Eu Que Nunca Falei de Amor – Marven Junius Franklin

EU QUE NUNCA FALEI DE AMOR

quando te conheci ouvia Friday I’m In Love
[e fazia um frio dilacerante em frente à plataforma de embarque]

quando te conheci andava feito saltimbanco por ruas e luas imaginarias
[estava deveras abatido dentro de meu guarda-roupa de sombras]

meus olhos buscavam o tempo que passou[ e já passava das 19h ]
sempre imerso em meu castelo de pedra

as verdades eram o que os meus mortos diziam
e a claridade[falsa incandescência] me ofuscava quando amanhecia lá pros lados de Saint George

ah! ao te conhecer beirava o suicídio
e quando você chegou [vestida de girassóis] as flores renasceram em meu horto de mentira [e agora as horas são sonetos de Pessoa que ouço em transe!]

ah! quando você chegou…Eu renasci vestido de bruma!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: SEXO LITERAL – Pat Andrade (Por conta de hoje, 5 de maio, ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa)

SEXO LITERAL

e veio a palavra beijar-me a boca
enfiou em mim sua língua
usou muitos substantivos
deu-me adjetivos
causou-me advérbios

depois de rápida análise
entreguei-me aos seus verbos
apaixonei-me por tempos e modos
me envolvi com sua semântica
lambi cada fonema

encantada com seus significados
vencida por suas conjugações
não tive dúvidas…
fiz amor com ela

Pat Andrade

 

* Poesia por conta de hoje, 5 de maio, ser o Dia Mundial da Língua Portuguesa

Poema de agora: A Reciclagem – Ori Fonseca

A RECICLAGEM

Que bom! Desceste à tal Mansão dos Mortos,
Onde tua língua azeda e ossos tortos
Se juntarão à terra finalmente.
Tu não terás um sono sossegado,
Revirarás de um lado pra outro lado
Antes de acomodar-te eternamente.

Isso porque na câmara de horrores,
Inda terás teus múltiplos tremores,
Espasmos naturais de teu sumiço.
E chegam teus convivas pro festim,
Com fome insana que jamais tem fim,
Deixando em teu lugar só rebuliço.

Tua boca inchada não dirá palavra,
As letras que escaparam de tua lavra
Não poderão te socorrer — és mudo.
Terás perdido a farsa da eloquência
E deixarás, com estranha paciência,
Que se torne em nada o que te foi tudo.

O caçador de outrora agora é caça,
Ofertas sem vergonha tua carcaça
Ao deleite de seres subterrâneos.
E logo ostentarás no horror de um fosso
Cada vértebra, artelho, cada osso
Comungando com diferentes crânios.

A cova de teus olhos será oca,
No lugar do lugar que já foi boca,
Haverá só um sorriso cretino.
No peito onde batia um coração,
Só a lama da decomposição
Fervilhará com frêmito assassino.

Reduzido a minúscula matéria,
Passados anos, nem mesmo a bactéria
Que te fez ceia far-te-á lembrança.
Agora, nada do humano que tu eras
Pode ser sentido nas primaveras
Nem na tempestade, nem na bonança.

Teus filhos te acompanham no destino,
Determinado no âmago uterino,
O mesmo desenhado pra teus pais,
De caçar vida e ser caça da morte,
Até que o corpo débil não suporte
O menor peso, que será demais.

Agora, és só poeira em suspensão,
Nem mesmo enches uma palma de mão,
És irrisório e imenso ao mesmo tempo.
Podes estar nos olhos da menina,
Na garra feroz da ave de rapina,
No grão de pólen que viaja ao vento.

Então, sem seres tu jamais de novo,
És gema interminável de algum ovo
A eclodir em revida interminável.
E, sim, morrerás milhões de outras vezes
Todo santo dia em todos os meses
Que a vida te clamar inexorável.

Teus amados choraram tua partida,
Mentiram te lembrar por toda a vida
E juraram te amar, também mentindo.
Dor e felicidade a morte encerra:
Se deixaste tristeza sobre a terra,
Debaixo dela, és tu muito bem-vindo!

Ori Fonseca