quando a cidade quase submerge agarra-se numa boia um tronco de árvore sonâmbulo que vagueia pelas águas no mapa sublinho a palavra Macapá que quer dizer: senhora de óculos sentada de costas para o portão com 262 primaveras floridas em uma saia de marabaixo a coisa mais bonita do mundo aquilo que vem enfiado nos pés uma ponta de madeira, uma dança o meio do mundo uma fortaleza nunca usada lugar de muitas bacabas boêmios, laguinho por onde um trem nunca para em nenhuma estação há sempre de seguir viagem é um trava língua pronunciar: buritizal é inevitável sobretudo não dizer: “cidade morena ou linha do equador” desconfio que a palavra Macapá não vem do tupi como dizem os historiadores surpreendente seria se Macapá tivesse sido extraída do barro escuro que estranhamente se espreguiça no rio amazonas.
“Adelantado de Nueva Andaluzia. Tu sabias, mano que esse foi o primeiro nome oficial às terras do nosso Amapá?
Em 1544 o Rei da Espanha, Carlos V, concedeu a Francisco Orellana este lugar, mas o grande navegador não chegou a assumi-lo por ter naufragado quando para cá se dirigia.
Desde Pinzon que os espanhóis e os portugueses disputavam acirradamente nossas terras em virtude do Tratado das Tordesilhas.
Depois vieram os holandeses, os ingleses e os franceses.
Depois portugueses, índios e negros, nossos avós, garantiram nossos destinos conquistando definitivamente a foz do rio Amazonas rechaçando com atos de heroísmo os flibusteiros e marinheiros europeus.
E nós, como povo, temos nossa História. Brava História.
Por isso, compadre, que um dia, na antiga Província dos Tucujus, chegou o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado para fundar neste local a então Vila de São José de Macapá.
Era o dia 4 de Fevereiro de 1758.
Daí em diante esta cidade cresceu e se fez bonita.
E em maio de 1944 Macapá foi transformada em capital do Território Federal do Amapá, criado um ano antes.
Foram chegando os pioneiros.
Cada qual com seu trabalho e sua coragem. Saga e valentia.
Só mesmo homens e mulheres dispostos a trabalhar poderiam modificar aquele quadro triste de doença, analfabetismo e miséria. Nossos pais e avós, todos juntos, reuniram suas forças para trabalhar por esta terra. O sentimento de amor e de progresso era superior ao esmorecimento e ao pessimismo.Tudo foi modificando-se.
Chegou o primeiro carro e o primeiro avião.
O primeiro campo de aviação foi construído e foi para o ar o primeiro programa na velha e querida Rádio Difusora de Macapá, uma das pioneiras do Brasil.
Instalou-se a primeira usina de luz, o primeiro hospital.
Égua! O Caixa de Cebola foi o nosso primeiro ônibus. Depois veio o Gavião Malvado… Tudo tinha nome ou apelido.
Havia a “Turma do Buraco” que arborizava Macapá…
Em Macapá faziam sátira com a música “Cidade Maravilhosa” e cantavam assim: “Cidade Maravilhosa/ Cheia de catabil…”
Pois sim, essas pessoas que a cantavam, assim o faziam porque não tinham a visão do futuro.
Macapá tinha o horizonte aberto para receber as mãos dos homens trabalhadores que chegavam de todas as paragens.
E juntos, com os que aqui já se encontravam – mineiros, cariocas, nordestinos, gaúchos – todos trabalhavam e pensavam em progresso. E como na lenda da cigarra e da formiga uns cantavam, mas a maioria trabalhava.
E esta cidade, mano, foi crescendo ao som do Marabaixo que a preta velha cantava na Quarta-Feira da Murta pelas ruas do Laguinho e da antiga Favela.
“Passei pelo lírio roxo Cinco folhinha apanhei Cinco sentido qu’eu tinha Todos os cinco lá deixei”.
Todo um sentimento poético abraçava a cidade. E Macapá estava linda sob o sol.
Aliás, a luz sempre simbolizou a vida.
O sol beija o rio na maior parte do ano. E ao nascer todos os dias ele traz para nós a esperança de dias melhores e mais mansos.
Sabe, mano, enquanto soubermos discernir o bom do ruim faremos deste lugar a razão de nossa felicidade, pois ela permanecerá acesa nos nossos lares.
Devemos ainda aprender a amar nosso chão e nosso céu de sonhos. Temos tudo para ir adiante, assim como nosso primeiro nome, lembras?
Adelante, adiante, para a frente.
É importante sermos otimistas e ter os pés neste solo. Batalhar e trabalhar para fazer desta terra um mundo de coisas boas.
Sim, um mundo moldado com as mãos e com a respeitável inteligência de nossos irmãos.
Tu já fizestes uma viagem, não foi? Sem querer tu pensaste em alguns detalhes e fostes e voltaste.
Assim como tu, nossos dirigentes também pensam, planejam e realizam obras que nossos filhos vão falar com orgulho e seus corações também falarão através de um grande sorriso em suas bocas.
É preciso continuar planejando para atender aos anseios de nossos irmãos carentes.
É preciso combater os malefícios e pensar no bem-estar geral. É preciso, compadre, é preciso trabalhar.
E nós estamos trabalhando prá viver e se for preciso até morrer por este lugar.
Adiante, adelante, adelantado.
Bem ali, no mais tardar das esperanças tu construirás o teu tempo.
Nem que seja sobre a folha que cairá de uma árvore sob o impacto da chuva.
Olha, mano, deves ter a certeza que o rio corre para um único destino: o mar.
E nesta linda cidade paira a luz sobre nossas cabeças.
Então, iluminados, devemos homenageá-la.
Já viste o rio amazonas deitado no seu leito. Já viste a importância da Fortaleza de São José. Já viste também os namorados apreciando o rio parir uma lua gordinha lá no Quebra-Mar.
Então tu sabes, mano, como é linda e hospitaleira a nossa cidade, né? Pois é.
O Marco Zero do Equador passa aqui pertinho, separando o mundo em dois hemisférios. Já notaste que vem tanta gente aqui pra visitá-lo?
Tem uns turistas louros, morenos, pretos e amarelos que só tiram fotografias com as pernas abertas dizendo que estão no meio do mundo.
Sabes por quê? Ora, Macapá é importante…
Mas tu sabes o que significa a palavra Macapá? Não?
Macapá é uma variação de Macapaba, que quer dizer, na língua dos índios, estância das macabas, o lugar de abundância de bacaba.
Bacaba é uma fruta boa e gostosa, né?
Apesar de gordurosa ela alimenta muito a gente e o seu vinho ainda tem aparência de café com leite.
É assim como o açaí, o nosso petróleo comestível que a gente compra um litro na amassadeira do Ramiro e dá de pau na hora do almoço. Temos tanta fruta que tu nem imaginas…
Temos cupuaçú, graviola, bacuri, jenipapo, uxi, pupunha, camapu, ingá, chega a dar água na boca.
Mas, compadre, Macapá é uma linda morena.
Vês que de manhã aquele solzão bate no Amazonas que chega até encandear a gente.
Macapá é uma cidade segura. Aqui o rio nunca transbordou.
E quando o sol vai embora, mano, nós ficamos com a certeza que ele voltará.
E assim como nós acreditamos nisso, nós acreditamos no futuro e no trabalho de nossos irmãos.
Na essência da poesia a Macapá o que vamos encontrar é a alma do povo. O povo que sonha, ama e constrói.
Neste poema, cada dia reescrevemos um verso apaixonado. Uma declaração de amor à nossa cidade, que mesmo se tornando uma capital diferente daqueles dias de Adelantado, não aceitou perder sua alma, nem endurecer seu coração.
Nota do Editor: Esta arrumação de história, prosa e poesia do escritor Fernando Canto serviu para ilustrar cartazes e folhetos distribuídos há algum tempo por iniciativa do então secretário de Planejamento, Antero Dias Lopes. A tiragem foi limitada de modo que não muita gente teve acesso a essa tirada do Fernando. publicando o trabalho, a A Província dá oportunidade a milhares de leitores enxergarem Macapá por um lado diferente, saboroso.
Jornal do Amapá – N°148 Pág.12, 2° Caderno. A Província do Pará – Belém, Domingo, 17 e Segunda-Feira, 18 de abril de 1988.
Sempre que procuro no peito A geografia do amor O mar que abriga meu lar
A luz de um lugar acende em meu peito.
Paisagens que o tempo não leva: Um santo que abraça o amazonas, Grande casa de pedras, igrejinha, A bênção, meu S. José!
Sempre que penso no lar, É batuque, samaúma, maré cheia Ruas enfeitadas de mangueiras Capital morena, segunda mãe
Casa minha.
Terra da poesia de Fernando, Alcinéa, Maria Ester Marabaixo no pé, de Tia Luci até aqui, É igarapé das mulheres, lendas e crenças, Flores do mato,
Ervas que curam , vida que abunda, Cá dentro de mim.
Jaci Rocha
* Parabéns, terra querida.Obrigada, segunda mãe. Observação: há muito mais poetas, cantores e artistas em geral em nossa linda cidade. Sintam-se representados.
Enxuga a mão no guardanapo da cozinha antes de encostar em mim. Eu sou o resto de comida molhada na pia: restos de alface e arroz em meu camarim prestes a ser inundado de água fria. Cubra todas as frutas e o queijo. Eu sou a mosca que se deleita inclusive com os restos da pia. Esvoaçante e zumbindo pouso com um delicado beijo plantando larvas de zombaria. Eu sou as bactérias da geladeira: um botulismo, um h pylori… Não tenho cura, mesmo que se queira, nem com overdose de antibióticos hardcore. Eu sou esse farelo de bolacha do jantar que denuncia a falta de faxina no porcelanato e talvez esse papel de manchar seja minha única serventia de fato.
a menina baila sobre a infância terna (Macapá era um zéfiro a roçar em suas pernas) Baila a menina em tardes mudas distâncias eram vozes e sinfonias do atrás (Macapá era um cântico que emanava do Riomar)
entoo meu canto todo santo dia faço minha prece todo dia santo eu rezo por ti por teu espírito herege por tua alma funesta que derramas suave sobre os outros pra pensarem que tu prestas
os vapores noturnos turvam meu olho direito e assim, meio cega, percorro a trilha da solidão desesperada em ruas, becos, calçadas
tateio corpos abjetos de putas tristes e encantadas desvendo esquinas vilas, pontes e quartos sem janelas apalpo sonhos desfeitos traduzo desejos de homens alados bolino a intimidade da madrugada
no fim de tudo, resta apenas uma página repleta de sentimentos falsos
[hoje] o meu país desperta carrancudo sem a matriz deleitável dos alvoreceres e a beleza estonteante dos dias fulgentes (anoitece macambúzio sem o alaranjado dos pores do sol e o romantismo das antemanhãs). [hoje] o meu povo anda arriado – cabeça pelos pés – a alma a espargir desalento e os olhos alagados de expiação) (caminha vacilante sem a força dos nossos ancestrais e a coragem – imprescindível – de arguir). oh, senhores! vocês que inventaram a tristeza ora tenham a fineza de des-inventar!
No bar da esquina engulo quimeras urbanas (no cardápio escondidinho de esperança a suavizar doses de fogo)
Assim mesmo – enquanto o dia falece detrás da basílica – cumprimento o senhor que passa [de semblante sofrido & amargura] (presto atenção ao adejo acanhado das borboletas amarelas que bailam no telhado ao lado)
As horas passam os ônibus passam em direção ao centro & não me levam em seu trajeto cotidiano (estou ali – sempre – preso na sucessão dos dias)