Poema de agora: A cidade submersa – Pedro Stkls

A cidade submersa

quando a cidade quase submerge
agarra-se numa boia
um tronco de árvore sonâmbulo
que vagueia pelas águas
no mapa sublinho a palavra Macapá
que quer dizer:
senhora de óculos sentada de costas para o portão
com 262 primaveras floridas
em uma saia de marabaixo
a coisa mais bonita do mundo
aquilo que vem enfiado nos pés
uma ponta de madeira, uma dança
o meio do mundo
uma fortaleza nunca usada
lugar de muitas bacabas
boêmios, laguinho
por onde um trem nunca para
em nenhuma estação
há sempre de seguir viagem
é um trava língua pronunciar: buritizal
é inevitável sobretudo não dizer:
“cidade morena ou linha do equador”
desconfio que a palavra Macapá
não vem do tupi como dizem os historiadores
surpreendente seria se Macapá
tivesse sido extraída do barro escuro
que estranhamente se espreguiça
no rio amazonas.

Pedro Stkls

Macapá Cheia de Prosa e Verso (Por Fernando Canto) – republicado por conta dos 262 anos de Macapá

Por Fernando Canto

“Adelantado de Nueva Andaluzia. Tu sabias, mano que esse foi o primeiro nome oficial às terras do nosso Amapá?

Em 1544 o Rei da Espanha, Carlos V, concedeu a Francisco Orellana este lugar, mas o grande navegador não chegou a assumi-lo por ter naufragado quando para cá se dirigia.

Desde Pinzon que os espanhóis e os portugueses disputavam acirradamente nossas terras em virtude do Tratado das Tordesilhas.

Depois vieram os holandeses, os ingleses e os franceses.

Depois portugueses, índios e negros, nossos avós, garantiram nossos destinos conquistando definitivamente a foz do rio Amazonas rechaçando com atos de heroísmo os flibusteiros e marinheiros europeus.

E nós, como povo, temos nossa História. Brava História.

Por isso, compadre, que um dia, na antiga Província dos Tucujus, chegou o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado para fundar neste local a então Vila de São José de Macapá.

Era o dia 4 de Fevereiro de 1758.

Daí em diante esta cidade cresceu e se fez bonita.

E em maio de 1944 Macapá foi transformada em capital do Território Federal do Amapá, criado um ano antes.

Foram chegando os pioneiros.

Cada qual com seu trabalho e sua coragem. Saga e valentia.

Só mesmo homens e mulheres dispostos a trabalhar poderiam modificar aquele quadro triste de doença, analfabetismo e miséria. Nossos pais e avós, todos juntos, reuniram suas forças para trabalhar por esta terra. O sentimento de amor e de progresso era superior ao esmorecimento e ao pessimismo.Tudo foi modificando-se.

Chegou o primeiro carro e o primeiro avião.

O primeiro campo de aviação foi construído e foi para o ar o primeiro programa na velha e querida Rádio Difusora de Macapá, uma das pioneiras do Brasil.

Instalou-se a primeira usina de luz, o primeiro hospital.

Égua! O Caixa de Cebola foi o nosso primeiro ônibus. Depois veio o Gavião Malvado… Tudo tinha nome ou apelido.

Havia a “Turma do Buraco” que arborizava Macapá…

Em Macapá faziam sátira com a música “Cidade Maravilhosa” e cantavam assim: “Cidade Maravilhosa/ Cheia de catabil…”

Pois sim, essas pessoas que a cantavam, assim o faziam porque não tinham a visão do futuro.

Macapá tinha o horizonte aberto para receber as mãos dos homens trabalhadores que chegavam de todas as paragens.

E juntos, com os que aqui já se encontravam – mineiros, cariocas, nordestinos, gaúchos – todos trabalhavam e pensavam em progresso. E como na lenda da cigarra e da formiga uns cantavam, mas a maioria trabalhava.

E esta cidade, mano, foi crescendo ao som do Marabaixo que a preta velha cantava na Quarta-Feira da Murta pelas ruas do Laguinho e da antiga Favela.

“Passei pelo lírio roxo
Cinco folhinha apanhei
Cinco sentido qu’eu tinha
Todos os cinco lá deixei”.

Todo um sentimento poético abraçava a cidade. E Macapá estava linda sob o sol.

Aliás, a luz sempre simbolizou a vida.

O sol beija o rio na maior parte do ano. E ao nascer todos os dias ele traz para nós a esperança de dias melhores e mais mansos.

Sabe, mano, enquanto soubermos discernir o bom do ruim faremos deste lugar a razão de nossa felicidade, pois ela permanecerá acesa nos nossos lares.

Devemos ainda aprender a amar nosso chão e nosso céu de sonhos. Temos tudo para ir adiante, assim como nosso primeiro nome, lembras?

Adelante, adiante, para a frente.

É importante sermos otimistas e ter os pés neste solo. Batalhar e trabalhar para fazer desta terra um mundo de coisas boas.

Sim, um mundo moldado com as mãos e com a respeitável inteligência de nossos irmãos.
Tu já fizestes uma viagem, não foi? Sem querer tu pensaste em alguns detalhes e fostes e voltaste.
Assim como tu, nossos dirigentes também pensam, planejam e realizam obras que nossos filhos vão falar com orgulho e seus corações também falarão através de um grande sorriso em suas bocas.

É preciso continuar planejando para atender aos anseios de nossos irmãos carentes.
É preciso combater os malefícios e pensar no bem-estar geral. É preciso, compadre, é preciso trabalhar.
E nós estamos trabalhando prá viver e se for preciso até morrer por este lugar.
Adiante, adelante, adelantado.
Bem ali, no mais tardar das esperanças tu construirás o teu tempo.
Nem que seja sobre a folha que cairá de uma árvore sob o impacto da chuva.

Olha, mano, deves ter a certeza que o rio corre para um único destino: o mar.
E nesta linda cidade paira a luz sobre nossas cabeças.
Então, iluminados, devemos homenageá-la.
Já viste o rio amazonas deitado no seu leito. Já viste a importância da Fortaleza de São José. Já viste também os namorados apreciando o rio parir uma lua gordinha lá no Quebra-Mar.

Então tu sabes, mano, como é linda e hospitaleira a nossa cidade, né? Pois é.
O Marco Zero do Equador passa aqui pertinho, separando o mundo em dois hemisférios. Já notaste que vem tanta gente aqui pra visitá-lo?
Tem uns turistas louros, morenos, pretos e amarelos que só tiram fotografias com as pernas abertas dizendo que estão no meio do mundo.
Sabes por quê? Ora, Macapá é importante…

Mas tu sabes o que significa a palavra Macapá? Não?
Macapá é uma variação de Macapaba, que quer dizer, na língua dos índios, estância das macabas, o lugar de abundância de bacaba.
Bacaba é uma fruta boa e gostosa, né?
Apesar de gordurosa ela alimenta muito a gente e o seu vinho ainda tem aparência de café com leite.
É assim como o açaí, o nosso petróleo comestível que a gente compra um litro na amassadeira do Ramiro e dá de pau na hora do almoço. Temos tanta fruta que tu nem imaginas…

Foto: Max Renê

Temos cupuaçú, graviola, bacuri, jenipapo, uxi, pupunha, camapu, ingá, chega a dar água na boca.
Mas, compadre, Macapá é uma linda morena.
Vês que de manhã aquele solzão bate no Amazonas que chega até encandear a gente.
Macapá é uma cidade segura. Aqui o rio nunca transbordou.

E quando o sol vai embora, mano, nós ficamos com a certeza que ele voltará.
E assim como nós acreditamos nisso, nós acreditamos no futuro e no trabalho de nossos irmãos.
Na essência da poesia a Macapá o que vamos encontrar é a alma do povo. O povo que sonha, ama e constrói.
Neste poema, cada dia reescrevemos um verso apaixonado. Uma declaração de amor à nossa cidade, que mesmo se tornando uma capital diferente daqueles dias de Adelantado, não aceitou perder sua alma, nem endurecer seu coração.

Nota do Editor: Esta arrumação de história, prosa e poesia do escritor Fernando Canto serviu para ilustrar cartazes e folhetos distribuídos há algum tempo por iniciativa do então secretário de Planejamento, Antero Dias Lopes. A tiragem foi limitada de modo que não muita gente teve acesso a essa tirada do Fernando. publicando o trabalho, a A Província dá oportunidade a milhares de leitores enxergarem Macapá por um lado diferente, saboroso.
Jornal do Amapá – N°148 Pág.12, 2° Caderno. A Província do Pará – Belém, Domingo, 17 e Segunda-Feira, 18 de abril de 1988.

Editor: Hélio Penafort.

Poema de agora: Mapa, cá – Jaci Rocha

Mapa, cá.

Sempre que procuro no peito
A geografia do amor
O mar que abriga meu lar

A luz de um lugar acende em meu peito.

Paisagens que o tempo não leva:
Um santo que abraça o amazonas,
Grande casa de pedras, igrejinha,
A bênção, meu S. José!

Sempre que penso no lar,
É batuque, samaúma, maré cheia
Ruas enfeitadas de mangueiras
Capital morena, segunda mãe

Casa minha.

Terra da poesia de Fernando, Alcinéa, Maria Ester
Marabaixo no pé, de Tia Luci até aqui,
É igarapé das mulheres, lendas e crenças,
Flores do mato,

Ervas que curam , vida que abunda,
Cá dentro de mim.

Jaci Rocha

* Parabéns, terra querida.Obrigada, segunda mãe.
Observação: há muito mais poetas, cantores e artistas em geral em nossa linda cidade.
Sintam-se representados.

Poema de agora: Microscópica – (@cantigadeninar)

Microscópica

Enxuga a mão no guardanapo da cozinha antes de encostar em mim.
Eu sou o resto de comida molhada na pia:
restos de alface e arroz em meu camarim
prestes a ser inundado de água fria.
Cubra todas as frutas e o queijo.
Eu sou a mosca que se deleita inclusive com os restos da pia.
Esvoaçante e zumbindo pouso com um delicado beijo
plantando larvas de zombaria.
Eu sou as bactérias da geladeira:
um botulismo, um h pylori…
Não tenho cura, mesmo que se queira,
nem com overdose de antibióticos hardcore.
Eu sou esse farelo de bolacha do jantar
que denuncia a falta de faxina no porcelanato
e talvez esse papel de manchar
seja minha única serventia de fato.

Lara Utzig

Poema de agora: Correnteza – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Correnteza

viver é líquido
não como Bauman teoriza
não me refiro à sociedade de consumo
à modernidade
e todo esse compêndio de pesquisa

falo do fluido primeiro
casulo amniótico
e das tetas
colosso-colostro
crime nutricional
de experimentar Coca-Cola

cito as brincadeiras
pega-pega na chuva
penso na sentença feminina
menarca à menopausa
na descoberta do corpo
suor
saliva
lubrificação
sêmen


enfatizo o amor não correspondido
sal dos olhos que acompanha
o amor correspondido
que sempre acaba também
[mas a lágrima é inundação infinita]

e então há a constatação do desdém
o Rivotril
a Budweiser
a heroína
intercalada com champanhes
e brindes de fim de ano

agarra-se a purificação através da fé
água benta
e finais de semana
de fugas para igarapés

e encaminha-se ao pus
ao mijo senil
fraldas da demência
soro fisiológico
morfina
e Tramal

daí tudo termina
em café
seja da manhã
seja dos velórios da família

Lara Utzig 

Poema de agora: MEMÓRIAS DE UMA CAFTINA – Pat Andrade

MEMÓRIAS DE UMA CAFTINA

não há mais cortinas nas janelas
não há velas nos castiçais
não há mais mulheres desnudas
nem homens ébrios, há mais.

não há mais a gargalhada
nem os convites sutis
ninguém paga mais uma rodada
as noites não são mais febris

os desejos só ardem em mim
e ninguém me visita mais
apagou-se, enfim,
a suave luz do abajur lilás

Pat Andrade

Poema de agora: PASSO CEGO – Ori Fonseca

PASSO CEGO

Estavas tu cismando na janela,
Em um momento em que o tempo congela,
E tudo silencia acomodado
Dentro dos olhos teus de olhar nublado.

Eu, que passava desapercebido,
Travei meu passo manco e combalido.
Senti que as pernas eram pedras frias
Desfiguradas pela ação dos dias.

Demos as mãos num caminhar confuso,
Eu confiando em teu olhar difuso,
Tu confiando no meu passo errante.

Perdemo-nos num pântano distante…
Agora, nossas marcas são eternas:
Ceguei-te os olhos, me quebraste as pernas.

Ori Fonseca

Poema de agora: DELIRIUM – Pat Andrade

DELIRIUM

os vapores noturnos
turvam meu olho direito
e assim, meio cega,
percorro a trilha
da solidão desesperada
em ruas, becos, calçadas

tateio corpos abjetos
de putas tristes e encantadas
desvendo esquinas
vilas, pontes e quartos sem janelas
apalpo sonhos desfeitos
traduzo desejos de homens alados
bolino a intimidade da madrugada

no fim de tudo,
resta apenas uma página
repleta de sentimentos falsos

[abandonada numa cama vazia
e enluarada]

PAT ANDRADE

Poema de agora: PARA [VOCÊS] QUE INVENTARAM A TRISTEZA – Marven Junius Franklin

PARA [VOCÊS] QUE INVENTARAM A TRISTEZA

[hoje]
o meu país
desperta carrancudo
sem a matriz deleitável dos alvoreceres
e a beleza estonteante dos dias fulgentes
(anoitece macambúzio
sem o alaranjado dos pores do sol
e o romantismo das antemanhãs).
[hoje]
o meu povo anda arriado
– cabeça pelos pés –
a alma a espargir desalento
e os olhos alagados de expiação)
(caminha vacilante
sem a força dos nossos ancestrais
e a coragem – imprescindível – de arguir).
oh, senhores!
vocês que inventaram a tristeza
ora tenham a fineza de des-inventar!

Marven Junius Franklin

Poema de agora: BAR COTIDIANO – Marven Junius Franklin

BAR COTIDIANO

No bar da esquina
engulo quimeras urbanas
(no cardápio
escondidinho
de esperança
a suavizar doses de fogo)


Assim mesmo
– enquanto o dia falece
detrás da basílica –
cumprimento
o senhor que passa
[de semblante sofrido
& amargura]
(presto atenção ao adejo acanhado
das borboletas amarelas
que bailam no telhado ao lado)


As horas passam
os ônibus passam em direção ao centro
& não me levam em seu trajeto cotidiano
(estou ali – sempre –
preso na sucessão dos dias)

Marven Junius Franklin

Poema de agora: DESLUZ – Ori Fonseca

DESLUZ

A desesperança
Que dói
Que rói
Que mói
Que sói
Acontecer
No frio da noite
No frio da alma
No frio do frio
Corta-te a carne em convulsão

O desassossego
Que cai
Que sai
Que vai
Que atrai
O escurecer
À dor da noite
À dor da alma
À dor da dor
Quer-te habitar o coração

A desarmonia
Do dó
Do só
Do nó
Do pó
De enlouquecer
No caos da noite
No caos da alma
No caos do caos
Rasga-te a veste da razão

Ori Fonseca