Roberto Carlos de Santana, meu louco favorito – Crônica de Fernando Canto (republicada por conta do Dia Mundial da Saúde Mental)

Crônica de Fernando Canto

Não sei bem em que jornal eu li sobre um maluco que morava numa praia do Rio de Janeiro, mas quem o deixou comigo foi meu amigo RT na volta de uma viagem à cidade maravilhosa. O texto o descrevia como um homem corpulento, negro e barbudo, que fumava maconha, mas que não incomodava ninguém. Cumprimentava a todos e fazia parte da paisagem urbana de Ipanema. Todo mundo o conhecia no bairro e o autor do artigo falava em uma espécie de reencontro com ele depois de muitos anos que passou fora do Brasil.

Em Macapá conheci algumas dessas pessoas alienadas, praticamente abandonadas por suas famílias. E foi exatamente na minha adolescência, quando era estudante do ginásio. Na saída das aulas os mais velhos instigavam os mais novos a fazerem chacotas com elas e apelidá-las quando passavam em frente ao colégio.

Nunca esqueci a “Onça”, que possivelmente não era louca, mas viciada na cachaça. Quando convidada fazia espetáculos sensuais, levantava a saia rodada e dançava Marabaixo, sem se desvencilhar da garrafa de “Pitú’ equilibrava na cabeça, rebolando, para o delírio da turma, que a aplaudia sem parar, rindo e gritando com aquelas vozes de fedelhos em mudança, quase bivocais.

Ainda posso ver o “Cientista” lá pelas bandas do Mercado Central trajando seu paletó azul claro e um calção sujo e descolorido. A barba rala, as feições indígenas e o olhar sereno. Vez por outra procurava alguma coisa embaixo de uma ficha de refrigerante ou em uma pequena poça d’água, como se tivesse perdido algo muito valioso. À vezes anotava (ou fazia que anotava) alguma coisa em um papel de embrulho, daí as pessoas acharem que eram importantes fórmulas de um cientista, vindas em um “insigth”, um estalo de ideia. Eu o vi também trajando o pijama de interno do Hospital Geral, de onde fugia de uma ala reservada aos doentes mentais.

Quase decrépito, mas imponente, calvo e meio gordinho era o famoso “Pororoca”. Para mim é inesquecível a cena que vi dele descendo a ladeira da Eliezer Levy, no bairro do Trem, no sol quente do meio dia, bem embaixinho da linha do equador, quando os raios do sol pareciam rachar os telhados das casas e estalar a piçarra. Lá vinha ele, rindo à toa, descalço, de cueca branca e um imenso couro de jiboia enrolado no peito. Um figuraço!

Creio que todos os frequentadores do bar Xodó chegaram a conhecer o “Rubilota”, um senhor de aparência forte, que andava invariavelmente sem camisa, que pedia um cigarro e ia embora. Mas de repente surtava e começava a gritar pornofonias das mais cabeludas possíveis. Quando ficava violento era preciso chamar a polícia, mas com um bom reforço, pois ele era durão.

Quem sempre aparecia pela Beira-Rio era o Zé, cearense e empresário de sucesso, mas que enlouqueceu, dizem, de paixão. Ele me conhecia, e sempre que me via nos bares ia me cumprimentar ou pedir um cigarro. Os garçons tentavam expulsá-lo do ambiente porque andava sujo e com o pijama do hospital, de onde fugia igual ao seu colega “Cientista”. Porém eu não deixava que o escorraçassem.

Havia um cara que eu conheci ainda sem problemas psiquiátricos. Ele tocava violão e cantava na Praça Veiga Cabral, ali na parada das kombis que faziam linha para Santana. Estudava, salvo engano, no Colégio Comercial do Amapá. Anos depois eu o encontrei pelo centro da cidade cantando sozinho pela rua as músicas seu ídolo: era o Roberto Carlos de Santana.

O pessoal da sacanagem do Xodó chegava a pagar R$1,00 para ele cantar o “Nego Gato” no ouvido de algum freguês desprevenido. O RC de Santana chegava por trás da vítima (normalmente um amigo que não sabia da onda da turma) e dava um berro que até o Rei da Jovem Guarda se espantaria. Cantava “Eu sou o nego gato de arrepiar…” em alto e bom som e em seguida saía correndo com medo da porrada até a intervenção dos gozadores que morriam de rir.

Esse era o meu maluco predileto. Não sei por onde ele anda, se morreu como a maioria dos aqui citados, se ainda recebe uma grana para cantar o “Nego Gato” ou se ainda canta acreditando que é o Roberto Carlos, lá em Santana. O interessante é que as pessoas sempre têm uma explicação para a causa da desgraça alheia. Dizem que todos eles tiveram desilusões amorosas, que foram vítimas de traições, e por isso surtaram, e assim viveram e assim alguns morreram. Mas com certeza viveram bem, imersos no seu mundo, sem se importarem com que os “normais” pensassem a seu respeito, sem se indignarem com os acontecimentos inescrupulosos dos políticos indignos, estes sim, os deficientes mentais que precisam ser recolhidos definitivamente da sociedade.

*Republicada por hoje ser o Dia Mundial da Saúde Mental.

Poesia de agora: Caminhada – Fernando Canto – @fernando__canto

Caminhada

Aos que caminham dentro de si e ainda se assombram

De manhã
Meu corpo
É longo
Em sua sombra
Caminhante

Ao meio-dia
Assombro-me
Em segredo
– Encolhidinho –
No equinócio
Da alma

À tarde
Eu me projeto
Rumo ao mar
Com o sol
A bater meu rosto
Nos umbrais da noite

E se um lado é luz
Que me orienta
E de outro
Meu rastro
É a escuridão

Sou, perdoem-me,
Um obscuro ponto
Na paisagem
Que me embala
Ao sol do dia seguinte.

Fernando Canto

FLAUTA – Conto porreta de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

​De manhãzinha, seu Pedro descia os três degraus de escada, fechava a porta com chave, duas voltas, e seguia caminhando cabisbaixo como perseguido pelos sons da flauta que tocava nas horas de folga.

Sempre aquele soprar enfadonho, semi-tonado, choroso e cabisbaixo como ele quando caminhava para o centro da cidade, onde funcionava a barbearia em que trabalhava há 40 anos, ali debaixo do antigo Grande Hotel do Pará.



Quando seu Pedro voltava, já começando a noite, alguns gatos atravessavam a rua, vindos do terreno baldio em frente e, miando, subiam pelo telhado de sua casa, entre as ervas ali dependuradas e telhas soltas cheias de limo.

Com a noite alta, os gatos atravessavam a rua e retornavam às suas moradas no terreno baldio do outro lado da rua. Então, terminava a folga dos ratos. A flauta se calava e o pessoal da república, a uma quadra dali, – Joca, Edílson Calouro, João Silva Santos, Veríssimo, Alípio e Edivaldo – acomodavam-se para estudar. Eu podia ver as notas correndo pela vala em meio à água rala que pouco cobria o lodo do fundo. Na rua tinha um cachorro vagabundo que, vez por outra, pulava na vala atrás delas, e as engolia de um só fôlego. Era ele fazer isso que a estudantada saía pela porta da sala e divertia-se ouvindo-o latir. Uns latidos meio miados, meio zunir de ratos, meio barulho de tesoura cega cortando cabelo.



Veríssimo era o mais moleque e o atiçava com uma toalha. Certa vez, foi tanta a algazarra que seu Pedro saiu na porta de sua casa e tocou na flauta um fado tão lamento, que as notas saíram da vala, da boca do cachorro, do barulho de uma rasga mortalha, e coloridas e em fila retornaram para a flauta. Seu Pedro fechou a porta e, mais depois, amanheceu. Tudo foi tão rápido que os degraus não tinham se levantado quando ele abriu a porta e desceu.

Noutro dia, eu soube que ele caíra e fora levado para o hospital. E que mais tarde toda a vizinhança o fora visitar. Uns levaram caqui, outros restos de mar, outros nacos de sol. Eu levei alguns gatos pardos e malhados e um rato, o que costumava cantar mais alto. Não consegui entrar.


À noitinha seu Pedro morreu. A vala foi aterrada pela Prefeitura. Chegou o carnaval e os gatos viraram tamborins. A flauta ficou pendurada na sala, guardando notas enferrujadas. Até que a casa ruiu. Os estudantes concluíram seus cursos e sumiram. Eu fiquei sozinho, escrevendo contos irreais sobre flautas, gatos, ratos, cães e valas. Coisas em que seu Pedro, também sozinho, nunca acreditou.

– Seu Pedro era canhoto?

*Do LIVRO de Contos Antena de Arame – 2° Edição Editora Rumo Editorial (São Paulo – 2015).

Poesia de agora: DHOIS – Luiz Jorge Ferreira

DHOIS

Ela entrou na minha vida como se fosse a sua casa.
Estendeu a toalha, espalhou seus trecos, seus troços, suas tralhas.
Fez horários, corrigiu meu vocabulário, enviou torpedos, olhares.
Acenou com a minha mão, ensinou-me o sim e o não, pelo telefone, falamos no mesmo tom.

Ela entrou na minha cabeça, e acampou no meu pensamento.
Retirou-me do avesso por dentro, escorou minhas idéias, escancarou as janelas.
Apagou as pegadas, perfumou-se e quando foi noite , partiu.

Leu O Código da Vinci dos vinte aos poucos trinta anos.
Quando Junho chegou e no décimo quarto dia…choveu
Eu amassei minha lua contra a sua, porque eram duas.
Uma já havia tomado posse da casa, a outra queria se apossar de mim.

Luiz Jorge Ferreira

 

*Do livro Pizza Literária – Coletânea Volume XV – Rumo Editorial – 2012, São Paulo, Brasil.

As que se chamam Flávia… – Conto muito porreta de Ronaldo Rodrigues sobre a chegada de outubro (republicada em todo 1ª de outubro)

Conto de Ronaldo Rodrigues

– Outubro é muito perigoso!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

É preciso segui-la. Sinto isso logo que a vejo na livraria. Está folheando uma revista, sem muita atenção, fixando-se apenas nas fotografias. Parece estar ali com o mesmo propósito que eu, matando o tempo até voltar ao trabalho.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***
– Outubro é muito, muito perigoso!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Ficamos lado a lado, embora a mulher permaneça como se só ela existisse. Tenho a visão no livro que folheio sem qualquer interesse e a atenção totalmente voltada para a mulher. Ela fecha a revista decididamente, olha para o relógio e o percebe parado:

– Sabe as horas, moço? – Pergunta, altivamente.

– Nã… Não! Não… sei… – Gaguejo, respondendo.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Quem sempre me dizia isso era o Capitão Nemo:

– Tenha muito cuidado, menino! Outubro é muito perigoso!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Ela deixa a revista na estante e dirige-se à portaria. Confere a hora e acerta o relógio. Sai da livraria e eu continuo olhando aquela mulher, agora através do vidro da vitrine. Ou será que não existe vidro algum? Meu olhar é que fez a parede tornar-se transparente?

Pergunto o motivo do perigo de outubro e ele responde, depois de longo silêncio, os olhos em transe, na direção do mar:

– É em outubro que começamos a enlouquecer! É em outubro que costumam surgir as sereias!

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Ela atravessa a rua. Saio da livraria, disposto a segui-la, e paro na esquina. Contemplo, então, o espetáculo da rua silenciar-se para a passagem daquela mulher. A paisagem urbana torna-se repentinamente quieta, mas com uma acelerada pulsação interior que começa no asfalto e termina/continua no meu peito.

Ela entra num edifício e eu continuo seguindo seus passos. Ainda não me percebeu e acho que isso não acontecerá nunca. Ela aguarda a chegada do elevador junto a mais três pessoas. Incorporo-me ao grupo e passo a esperar também.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Todos dizem que não devo dar atenção às palavras do Capitão Nemo. Dizem ser louco tanto o Capitão Nemo quanto quem o escuta. Mas eu digo que não. É preciso buscar o sentido das palavras, principalmente das que nos parecem mais delirantes.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

O elevador chega, nos recolhe e inicia sua lenta subida. As pessoas vão ficando em seus respectivos andares até restar apenas eu e a mulher. Como música de fundo, meus batimentos cardíacos ecoam nas paredes do elevador confundindo-se com a palavra outubro.

*** *** *** *** *** *** *** *** ***

Outubro. Agora compreendo claramente seu perigo. O Capitão Nemo ficou aprisionado em sua louca lucidez, nos destroços do seu navio, enfeitiçado por uma sereia. Eu estou preso neste elevador atraído por uma sereia. Aqui ficarei para sempre, aguardando todos os dias aquela mulher maravilhosamente perturbadora cujo nome conheço apenas a letra inicial (F), que vi uma vez em que ela abriu rapidamente a agenda.

Todos os dias, quando ela sai do elevador, ainda sem notar minha presença, recordo as palavras do Capitão Nemo, que todos acreditavam serem palavras de um louco:

– É preciso ter muito cuidado com as sereias de outubro. Elas são cruéis e nos enfeitiçam com desejos intocáveis. Principalmente, meu filho, as que se chamam Flávia…

* Este conto foi publicado em 1995, na coletânea Novos Contistas da Amazônia, em Belém, resultado de um concurso promovido pela Universidade Federal do Pará. Tempos depois, o conto inspirou a HQ Outubro, do cartunista Paulo Emmanuel, premiada em dois salões de humor. Isso mostra o quanto este conto é quente.

Macapá já se anunciava para mim, pois o livro trazia contistas que só fui descobrir aqui, como Archibaldo Antunes e Ray Cunha, e apresentação do grande Fernando Canto.

Gosto muito deste texto, creio que seja um ponto alto da minha carreira de contista, que ofereço agora como homenagem, digamos assim, ao mês de outubro.

Olhos do Cacique/ Olhos de Daniel- Conto de Fernando Canto – @fernando__canto

Conto de Fernando Canto

Os olhos do cacique Waiwai me incomodam, amiúde, ali naquela parede. São olhos fixos de uma entidade captada por outra, por meio de uma máquina enfeitiçada; olhos brilhantes, às vezes zâimbos, olizarcos, quando não olhorridentes que me fitam e que me sondam, cobrando uma atitude incompreensível, considerando a hipótese de eu ter em mim um certo percentual de sangue indígena.

Foto: Victor Moriyama

Eles me acompanham ao movimento fugitivo desta sala. Olham-me nos olhos – olhiagudos – e, olhizainos, se voltam ao nicho dimensional desse retrato.

Eu absorvo a tese de que um olho é uma voz silente/ que traz o ralho do mundo./ Astro cintilante/ caverna que abriga enchentes./ Enchente só de quebranto/ memória de um rio de gente./ Imagine a hora do click,/ quando o tempo parou no próprio tempo,/ mas não capturou só a alma do vivente./ Trouxe imagem, forma e jeito/ que desmonta o mundo.

O homem arrebatou-lhe a alma e a encarcerou num caroço de tucumã, onde vivem os males do mundo; prendeu-a na caixa pandemônica – pandoriana morada de palavras e de imagens nascituras. Ah, ali o índio envidraçado se revolta e pede uma saída para a quarta dimensão: largura, altura, densidade e espaço/tempo indissolúvel do andar da Via-Láctea. O cacique encarcerado sabe as voltas do tempo em espiral, de sua história circular no tempo mítico. Mas seu apelo morre no franzir da testa.

De onde vem, então, essa intenção anormal;/ obscuro intento de raptar dentro de dentro;/ maligno destino planejado há séculos,/ quando a ordem formal era obedecer à lei?/ De onde vem a lida da vindita/ escrita pelas mãos dos homens?/ Olho por olho, armas compulsórias de luta atrozes?/ De onde se origina a captação da alma pura?

De um cemitério de imagens, talvez, tu me respondes. De um sufoco de calor – brasa nos pés, fornalha babilônica sete vezes mais ardente, onde três caldeus renitentes condenados cantam. E os servos do rei alimentam o forno com a mais grossa veia do betume, com estopa, pez e feixes de videira. E as labaredas se levantam quarenta e nove côvados acima da casa de fogo insólito. E já entre nós, dizem os três homens incólumes, não há príncipe, nem há capitão, nem profeta, nem holocausto, nem oblação, nem incenso, nem lugar em que te ofereçamos nossas primícias (Quem narra é testemunha aflita do tempo de Nabucodonosor).

Pintura Daniel Na Cova Dos Leões – Peter Paul Rubens

Mas de onde se origina a retenção da alma pura?

De um sonho interpretado, talvez, eu te respondo. Em uma cova de um lago povoado por leões, selado pelas pedras e por anéis de poderosos, onde por duas vezes as feras não te atacam. E ali tu te alimentas do pão inesperado. E vês nascer em ti a visão das quatro bestas, a imagem das alimárias do destino apocalíptico, dois mil anos antes de João, dois mil depois de João (E é a tua biografia que conta).

Um olhar me sonda. Mira-me em certeiro alvo: os olhos meus. Oulhar/aolhar/Oolhar. Ourolhar. Cercado de tranças e colares sobre a pele rija, aureolado de diadema de penas coloridas, imagino eu, no meu delírio em preto-e-branco. E o índio ali. Fixo. Olhar atônito. Envidraçado na parede da sala.

Waiwai é o próprio Ianejar a caminho das estrelas, contando sua viagem para além da borda do final do mundo, onde mora com as borboletas, panãs desfalecidas em seus casulos.

Waiwai é quase um herói, um deus como Ianejar, que se desespera e pede a ele os cataclismas. Novamente o fogo se espalha na floresta. É uma fornalha viva fora da grande casa de barro – Mairi. Olhem, olhem: quarenta e nove mil côvados de altura para além das maiores samaumeiras, as labaredas.

Depois vem o dilúvio lavar as cinzas dos desejos, do medo e da mudança. E Mairi, a casa de argila, sobrevive ao fogo e ao frio e aporta sobre as águas caudalosas do Grande Paraná, onde os ancestrais dos waiãpi se salvam para contemplar um novo e espiralado tempo. Tempo que virá. De novo.

Ah, mas os olhos do cacique ainda me sondam. Fitam-me de fato. Eivados de líquidos diluvianos e de cataclísmicas centelhas de um dia, que por serem opostos se respeitam, se atraem e se anulam, se amam e se desprezam. Olhos envidraçados, quintessenciados na imagem como os leões da cova do lago aos olhos de Daniel.

Amapaense apresenta livro com poesias sobre amor e os sentimentos da alma

Foto: Diário do Amapá

Por Lana Caroline

Em 1997, o ator, poeta e compositor amapaense Nonato Quaresma, lançou seu primeiro livro intitulado “Murmúrios”, na biblioteca pública Elcy Lacerda, e agora, está com sua mais recente obra em mãos. O livro “Sangramentos da Alma” conta com 69 poesias e sonetos que falam sobre os sentimentos da alma. O livro ainda não foi publicado devido à pandemia.

“O lançamento era para ser no mês de março de 2020, mas com a pandemia, não pude fazer o lançamento. Os meus poemas falam muito sobre amor e os sentimentos da alma”, disse o escritor.

Mesmo sem ser lançada, a obra literária está disponível nas Bancas do Dorimar; da Rosinha; do Luiz e do Lucélio, custando apenas R$ 15.

POEMA ‘LUTE’

Por que me deixas esperando,
Se este amor é para valer?
Há muito o tempo está passando,
Sem nada a gente resolver
Tudo muda mundo a fora
E tudo passa pela vida,
Sinto o sonho indo embora
E o que temos feito, querida?
O tempo não espera e nem tem defeito
E tampouco pode parar;
Se algo tem que ser feito,
Lute! Não deixe o sonho acabar!
Preciso de você a todo o instante
Não a quero tão ausente,
Mas sempre tê-la presente!
Vem ser luz dos meus olhos,
Vem me dar esta alegria,
Pois eu sempre te acolho
Das tempestades de dor!

Nonato Quaresma

 

Fonte: Diário do Amapá.

Poema de agora: Voa, passarinho… (Tãgaha Soares Luz)

Foto: Sal Lima

Voa, passarinho…

Quem te ver cantar pensa estar feliz
Há água e semente pra te alimentar
Não sabe, porém, que o teu canto é triste
Tuas asas se debatem por entre grades
Assim é o teu cárcere…
Passam dias, passam horas, passa o tempo
E esse é o passatempo da ave canora
Que poderia estar voando pras bandas de lá
Além de lá
E entre campos, cantos, flores, construindo ninhos…
Por que será que o homem
Irracional
Esse animal
Insiste em te prender?
Se a lei da natureza diz
Acima de tudo
Que o passarinho foi feito pra voar?
Voa, voa, passarinho…
Voa, vai além do céu…
Leste, Oeste, Norte, Sul
É tudo azul…
Voa para o infinito…

Tãgaha Soares Luz

Cocadas ao sol: e-book será lançado neste sábado (2) em live com convidados

Neste sábado (2), às 18h, será lançado em uma live o e-book do livro Cocadas ao sol, do jornalista e escritor Júlio Miragaia.

O lançamento será transmitido no Facebook e YouTube do autor e contará com a participação de convidados especiais da cultura amapaense e também de autores de outros estados. A atriz Hayam Chandra fará a apresentação.

Entre os convidados estão o Coletivo Amazonizando, que fará performances juntando marabaixo com os textos da obra. Participam também o jornalista paraense Adriano Abbade, os escritores amapaenses Paulo Tarso Barros, Pat Andrade, Lulih Rojanski, Thiago Soeiro, o ilustrador do livro, Roberto Vanderley, a design Olívia Ferreira e a cantora e ativista cultural Heluana Quintas. O escritor cearense, Alan Mendonça, e o mineiro Sérgio Fantini também marcam presença.

“É um momento de celebração com amigos. Depois da versão impressa, estamos lançando o e-book para contar na plataforma digital as histórias de Cocadas ao sol”, explicou Júlio Miragaia.

A obra reúne 33 poemas e 3 contos que abordam, entre os temas questões sociais como a fome, a pobreza e dramas de meninos de rua em Macapá. A versão física do livro foi lançada no dia 25 de julho.

Agora em e-book, Cocadas ao sol está disponível no site da Amazon para Kindle e qualquer plataforma digital. O livro custa R$ 20.

O link para comprar o livro é:

Transmissão

No Facebook: https://www.facebook.com/julio.miragaia

YouTube: https://youtube.com/channel/UCQXSfLFFQ7W8gFgf2G8o6GQ

Sobre o autor

Júlio Ricardo Araújo, o Júlio Miragaia, tem 36 anos. Natural de Belém (PA), passou os últimos anos entre a terra natal e Macapá (AP), onde hoje mora.

É jornalista, pós-graduado em gestão e docência no ensino superior, e autor do livro de poemas “O estrangeiro de pedras e ventos” (2014, Multifoco-RJ).

Começou a publicar em 2005 poemas, contos, resenhas e crônicas no blog pessoal “O desuniverso do jovem messias”. Foi editor e articulista no Portal Selesnafes.com e, atualmente, tem postado algumas de suas produções literárias no Blog De Rocha.

Foi vencedor do Prêmio Literário Isnard Lima Filho, no concurso literário “Macapá com todas as letras” na categoria crônica (2006). No concurso, promovido à época pela Biblioteca Pública Elcy Lacerda e Prefeitura Municipal de Macapá, o texto premiado foi “A Banda”, registro sobre o bloco da Terça-feira Gorda de Carnaval em Macapá.

Poesia de agora: Os meninos contemplados pelo sol – @juliomiragaia

Foto: Júlio Miragaia

Os meninos contemplados pelo sol

Depois da chuva ensolarada,
Os meninos equilibram
Entre o tempo, o espaço,
O vento e a Fortaleza
Um pequeno
Fruto da memória

Arquitetam,
em papel de seda,
Talas, linha e rabiola
O que se brinca
E o que se basta
Nas cores do Flamengo

O sol observa a partícula
De vida dos meninos-pipa
Enquanto descansa
A sua astroexistência
Ao lado do baluarte de São José

É um entardecer qualquer
Dum sábado esquecível
Não fosse a memória-pipa
Daqueles meninos,
Contemplados pela velha estrela

O ancião sideral guarda consigo
Os fragmentos de memórias e rios amazonas
Inteiros de auroras e crepúsculos

Guardará depois de hoje,
No nada das coisas,
A ternura da imagem
Dos meninos-pipa
Que cultivaram
Depois da chuva ensolarada
Frutos e ventos
Da memória

Júlio Miragaia

Adoro velhos malucos – Crônica de Elton Tavares (republicado por conta do Dia Internacional das Pessoas Idosas)

Arte: Ronaldo Rony

Resistir, fazer beicinho ou ficar chateado não adianta nada, todos envelhecemos. Lutar contra isso é uma guerra inútil, de fato. Acho legal a coroada que leva isso na boa, principalmente os velhos malucos. Adoro velhos malucos. Conheço uma porrada deles.

Os velhos malucos não se resumem a cuidar de netos, jogar xadrez ou cartas com outros velhotes encarangados. Não. Eles frequentam os bares das esquinas, falam besteira, tocam, dançam, namoram, bebem… Ou seja, vivem!

Os velhos malucos fazem de tudo por uma vida menos ordinária. Ou o que pelo menos resta dela. Entre as coisas das quais me gabo, está o fato de ser amigo de músicos, escritores, poetas e artistas em geral. Vários deles, coroas doidaços que curtem a vida como aos 20.

Falos de todos que estão acima dos 65 e ainda possuem o espírito inquieto e se recusam a ficarem mergulhados no tédio. Alguns são somente porretas, outros são paid’éguas, loucos varridos. E não pensem que falo somente de quem ainda curte a noite ou toma cachaça.

Admiro os que vão ao cinema no meio da semana, que viajam quando dá na telha, que sabem que já contribuíram bastante para suas famílias e sociedade para agora se dedicarem a viver tudo que quiserem.

Quem sou eu para dar conselhos a senhores que sabem muito mais da vida. Mas ser um velhote maluco deve ser bem mais feliz que viver numa cama, no fundo de uma rede, num sofá ou em uma cadeira de balanço à espera do “único mal irremediável”. Principalmente quando o senhor ou senhora vive na solidão.

Claro que meus velhos companheiros doidões não abdicam de seus afazeres corriqueiros, mas também não colocam tanto peso em cima de algo tedioso que não lhes dá prazer. E acho isso o máximo!

Os velhos malucos não estão mais atrás de sonhos impossíveis ou de tesouros. O que eles querem é viver bem com o que possuem e em paz com os seres humanos que se tornaram. Suas experiências e histórias rendem bons causos e conselhos. A gente se diverte com tanta prosa poética.

Falo de exemplos como o de Carter Chambers (Morgan Freeman) e Edward Cole (Jack Nicholson), no filme “Antes de partir”. Se meu pai estivesse vivo hoje, faria 70 anos e tenho certeza que o saudoso Zé Penha seria um velho maluco.

]

Tomara que eu, se me tornar um velho gordo de barbas e cabelos brancos, seja um coroa maluco e saiba aproveitar o número de anos vividos da melhor forma possível. Que como hoje, tenha muito mais alegrias que tristezas. Que também tenha desenvoltura para bater papo e entrevistar outros velhotes doidões ou jovens com corações ávidos por aventura, ambos sedentos de vida.

Eu queria mesmo é que a velhice não impedisse ninguém de ser feliz. É isso!

“Os velhos malucos são mais malucos que os jovens” – Duque de La Rochefoucauld ( François Poitou).

Elton Tavares

*Republicado por conta do Dia Internacional das Pessoas Idosas.

Poesia de agora: Croni-verso de você – @juliomiragaia

Croni-verso de você

A noite foi embrulhada
Por uma chuva
Secular,
Um espelho
Sonoro
De infinito
Sossego
E saudade

O perfume da água
E o perfume do teu corpo
Eram as moradas
Mais importantes
Debaixo do firmamento
E acima da terra

Choviam
Sílabas e silêncios
Bélicos
De algum tipo de amor,
Enquanto
O Paricá, em sonâmbula
Metamorfose,
Dormia
O sono dos puros
E encharcados

Era noite
De visagens amedrontadas
Ante o nada
Que se dizia
Em teus gestos
de abril

E ante a ti,
Como quem perde
Qualquer futuro,
Fruto
Ou fim
Eu te quis
Num rio surdo
E desequilibrado
De vinhos e bocas

Júlio Miragáia

Poema de agora: A BÊNÇÃO, SAMAÚMA! – Pat Andrade

Foto: Elton Tavares

A BÊNÇÃO, SAMAÚMA!

abençoa, Samaúma!
todos os nossos dias
aqueles dourados
e também os cinzentos

abençoa esse amor
de abraços apertados
e passos lentos

abençoa essas bocas que falam e se unem
em beijos sedentos

abençoa esses corações
que pulam inquietos
dentro do peito

abençoa, Samaúma,
a alegria desse momento

abençoa esse amor
de mãos dadas
e folhas ao vento

Pat Andrade

Poesia de agora: Não enterrem meu coração na curva do rio – Luiz Jorge Ferreira

Foto: Floriano Lima

Não enterrem meu coração na curva do rio

Não enterrem meu coração na curva do rio.
Desaguem o rio no meu coração.
Ensinem a essa saudade quase moribunda.
Onde ficam meus pensamentos, que olham ao relento as estrelas pálidas de Syrius.
Varram para próximo aos meus passos todo o espaço que desenhei no caderno das primeiras letras quando fui ao Grupo Escolar Azevedo Costa.
Tudo para mim tinha o perfume que hoje paira sobre os poemas que desenho n’alma.

Não enterrem meu coração na curva do rio.
O rio secará um dia e meu coração ficará exposto a sede de sonhos e a dor dos ontens…

Esse rio que foi e é a rua de um Poeta.
Foi o berço das Pororocas que esculpem faces nas rochas, criam castelos de areia na praia…
E somem como as coisas que nos rodeiam.
Deixando lembranças no leito do rio… que são páginas de livros para os Poraquês , Arraias e Tralhotos.
Para mim que nem mergulho, nada dizem.
Vou acompanhar as Gaivotas lépidas que sobrevoam minha sombra…
E quando eu mergulhar com os Urubus que mancham de cor escura esse céu anil…
Usarei a abundância das lágrimas para sujar a dor.

Não enterrem meu coração na curva do rio…
Tenho medo das curvas, elas nunca chegam a qualquer lugar.
Elas nunca chegam aonde eu queria ter ido.
Pois dois cegos fazendo Selfie… jamais conseguirão registrar a dor do meu coração.

Tenho medo de ficar ao relento… coração exposto as pisadas tropegas da procissão dos solitários e a lambida inoportuna dos gatos que nos telhados abandonaram seus lamentos e miados para vir se apossar dos meus.
Não enterrem meu coração na curva do rio.

Luiz Jorge Ferreira

* Osasco (SP) – 25.09.2021